Quando você ouve a palavra "justiça", o que vem à sua mente? Para muitos, a palavra evoca imagens de tribunais, castigos, julgamentos e vingança. É natural que, ao ler sobre a justiça de Deus, um calafrio percorra nossa espinha.
Tendemos a ver a justiça divina em ação nas catástrofes e nos juízos que assolam o mundo. Por outro lado, quando pensamos na salvação que Deus oferece ao seu povo, geralmente a atribuímos à sua misericórdia ou graça, como se fossem opostas à sua justiça.
Essa visão cria uma perigosa dicotomia no caráter de Deus, pintando-o como um ser dividido entre um lado severo e justo e outro lado bom e misericordioso.
Mas e se essa não for a imagem completa? E se a Bíblia nos apresentasse a justiça de Deus não como algo a ser temido, mas como a fonte mais profunda da nossa segurança e salvação?
Neste estudo, mergulharemos no coração do Antigo e do Novo Testamento para redescobrir o verdadeiro significado da justiça de Deus. Prepare-se para ver um dos atributos mais temidos de Deus se transformar na rocha firme sobre a qual sua esperança pode se apoiar.
1. A justiça de Deus é a sua fidelidade à aliança
Para entender o Novo Testamento, precisamos começar pelo Antigo. E quando examinamos como o Antigo Testamento fala da justiça de Deus, uma verdade surpreendente emerge: raramente ela se refere a um castigo vingativo.
Na maioria das vezes, a justiça de Deus é a virtude pela qual Ele salva seu povo da angústia e perdoa seus pecados.
Como isso é possível? A chave está na aliança. Um juiz terreno é considerado justo quando aplica fielmente a lei à qual está obrigado. Deus, no entanto, não está sujeito a nenhuma lei acima de Si mesmo.
Então, a que Ele se mantém fiel? À sua própria palavra, à aliança que Ele mesmo estabeleceu com seu povo.
A justiça de Deus é a sua fidelidade ao Pacto. Porque Ele é justo, Ele cumpre suas promessas. Isso significa que, por sua justiça, Ele castiga os inimigos do seu povo. Mas, pela mesma justiça, Ele abençoa, salva e liberta o povo que confia Nele.
É por isso que os homens de Deus no Antigo Testamento não temiam a justiça de Deus; eles apelavam a ela em seus momentos de maior necessidade. Veja como Davi ora:
Salmo 31:1
Em ti, Senhor, confio; nunca me deixes confundido; livra-me pela tua justiça.
Davi não pede para ser livrado *apesar* da justiça de Deus, mas *por causa* dela! Ele está dizendo: "Deus, tu prometeste ajudar teu povo.
Sê fiel à tua palavra. Sê justo!". O salmista, no Salmo 71, ecoa a mesma confiança: "Socorre-me e livra-me na tua justiça; inclina para mim os teus ouvidos, e salva-me" (Salmo 71:2).
A justiça de Deus, longe de ser o oposto da sua misericórdia, anda de mãos dadas com ela. O Salmo 116:5 declara: "Piedoso é o Senhor e justo; o nosso Deus tem misericórdia." A justiça de Deus é, em sua essência, salvadora, ajudadora e libertadora para aqueles que estão em aliança com Ele.
Aplicação
Essa verdade deve transformar radicalmente a nossa vida de oração e a nossa confiança em Deus, especialmente em tempos de crise.
- Ore com base nas promessas de Deus. Em vez de apenas suplicar por misericórdia como se fosse um favor incerto, aprenda a apelar à justiça de Deus. Diga: "Senhor, tu prometeste em tua Palavra nunca me deixar nem me abandonar. Pela tua justiça, pela tua fidelidade a essa promessa, peço que me socorras nesta situação."
- Descanse no caráter de Deus, não em seus sentimentos. Seus sentimentos podem vacilar, mas a fidelidade de Deus à sua aliança é inabalável. Quando se sentir indigno ou inseguro, lembre-se de que sua segurança não depende do seu desempenho, mas da justiça de Deus, que O impede de quebrar Suas promessas.
