As Sagradas Escrituras falam muito sobre o "amor de Deus". Mas, curiosamente, elas falam ainda mais sobre o "amar de Deus". No Antigo Testamento, por exemplo, o substantivo "amor" é atribuído a Deus pouquíssimas vezes, enquanto o verbo "amar" aparece dezenas de vezes.
Isso pode parecer uma distinção sutil, mas é profundamente significativa. Os filósofos tentam compreender "o ser" de Deus, definir Suas propriedades, encapsular Sua essência em conceitos. A Bíblia, no entanto, está muito mais interessada em nos mostrar "o fazer" de Deus.
Ele não é um "ser" abstrato; Ele é o Deus vivo que age, que intervém na história, que faz o que Lhe apraz. Falar sobre "o amar de Deus" em vez de "o amor de Deus" reflete essa ênfase na ação e no relacionamento.
Já é difícil para nós definirmos o amor humano. É um sentimento? Uma decisão? Uma inclinação? Nossas palavras parecem insuficientes para expressar essa realidade tão profunda. Sabemos que envolve nosso coração, nosso entendimento, nossa vontade. Se já tropeçamos para definir nosso próprio amor, como poderíamos sondar o amor de Deus?
Podemos dizer com segurança que Seu amor é incompreensível, insondável e excede todo entendimento.
Mas, assim como conhecemos a Deus por Sua revelação, podemos conhecer Seu amor pelo que Ele mesmo nos revelou em Suas ações. A pergunta que nos guia é: o que as ações de Deus na história nos ensinam sobre a natureza de Seu amor e como esse amor nos transforma?
1. O amor de Deus é soberano e incondicional
Uma das primeiras e mais chocantes verdades sobre o amor de Deus é que ele não é provocado pelo objeto amado. O amor humano geralmente funciona assim: amamos algo ou alguém porque essa coisa ou pessoa é amável, atraente ou valiosa para nós.
O amor de Deus é diferente. Ele flui livre e espontaneamente Dele mesmo. Vemos isso claramente em Deuteronômio 7, quando Deus explica a Israel por que os escolheu:
Deuteronômio 7:7-8
O Senhor não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos, mas porque o Senhor vos amava...
A única razão para o amor de Deus por Israel foi... o amor de Deus por Israel. Não havia nada neles que merecesse esse amor. Eles não eram mais numerosos, mais virtuosos ou mais religiosos.
Na verdade, eram um povo pequeno e, como a história mostra, de dura cerviz. O amor de Deus por eles não foi uma resposta ao valor deles; foi uma decisão soberana que lhes conferiu valor.
Esse amor é soberano e, por isso, é também um amor perseverante. Os profetas usam a imagem do casamento para descrever a relação de Deus com Israel.
Mesmo quando Israel se prostituía com outros deuses, agindo como uma esposa adúltera, Deus, contrariando toda lógica humana, continuava a buscá-la. "Tu, pois, te prostituíste com muitos amantes; mas ainda assim, torna-te para mim, diz o Senhor" (Jeremias 3:1).
É por isso que a Bíblia fala de um amor eterno. "Com amor eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí" (Jeremias 31:3).
Aplicação
- Descanse no fato de que o amor de Deus por você não depende do seu desempenho. Muitos de nós vivemos com um medo sutil de que, se falharmos, Deus deixará de nos amar. A verdade do amor soberano de Deus nos liberta desse medo. Ele o amou não porque você era bom, mas para torná-lo bom.
- Maravilhe-se com a graça. Perceber que não havia nada em nós para atrair o amor de Deus deve nos levar a uma profunda humildade e a uma gratidão avassaladora. O amor de Deus por nós é pura graça, um presente totalmente imerecido.
- Confie na perseverança do amor de Deus. Quando você cair, lembre-se da fidelidade de Deus a um Israel infiel. Se o amor Dele persistiu com eles, também persistirá com você. Seu amor é eterno e Sua misericórdia não falha. Isso não é uma licença para pecar, mas um poderoso incentivo para se levantar e voltar para Ele.
2. O amor de Deus é abnegado e sacrificial
O amor de Deus é o oposto do que o mundo frequentemente chama de "amor", que na verdade é uma caricatura egoísta. O "amor" humano muitas vezes é interesseiro: não se entrega, mas busca tomar. Não procura o bem-estar do outro, mas a si mesmo. É egocêntrico.
O amor de Deus é totalmente abnegado. Deus se entrega a pessoas que se afastaram Dele. Ele busca os perdidos que não perguntam por Ele. Ele deseja a salvação daqueles que se afundaram na infelicidade. Ele dá vida àqueles que mereceram a morte. Toda a história de Israel é uma prova de que Deus é amoroso, perdoador e restaurador.
