Imagine receber uma notícia devastadora: a morte súbita de alguém próximo. Em momentos assim, o chão parece desaparecer sob nossos pés, e uma pergunta fundamental ecoa em nossa alma: “Qual é o seu único consolo, tanto na vida quanto na morte?”
Essa não é uma pergunta teórica. É a questão central da nossa existência. O antigo Catecismo de Heidelberg responde de forma belíssima, afirmando que nosso consolo é pertencer, de corpo e alma, não a nós mesmos, mas ao nosso fiel Salvador, Jesus Cristo.
Ele pagou por nossos pecados, nos livra do poder do diabo e nos guarda de tal forma que nada pode nos separar do amor de Deus.
No entanto, com que dificuldade muitos de nós falamos sobre essa certeza! Se fizéssemos uma pesquisa hoje, em nossas igrejas, sobre a certeza da fé, não seria surpreendente encontrar mais dúvida do que convicção.
Por que tantos cristãos vivem em uma névoa de incerteza, incapazes de dizer com o salmista: “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará” (Salmo 23:1)?
Por que hesitamos em declarar com o apóstolo Paulo: “Estou certo de que... nada poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 8:38-39)?
A partir de agora, trataremos das raízes dessa incerteza e, mais importante, do caminho bíblico para uma fé robusta e cheia de certeza.
1. A culpa pela dúvida é nossa, não de Deus
Sejamos diretos: seja qual for a origem de nossa incerteza, a culpa não está no Senhor, nosso Deus. É tentador e, infelizmente, comum em alguns círculos, transferir a responsabilidade. Dizemos coisas como: “A certeza é algo que Deus precisa me dar”, ou “Se não sou eleito, não há nada que eu possa fazer”.
Com essas e outras desculpas, estamos, na prática, culpando a Deus por nossa própria dúvida. Isso é algo que as Escrituras jamais toleram. Quando o Senhor Jesus encontra dúvida em seus discípulos, Ele os repreende diretamente.
A Pedro, que afundava, Ele pergunta: “Por que duvidaste?” (Mateus 14:31). Aos outros no barco, questiona: “Como não tendes fé?” (Marcos 4:40). E a Tomé, Ele ordena: “Não sejas incrédulo, mas crente” (João 20:27).
A dúvida não é uma virtude a ser cultivada; é incredulidade. Quando duvidamos de algo, é porque não cremos naquilo.
O apóstolo Tiago coloca fé e dúvida em oposição direta: “Peça-a, porém, com fé, não duvidando nada” (Tiago 1:6). A dúvida flui de um coração incrédulo, e a incredulidade, em sua essência, faz de Deus um mentiroso. Portanto, nunca devemos desculpar nossa dúvida.
Também não podemos colocar a culpa final no diabo, na nossa criação, na pregação que ouvimos ou em nosso temperamento. Embora todas essas coisas exerçam influência, elas não nos isentam de nossa responsabilidade. Somos nós que escolhemos dar ouvidos ao pai da mentira em vez de crer na verdade de Deus.
Aplicação
Assumir a responsabilidade por nossa luta contra a dúvida é o primeiro passo para a vitória. Veja como fazer isso de forma prática:
- Reconheça a dúvida pelo que ela é. Pare de romantizar a incerteza como um sinal de profundidade intelectual. Chame-a pelo nome que a Bíblia dá: incredulidade. Confesse-a a Deus como pecado e peça Sua ajuda para combatê-la.
- Identifique e abandone suas desculpas. Quais são as justificativas que você usa para permanecer na incerteza? “Minha fé é pequena demais”, “Tive uma criação difícil”, “A igreja me decepcionou”. Entregue essas desculpas a Deus e decida confiar em Sua Palavra, apesar delas.
- Fale a verdade de Deus para sua alma. Quando a dúvida surgir, confronte-a ativamente com as promessas de Deus. Diga em voz alta: “Deus é fiel. Sua Palavra é verdadeira. Cristo morreu por mim. Estou seguro Nele.” A fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus, mesmo que seja de sua própria boca.