- Reinterprete as dificuldades. Mesmo a disciplina de Deus sobre seus filhos é um ato de sua justiça pactual, como um Pai que corrige para restaurar, não para destruir. Veja a correção como um sinal de que Ele está sendo fiel à Sua promessa de te santificar.
2. O evangelho revela a justiça salvadora de Deus
O apóstolo Paulo, profundamente enraizado no Antigo Testamento, carrega essa compreensão da justiça de Deus para o coração do evangelho. Costumamos associar o evangelho apenas à graça e à misericórdia. E isso está correto. Mas, para sermos mais precisos, devemos também conectá-lo à justiça.
Na sua carta aos Romanos, Paulo faz uma declaração monumental sobre o poder do evangelho, e a razão desse poder pode nos chocar:
Romanos 1:16-17
Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê... Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé.
O evangelho é poderoso precisamente porque, nele, a justiça de Deus é revelada. E, com base em tudo o que vimos, sabemos que esta não é a justiça que condena, mas a justiça ajudadora, salvadora e redentora de Deus. O evangelho não é apenas uma história sobre a justiça de Deus; ele é o instrumento pelo qual essa justiça salvadora se torna ativa em nossas vidas.
No início, Martinho Lutero tropeçou nesta passagem, pensando que se referia à justiça que Deus exige de nós. Isso o aterrorizava. Mas depois ele entendeu: não se trata de uma qualidade nossa, mas de uma ação poderosa de Deus.
Assim como o "poder de Deus" no versículo 16 é o poder de Deus (e não o nosso), e a "ira de Deus" no versículo 18 é a ira de Deus (e não a nossa), a "justiça de Deus" no versículo 17 é o atributo ativo e salvífico de Deus pelo qual Ele perdoa pecados e renova a vida, por meio da fé.
Em Romanos 3, Paulo aprofunda isso, dizendo que essa justiça se manifestou "sem a lei", mas é "testemunhada pela Lei e os Profetas" (Romanos 3:21). Ou seja, o Antigo Testamento já apontava para essa justiça salvadora, que agora é plenamente revelada e se torna eficaz "pela fé em Jesus Cristo" (Romanos 3:22).
Aplicação
Entender que o evangelho é a revelação da justiça salvadora de Deus nos dá uma confiança inabalável em nossa salvação.
- Veja sua salvação como um ato justo de Deus. Sua salvação não é um capricho divino que pode ser revogado. Em Cristo, Deus se comprometeu a salvar todo aquele que crê. Negar sua salvação seria, para Deus, um ato de injustiça contra Si mesmo e contra a obra consumada de Seu Filho.
- Pregue um evangelho robusto. Ao compartilhar sua fé, não fale apenas do amor de Deus de forma vaga. Explique que, na cruz, a justiça de Deus (que exige punição pelo pecado) e a misericórdia de Deus (que deseja perdoar) se encontraram. Deus permanece perfeitamente justo ao justificar o pecador que crê, porque o castigo justo caiu sobre Jesus.
- Viva sem vergonha do evangelho. A razão de Paulo não se envergonhar era porque ele sabia que o evangelho não era uma filosofia fraca, mas o poder de Deus em ação. Quando você entende que o evangelho é a manifestação da justiça vitoriosa de Deus, você o proclama com ousadia e confiança.
3. A justiça de Deus é a garantia do nosso perdão
Talvez a aplicação mais pastoral e libertadora dessa verdade se encontre na primeira carta do apóstolo João. Ele nos dá uma promessa que deveria acalmar os corações mais angustiados.
1 João 1:9
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça.
Muitos de nós entendemos a parte da "fidelidade". Mas por que João diz que Deus é "justo" para perdoar? Isso parece contraintuitivo. Não seria a justiça que exige punição?
Aqui está a beleza do evangelho: Deus é justo para perdoar porque a dívida do nosso pecado já foi paga integralmente por Jesus Cristo na cruz.
Perdoar um pecado que já foi punido em Cristo não é um ato de misericórdia que ignora a justiça; é o próprio cumprimento da justiça. Seria injusto da parte de Deus exigir o pagamento de uma dívida que já foi quitada.
