O Temor: A Reverência que Liberta do Medo e Gera Intimidade – Estudo Bíblico sobre os temas do NT

No estudo anterior, falamos sobre a alegria que temos ao servir ao Senhor. É possível que alguém tenha pensado: "Como essa alegria se encaixa com o temor a Deus? Essas duas coisas não parecem opostas?".

Essa é uma pergunta muito importante. E a resposta, para quem conhece bem a Bíblia, é que o autêntico temor do Senhor e a verdadeira alegria não apenas coexistem, mas andam de mãos dadas. 

Quando as Escrituras falam sobre o "temor do Senhor", elas não estão nos chamando a ter medo de Deus, como um escravo que treme diante de um tirano caprichoso. Esse tipo de medo, movido pelo terror da punição, é o medo dos pagãos que não conhecem o caráter de Deus, ou dos crentes que caíram em pecado profundo e se afastaram de Sua presença.

O verdadeiro temor do Senhor é um respeito filial. Pense na relação ideal entre filhos e pais. Os filhos não têm medo do pai, mas sentem uma profunda veneração e respeito. Se eles o desobedecem, não ficam em paz até confessar e pedir perdão. Essa reverência anda junto com uma confiança inabalável em seu amor.

O temor que devemos a nosso Pai celestial é infinitamente maior, mas a confiança que podemos depositar Nele também é infinitamente mais firme. É um misto de reverência diante de Sua Majestade e confiança inabalável em Sua misericórdia. A pergunta que nos guia é: como podemos cultivar esse temor saudável, que produz vida, e ao mesmo tempo lutar contra o medo doentio, que a destrói?

1. O temor do Senhor é a fonte da sabedoria e da vida reta

As Escrituras estão repletas de promessas belíssimas para aqueles que temem ao Senhor. É um tema central, especialmente nos livros de sabedoria.

Salmo 25:12-14
Quem é o homem que teme ao Senhor? Ele o ensinará no caminho que deve escolher. A sua alma pousará no bem, e a sua descendência herdará a terra. A intimidade do Senhor é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança.

Intimidade com Deus, direção, bem-estar, bênçãos para os descendentes — tudo isso flui do temor ao Senhor. O Salmo 112 acrescenta: "Bem-aventurado o homem que teme ao Senhor, que em seus mandamentos tem grande prazer... Bens e riquezas haverá na sua casa" (v. 1-3).

Temer ao Senhor, portanto, é sinônimo de servi-lo, andar em Seus caminhos, guardar Seus mandamentos, fugir do mal e ter prazer no bem. É o princípio da sabedoria e uma fonte de vida. Na prática, isso se traduz em ações concretas:

  • Porque José temia a Deus, ele se recusou a tratar seus irmãos com injustiça (Gênesis 42:18).
  • Porque as parteiras egípcias temiam a Deus, elas desobedeceram à ordem assassina do Faraó e preservaram a vida dos bebês israelitas (Êxodo 1:17).
  • Quem teme a Deus não amaldiçoa o surdo, não põe tropeço diante do cego, não engana o próximo nem explora o pobre (Levítico 19:14; 25:17).

O temor do Senhor molda não apenas nossa relação vertical com Deus, mas também nossa relação horizontal com o próximo. E essa verdade não ficou restrita ao Antigo Testamento. Paulo nos exorta a aperfeiçoar a santidade "no temor de Deus" (2 Coríntios 7:1) e a desenvolver nossa salvação "com temor e tremor" (Filipenses 2:12). Pedro nos lembra de viver "em temor durante o tempo da vossa peregrinação" (1 Pedro 1:17).

O temor e a alegria se equilibram. A alegria nos guarda do medo paralisante, e o temor nos guarda da alegria mundana e superficial. Uma igreja saudável é aquela sobre a qual se pode dizer, como em Atos 9:31: "...andando no temor do Senhor, e na consolação do Espírito Santo, se multiplicava".

Aplicação

  • Peça a Deus para lhe dar o "temor do Senhor". Este temor não é algo que possamos fabricar. É um dom do Espírito. Peça a Deus que lhe dê uma visão tão grande de Sua santidade e majestade que a reverência se torne a atitude natural do seu coração.
  • Traduza o temor em obediência prática. O temor do Senhor não é um sentimento vago; ele se manifesta em como você faz negócios, como trata os vulneráveis e como lida com as tentações diárias. Em qual área da sua vida a falta de temor a Deus está se manifestando em desobediência?
  • Busque a "intimidade do Senhor". A maior promessa para quem teme a Deus é a intimidade com Ele. Busque essa comunhão acima de todas as outras bênçãos. É nesse lugar de relacionamento próximo que o temor se torna deleite e a obediência se torna alegria.

2. O medo doentio nasce da pouca fé e do ataque do inimigo

Apesar da beleza do temor filial, existe outro tipo de medo que frequentemente assombra o coração dos crentes. É um medo que escurece a alegria da fé. Não deveria existir, mas é uma realidade.

Os próprios discípulos de Jesus o experimentaram. Em meio a uma tempestade violenta no Mar da Galileia, eles clamaram: "Senhor, salva-nos, que perecemos!". A resposta de Jesus foi um diagnóstico preciso: "Por que temeis, homens de pouca fé?" (Mateus 8:26). A pouca fé é a causa do medo paralisante. E quem de nós não é afligido, às vezes, por essa pouca fé?