Isso não significa que Deus não se ire. Como vimos em um estudo anterior, precisamente porque Ele ama, Sua santidade reage com ira contra o pecado que destrói o objeto de Seu amor. Mas Sua ira é uma resposta momentânea, enquanto Seu amor é a corrente principal de Seu coração.
No Novo Testamento, essa natureza abnegada do amor de Deus é revelada de forma suprema e definitiva em Jesus Cristo. "Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos... Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados" (1 João 4:9-10).
É por isso que João pode afirmar duas vezes: "Deus é amor". Não que "amor" seja a única coisa que Deus é, mas que o amor é tão essencial à Sua natureza que podemos dizer que Ele é o próprio amor em pessoa. Ele não precisa ser movido a amar; é de Sua própria essência que o amor flui.
E esse amor se manifestou na cruz. Paulo descreve isso de forma comovente em Romanos 5:
Romanos 5:7-8
Dificilmente haverá quem morra por um justo... Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.
Deus não esperou que nos tornássemos justos. Ele enviou Seu Filho para morrer por nós em nosso pior estado: fracos, ímpios, pecadores. Ele penetrou em nossa miséria, sofreu o ódio humano e, mesmo na cruz, orou: "Pai, perdoa-lhes". Isso é o amor de Deus.
Aplicação
- Meça o amor de Deus pela cruz, não pelas suas circunstâncias. Quando as coisas vão mal, somos tentados a duvidar do amor de Deus. Nesses momentos, não olhe para suas circunstâncias; olhe para a cruz. A cruz é a prova irrefutável e histórica do amor de Deus por você.
- Deixe o amor de Deus redefinir seu conceito de amor. O mundo nos ensina um amor baseado em sentimentos e benefícios mútuos. A cruz nos ensina um amor sacrificial, que busca o bem do outro mesmo a um grande custo pessoal. Como você pode praticar esse tipo de amor em seus relacionamentos?
- Abrace a identidade de "amado". Antes de ser qualquer outra coisa, você é "amado" por Deus. Deixe que essa verdade afunde em seu coração. Viver a partir da identidade de "amado" nos liberta da necessidade de buscar aprovação e valor em outros lugares.
3. O amor de Deus em nós acende nosso amor por Deus
A experiência do amor de Deus não é para ser apenas admirada à distância; ela é para nos transformar por dentro. Quando esse amor é "derramado em nossos corações pelo Espírito Santo" (Romanos 5:5), a resposta natural é o amor de volta. "Nós o amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19).
Esse amor por Deus não é uma experiência mística e panteísta, como nas religiões pagãs, onde a "centelha divina" no homem busca se fundir com o "fogo divino". O amor bíblico por Deus é um relacionamento pessoal e cordial.
Como esse amor se manifesta? Onde ele brota em nossa vida? As Escrituras são claras: ele brota no prazer de obedecer. Amar a Deus é amar Sua Palavra, amar Sua Lei, ter prazer em andar em Seus caminhos. A obediência não é o meio para ganhar o amor de Deus, mas a resposta natural de quem já o recebeu.
1 João 5:3
Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos не são pesados.
Quando amamos a Deus, Seus mandamentos deixam de ser um fardo pesado e se tornam um caminho de alegria. Não amamos apenas "de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade" (1 João 3:18).
Aplicação
- Verifique a temperatura do seu amor por Deus através da sua atitude em relação à obediência. Você vê os mandamentos de Deus como restrições à sua liberdade ou como o caminho do Pai para a sua proteção e florescimento? Uma crescente alegria na obediência é um sinal de um amor crescente por Deus.
- Peça ao Espírito Santo para derramar o amor de Deus em seu coração. Nosso amor por Deus não é algo que possamos fabricar. É um fruto do Espírito. Peça a Ele para lhe dar uma compreensão tão profunda do amor de Deus por você em Cristo que seu coração se inflame de amor por Ele em troca.
- Pratique o amor em ações concretas. Escolha uma área de obediência na qual você tem lutado (paciência, generosidade, perdão) e peça a Deus para ajudá-lo a obedecer, não por dever, mas como uma expressão de amor por Aquele que o amou primeiro.
Conclusão
O amor de Deus não é um conceito filosófico para ser dissecado, mas uma realidade histórica para ser recebida. É um amor soberano, que nos escolheu sem mérito. É um amor sacrificial, que deu Seu Filho por nós quando éramos Seus inimigos. E é um amor transformador, que, ao nos alcançar, nos capacita a amá-Lo de volta através de uma vida de alegre obediência.
Que possamos parar de tentar entender completamente o amor de Deus e começar a nos maravilhar com ele, a descansar nele e a viver a partir dele, todos os dias de nossa vida.