Por isso, o perdão de Deus não é um talvez, uma possibilidade que depende do Seu humor ou da gravidade do nosso pecado. Se nos achegamos a Ele em confissão sincera, podemos contar com o perdão, pois Ele é justo. Ele não pode e não vai negar a Si mesmo nem a eficácia do sacrifício de Seu Filho.
Aplicação
Essa verdade destrói a dúvida e a incerteza que muitas vezes atormentam a vida cristã, especialmente após uma queda.
- Confesse seus pecados com confiança, não com medo. Quando pecar, não se esconda de Deus com medo de sua ira. Corra para Ele com confiança, não com base em sua sinceridade ou remorso, mas com base na justiça Dele. Diga: "Pai, eu confesso meu pecado. Agradeço porque Tu és justo para me perdoar, pois Cristo já pagou por isso."
- Lute contra as acusações do inimigo com a verdade. Quando Satanás sussurrar em seu ouvido que seu pecado é grande demais ou que você já falhou muitas vezes, responda com a justiça de Deus. O perdão não se baseia na sua performance, mas no caráter justo de Deus.
- Abandone a penitência. Muitos cristãos, mesmo depois de confessar, tentam "pagar" pelo seu pecado com autopunição, sentindo-se mal por um longo tempo. Isso é um insulto à cruz. Descanse no fato de que a justiça de Deus foi plenamente satisfeita em Cristo. Aceite o perdão e caminhe em liberdade.
4. Somos chamados a buscar a justiça que agrada a Deus
Até aqui, vimos que a "justiça de Deus" se refere primariamente a um atributo salvador de Deus. No entanto, a Bíblia também usa essa expressão de outra forma: para descrever o tipo de vida justa que é aceitável a Deus e que Ele requer de seu povo.
É neste sentido que Jesus nos diz: "Mas buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça..." (Mateus 6:33). Aqui, "sua justiça" refere-se a viver de uma maneira que reflete o caráter do nosso Rei.
Da mesma forma, Tiago nos adverte: "...porque a ira do homem não opera a justiça de Deus." (Tiago 1:20). A raiva humana e a oposição à Palavra não produzem o tipo de vida justa que Deus deseja.
Esses dois significados não se contradizem; eles se complementam perfeitamente. É porque recebemos a justiça salvadora de Deus como um dom gratuito (significado 1) que somos capacitados e chamados a viver uma vida de justiça prática (significado 2). Nossa busca pela justiça não é para *obter* a salvação, mas é a *resposta* grata de quem já foi salvo.
Aplicação
A justiça de Deus não é apenas algo para recebermos, mas também um modo de vida a ser praticado.
- Viva a justiça em seus relacionamentos. Como a justiça de Deus (sua fidelidade e retidão) se manifesta em seu casamento, em sua família, em suas amizades e em seu ambiente de trabalho? Você é uma pessoa de palavra? Você trata os outros com equidade e integridade?
- Busque a justiça na sociedade. O Deus justo se importa com os oprimidos e marginalizados. Como você pode ser um agente da justiça de Deus em sua comunidade, defendendo os que não têm voz e trabalhando contra a exploração e a corrupção?
- Examine seu coração. A justiça de Deus começa internamente. Seja "pronto para ouvir" a Palavra de Deus e "tardo para se irar". Submeta sua vontade e suas reações naturais ao senhorio de Cristo, permitindo que Ele produza em você o fruto de uma vida verdadeiramente justa.
Conclusão
A justiça de Deus, longe de ser um atributo aterrorizante, é a rocha da nossa salvação. É a Sua fidelidade inabalável às Suas promessas. É a força motriz por trás do evangelho, que nos salva e nos liberta. É a garantia segura do nosso perdão quando confessamos nossos pecados.
Portanto, não tema mais a justiça de Deus. Corra para ela. Apegue-se a ela. Descanse nela. Porque Deus é justo, podemos contar com Ele. Ele fará justiça aos seus escolhidos que clamam a Ele dia e noite. E quem crê nisso jamais será confundido.