Esse medo pode se manifestar de várias formas:

  • O medo do pecado imperdoável: Quando caímos repetidamente no mesmo pecado, o diabo sussurra em nosso coração: "Será que ainda há perdão para isso?". Ele alimenta esse pensamento para nos levar ao desespero.
  • O medo do sofrimento sem sentido: Quando as circunstâncias se tornam insuportáveis, quando os ímpios prosperam e nós sofremos, o pensamento do Salmo 73 pode nos assaltar: "Na verdade, em vão tenho purificado o meu coração... pois todo o dia tenho sido afligido".
  • O medo do silêncio de Deus: Nos momentos mais sombrios, quando tudo dá errado e perdemos o que nos é mais querido, a pergunta angustiante do Salmo 77 ecoa em nossa alma: "Rejeitará o Senhor para sempre?... Cessou para sempre a sua benignidade?... Esqueceu-se Deus de ter misericórdia?".

Se pensamos que grandes heróis da fé estão imunes a isso, estamos enganados. Martinho Lutero, o homem que enfrentou papas e imperadores, confessou com uma honestidade comovente sua luta contra o medo e a dúvida. Ele admitiu que nem sempre conseguia crer tão firmemente quanto pregava. "O diabo", escreveu ele, "já me apresentou argumentos tais que eu já não sabia se havia um Deus ou não".

Até mesmo o apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 7:5, fala de um tempo em que, "por fora, combates; por dentro, temores". Somos e permanecemos homens e mulheres frágeis. Ninguém está imune ao medo.

Aplicação

  • Seja honesto sobre seus medos. Fingir que você não tem medo não o torna mais espiritual. Admita suas lutas, como Lutero e Paulo fizeram. A honestidade é o primeiro passo para encontrar a cura e o consolo de Deus.
  • Reconheça a fonte do seu medo. Muitas vezes, o medo não é apenas uma reação emocional, mas um ataque espiritual. O diabo é um "inimigo da luz" que quer apagar a chama da nossa fé. Reconhecer isso nos ajuda a lutar com as armas espirituais certas: a oração e a Palavra.
  • Fortaleça sua fé nas promessas de Deus. O antídoto para a "pouca fé" é a exposição constante à Palavra de Deus. Quando o medo atacar, contra-ataque com as promessas de Deus. Memorize versículos que falam da Sua soberania, amor e fidelidade.

3. O único remédio para o medo é correr para o Salvador

Se somos tão frágeis e o inimigo tão astuto, onde encontramos a força para vencer o medo? A resposta é clara: não podemos resistir com nossas próprias forças. O único remédio é correr, repetidamente, para o nosso fiel Salvador.

Hebreus 4:15 nos dá um consolo imenso: Jesus pode se compadecer das nossas fraquezas, pois Ele também foi tentado em todas as coisas, como nós, mas sem pecado. Ele entende nossas lutas.

O autor de Hebreus vai além, revelando que o próprio Jesus, "nos dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto ao que temia" (Hebreus 5:7). Ele conhece a agonia do medo reverente.

É por isso que o Catecismo de Heidelberg encontra um consolo tão profundo na doutrina da descida de Cristo ao inferno. Ele nos ensina que, em nossas maiores dores e tentações, podemos nos segurar nesta verdade: que nosso Senhor Jesus, por meio das inexplicáveis angústias e terrores infernais de Sua alma, especialmente na cruz, nos livrou da angústia e do tormento do inferno.

Ele enfrentou o abandono para que nunca fôssemos abandonados. Ele sentiu o terror da ira de Deus para que pudéssemos viver no conforto de Sua graça. Ele é a força da nossa força, o Ajudador em toda necessidade.

Aplicação

  • Corra, não lute. Quando o medo o atacar, sua primeira reação não deve ser tentar "ser mais forte", mas correr para o refúgio que é Cristo. Clame a Ele em oração. Derrame seu coração, suas angústias e seus medos diante Dele.
  • Medite na Paixão de Cristo. Quando se sentir sozinho ou amedrontado, medite sobre o que Jesus sofreu por você. Lembre-se do Getsêmani. Lembre-se do clamor na cruz. Saber que Ele passou pelo vale mais escuro por amor a você lhe dará a certeza de que Ele nunca o deixará.
  • Aproprie-se do consolo da cruz. A cruz não é apenas um evento histórico; é uma fonte contínua de consolo. A certeza de que Jesus já sofreu o castigo e a angústia que você merecia é a base para superar todo medo do juízo e da condenação. Descanse nessa verdade.

Conclusão

A vida cristã é uma caminhada em uma corda bamba, com a alegria de um lado e o temor do outro. Não podemos nos inclinar demais para um lado sem cair. Sem a alegria, nosso temor se torna terror. Sem o temor, nossa alegria se torna superficial e mundana.

Que Deus nos dê a sabedoria para cultivar um coração que treme diante de Sua santidade e, ao mesmo tempo, se deleita em Sua graça. Que possamos aprender a andar no "temor do Senhor", encontrando nele não um fardo, mas a fonte da verdadeira sabedoria, vida e, paradoxalmente, da mais profunda alegria.


Lista de estudos da série

1. O Evangelho: A Vitória de Deus que Redefine a Vida – Estudo Bíblico

Semeando Vida

Postar um comentário

O autor reserva o direito de publicar apenas os comentários que julgar relevantes e respeitosos.

Postagem Anterior Próxima Postagem
Ajuste a fonte: