Servir não é algo natural para o ser humano. E nós somos humanos. Por natureza, não somos melhores do que os incrédulos. E a inclinação do coração humano não é servir, mas dominar.
Se achamos que servir é algo fácil para um crente, estamos enganados. É uma lição que precisamos aprender repetidamente, pela graça de Deus.
Até mesmo os discípulos mais próximos de Jesus discutiram sobre quem entre eles seria o maior no Reino dos céus. O desejo pelo Reino era bom, mas a ambição de liderar e ser o primeiro era desastrosa.
Em uma ocasião, eles se aproximaram de Jesus e perguntaram diretamente: “Quem é o maior no reino dos céus?”.
A resposta do Salvador foi um ato profético. Ele chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mateus 18:3-4).
Em outro momento, a mãe dos filhos de Zebedeu pediu a Jesus lugares de honra para seus filhos no Reino. O pedido gerou indignação entre os outros dez.
Talvez porque eles mesmos desejassem secretamente aqueles lugares? Jesus, então, os reuniu e deu uma das lições mais revolucionárias de toda a Escritura:
Mateus 20:25-28
Sabéis que os governadores das nações se assenhoreiam delas, e os que são grandes exercem sobre elas autoridade. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro seja vosso servo; bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.
Essa aversão ao serviço e o amor aos primeiros lugares é um perigo constante na igreja. Então, como podemos abandonar a busca por poder e abraçar o chamado radical para servir, que define a vida de um discípulo de Cristo?
1. Cristo inverteu a lógica do mundo: a grandeza está em servir
Na sociedade da época de Jesus, e em grande medida na nossa hoje, a palavra “servir” era conhecida, mas ninguém a queria para si. Servir era algo baixo, próprio de escravos.
O ideal do ser humano, especialmente para a filosofia grega, era o homem livre, autossuficiente, que estava no mundo para dominar e ser servido.
Um filósofo daquela época perguntou: “Como pode ser feliz um homem que serve?”. Tal coisa era considerada impossível.
A felicidade estava no poder, na independência e na capacidade de fazer com que outros servissem você. Essa mentalidade, no fundo, reflete a lógica do mundo caído: o mais forte pega a maior parte, e o mais fraco se contenta com as sobras.
Jesus vira essa pirâmide de cabeça para baixo. Ele, o Mestre e Senhor, que tinha todo o poder no céu e na terra, apresentou-se como “aquele que serve” (Lucas 22:27). Toda a sua vida foi um ato de serviço.
Ele não buscou seu próprio conforto, mas a salvação dos outros. Ele curou enfermos, perdoou pecadores, e se entregou por aqueles que não mereciam.
O ato do lava-pés, em João 13, é a personificação desse ensinamento. Nenhum dos discípulos se rebaixaria para fazer o trabalho de um escravo. Então Jesus, o Senhor, se levanta, cinge-se com uma toalha e lava os pés sujos deles, um por um. Depois, Ele diz: “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (João 13:15).
Aplicação
Abraçar a lógica invertida do Reino de Deus transforma radicalmente nossa maneira de viver. Como podemos começar a aplicar isso?
- Reavalie sua definição de sucesso. Em seu trabalho, família ou igreja, você mede sua importância pela sua posição de autoridade ou pela sua disposição em ajudar? A verdadeira grandeza cristã não é medida pelo número de pessoas que o servem, mas pelo número de pessoas que você serve.
- Busque as tarefas "invisíveis". Em sua comunidade, sempre há trabalhos que ninguém quer fazer. São as tarefas que não trazem reconhecimento nem aplausos. Escolha deliberadamente uma dessas tarefas e a realize com alegria, como um ato de serviço direto ao Senhor.
- Use sua autoridade para servir. Se você está em uma posição de liderança (chefe, pai, pastor), use sua autoridade não para ser servido, mas para capacitar e cuidar daqueles que estão sob sua responsabilidade. Um líder-servo se pergunta: “Como posso ajudar minha equipe a florescer?”.
2. O serviço não é uma opção, mas o chamado de todo cristão
É comum pensar que o “serviço” na igreja é responsabilidade de um grupo seleto: o pastor, os presbíteros, os diáconos. Para os demais, a vida cristã se resume a frequentar os cultos e evitar os pecados mais evidentes. Essa visão está profundamente equivocada.
Na igreja de Cristo, existe um serviço obrigatório geral. Infelizmente, muitos de nós desertamos desse chamado.
O Catecismo de Heidelberg, ao falar da “comunhão dos santos”, ensina que “cada um deve se sentir obrigado a empregar com amor e alegria os dons que recebeu, utilizando-os em benefício e salvação dos demais”. Nós sabemos disso na teoria, mas a prática é outra história.
Saber não é suficiente. Jesus, após o lava-pés, disse: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes” (João 13:17). A bênção não está no conhecimento, mas na ação. Se falta serviço mútuo em nossas igrejas, a causa fundamental é uma falha em nossa comunhão com o próprio Cristo. Pois é dEle que flui toda a disposição e poder para servir.
O apóstolo Pedro deixa claro que esse chamado é para todos:
1 Pedro 4:10
Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.
Não há crentes desempregados no Reino de Deus. Cada um de nós recebeu dons da graça de Deus, não para nosso próprio benefício, mas para edificar o corpo de Cristo. Não servir é, na prática, enterrar o talento que o Senhor nos confiou.
Aplicação
Como podemos sair da teoria para a prática do serviço obrigatório geral?
- Descubra e use seus dons. Você tem o dom da hospitalidade? Abra sua casa. Tem o dom da exortação? Use suas palavras para encorajar um irmão desanimado. Tem o dom da contribuição? Use seus recursos para socorrer os necessitados. Pare de esperar que outra pessoa faça o que Deus o capacitou para fazer.
- Abandone a mentalidade de consumidor na igreja. Muitos frequentam a igreja com a pergunta: “O que eu vou receber hoje?”. O verdadeiro discípulo pergunta: “A quem posso servir hoje?”. Mude sua perspectiva de espectador para participante ativo na vida da comunidade.
- Comece pequeno e seja fiel. O serviço não precisa ser algo grandioso. Pode ser uma ligação para alguém que está doente, uma palavra de consolo a alguém que está de luto, ou ajudar um irmão com uma tarefa prática. A fidelidade nas pequenas coisas é o que agrada a Deus.
3. A vida diária é o principal campo para o nosso serviço
Outro grande equívoco é pensar que o serviço a Deus acontece apenas em atividades “religiosas” ou em uma vocação “ministerial”. Muitos cristãos se sentem frustrados, pensando que seu trabalho secular os impede de servir a Deus verdadeiramente.
As Escrituras ensinam o contrário. Quando as multidões, os publicanos e os soldados perguntaram a João Batista o que deveriam fazer para dar frutos de arrependimento, ele não os mandou abandonar suas profissões.
Aos que tinham muito, ele disse para repartirem. Aos cobradores de impostos, para não exigirem mais do que o devido. Aos soldados, para não extorquirem ninguém e se contentarem com seu soldo (Lucas 3:10-14).
O verdadeiro serviço ao Senhor começa no lugar onde Ele nos colocou. Consiste em romper com os pecados específicos da nossa profissão e viver de maneira justa e piedosa no nosso dia a dia. Como Paulo exorta: “Irmãos, rogo-vos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Romanos 12:1).
Nosso trabalho diário, o cuidado com nossa casa, a maneira como tratamos nossos clientes ou colegas — tudo isso pode ser um ato de adoração, um serviço a Deus.
Até mesmo os escravos na igreja primitiva eram exortados a servir seus senhores terrenos “como a Cristo”, fazendo a vontade de Deus de coração (Efésios 6:5-6). Se eles podiam servir a Deus em uma situação tão difícil, quanto mais nós em nossas profissões livres.
Aplicação
Transforme sua rotina em um ato de serviço a Deus com estas atitudes:
- Identifique os “pecados da sua profissão”. Toda área de trabalho tem suas tentações específicas: a fofoca, a desonestidade, a preguiça, a ganância. Lutar ativamente contra esses pecados é uma forma poderosa de servir e honrar a Deus no seu dia a dia.
- Trabalhe com excelência, como para o Senhor. Seja você um estudante, um operário ou um executivo, faça seu trabalho com diligência e integridade. Sua ética de trabalho pode ser um testemunho mais eloquente do que muitas palavras.
- Veja seu próximo como o alvo do seu serviço. O segundo grande mandamento é “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Em sua profissão, você está servindo as necessidades do seu próximo. Faça isso com um coração que busca abençoar, e não apenas lucrar.
4. A fonte do serviço verdadeiro é a nossa comunhão com o Servo Sofredor
Se tentarmos servir com nossas próprias forças, movidos por culpa ou desejo de reconhecimento, nosso serviço será inconsistente e acabará em frustração. A única fonte de todo serviço cristão autêntico é a comunhão com Cristo, o Servo por excelência.
O apóstolo Paulo, ao exortar os filipenses a terem uma mente humilde e servil, não lhes dá uma lista de regras, mas aponta para Cristo:
Filipenses 2:5-8
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.
É ao contemplar esse amor e essa entrega que nossos corações são transformados. Quando compreendemos que Ele, o Rei da glória, nos serviu até a morte, somos constrangidos a servir uns aos outros.
O serviço não brota do nosso esforço, mas da graça dEle operando em nós. Como Paulo disse sobre seu próprio trabalho incansável: “não eu, mas a graça de Deus, que está comigo” (1 Coríntios 15:10).
Se falta em nós a disposição para servir, o problema não está na dificuldade da tarefa, mas na fragilidade da nossa comunhão com a Fonte. Estamos conectados a um Salvador vivo, que nos dá Seu Espírito e nos capacita para toda boa obra.
Aplicação
Conecte-se diariamente com a Fonte do serviço para que sua vida transborde em ações de amor.
- Comece seu dia na fonte. Antes de pensar em suas tarefas, medite sobre o serviço de Cristo por você. Leia Filipenses 2. Deixe que a gratidão pelo evangelho seja o combustível para o seu dia de serviço.
- Ore por um coração de servo. Peça ao Espírito Santo que lhe dê os olhos de Jesus para ver as necessidades ao seu redor. Ore: “Senhor, a quem queres que eu sirva hoje? Dá-me a Tua força e o Teu amor para fazê-lo.”
- Não espere se sentir pronto para servir. O poder vem no ato da obediência. Dê o primeiro passo, mesmo que se sinta fraco ou incapaz. A graça de Cristo é aperfeiçoada na nossa fraqueza.
Conclusão
A vida cristã é um chamado para sair do trono do nosso próprio ego e assumir a toalha do serviço humilde. Não é um caminho fácil nem natural, mas é o caminho da verdadeira grandeza, alegria e bem-aventurança, porque é o caminho que nosso Mestre trilhou antes de nós.
Que possamos, pela comunhão com Ele, aprender a renunciar à nossa vontade, servir uns aos outros em amor e fazer da nossa vida inteira — em casa, na igreja e no trabalho — um sacrifício vivo e agradável a Deus.
Pois um dia, ouviremos do nosso Senhor as palavras que todo servo anseia escutar: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mateus 25:34).