2. A certeza da fé está fora de nós, na graça de Deus
A principal razão pela qual caímos no pântano da dúvida é que procuramos o fundamento da nossa salvação dentro de nós mesmos. Buscamos em nossos sentimentos, em nossa piedade ou na força da nossa fé, e inevitavelmente nos decepcionamos.
O evangelho, no entanto, nos chama a olhar para fora de nós. O nosso único consolo é e sempre será que Deus justifica o ímpio. A justificação do ímpio não é apenas um estágio inicial da vida cristã do qual depois evoluímos. Ela continua sendo a ‘âncora da alma’ (Hebreus 6:19) até a hora da nossa morte.
O autor John Bunyan, em seu clássico O Progresso do Peregrino, descreve um lugar chamado “Pântano do Desânimo”, no qual o cristão afunda sob o peso de sua culpa e medo. Milhares de tentativas humanas de consertar aquele pântano com bons conselhos e pregações moralistas falharam. A única saída é quando um Ajudador o retira de lá, firmando seus pés na Rocha, que é Cristo.
A nossa certeza não se baseia na quantidade da nossa fé. Os apóstolos pediram a Jesus: “Aumenta-nos a fé!”. A resposta de Jesus foi surpreendente: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda...” (Lucas 17:5-6).
Ele não estava dizendo que a quantidade não importa, mas que a questão central não é o tamanho da nossa fé, mas o tamanho do nosso Deus. A fé não é algo que compramos por quilos. Uma fé pequena, do tamanho de um grão de mostarda, se estiver firmada no objeto certo — a graça incomensurável de Deus em Cristo — pode mover montanhas.
A graça de Deus é tão grande que supera nossa imaginação. Lembre-se da história de Walther Rathenau, um ministro judeu alemão assassinado no século XX.
Sua mãe escreveu uma carta à mãe do assassino, dizendo: “Eu o perdoo, como Deus está disposto a perdoá-lo”. Se a graça de Deus pode operar tal perdão entre os homens, quão infinitamente maior não será a graça do próprio Deus, que se manifesta a nós, pecadores?
Aplicação
Desviar o foco de si mesmo para Cristo é o segredo para uma fé segura. Pratique isso diariamente:
- Pare de medir sua fé. A pergunta “minha fé é forte o suficiente?” leva ao desespero. Em vez disso, pergunte: “O Objeto da minha fé é forte o suficiente?”. A resposta é sempre sim. Sua segurança não está na sua capacidade de se segurar em Cristo, mas na capacidade Dele de segurar você.
- Pregue o evangelho a si mesmo. Lembre-se todos os dias: “sou justificado gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3:24). Sua aceitação diante de Deus não depende do seu desempenho de hoje, mas da obra perfeita de Cristo, uma vez por todas.
- Confie na graça para os ímpios. Você nunca deixará de ser, em si mesmo, um pecador necessitado da graça. Até o mais santo dos homens se aproxima de Deus como um mendigo. Encontre descanso nisso. Você não precisa fingir ser forte ou perfeito. A graça de Deus é para os fracos e pecadores que confiam em Jesus.
3. Uma vida desordenada destrói a certeza da fé
Embora nossa salvação se baseie unicamente na graça, existe uma relação inegável entre a certeza da nossa fé e a nossa conduta. Alguém poderia dizer: “Se Deus justifica os ímpios, então vamos viver como ímpios!”.
A Bíblia condena esse pensamento com veemência. Quem conhece verdadeiramente a graça de Deus não deseja mais pecar, pois viver longe da face amigável de Deus é mais amargo que a morte.
A graça não apenas perdoa, ela também cura e transforma. Quem não deseja a cura não pode reter o perdão. Um estilo de vida desordenado e em desobediência consciente corrói a certeza da fé.
O Senhor Jesus nos contou a parábola de um homem que teve uma dívida impagável perdoada, mas se recusou a perdoar uma dívida insignificante de seu conservo. O resultado foi que ele perdeu o perdão que havia recebido (Mateus 18:23-35). Não podemos esperar manter a paz com Deus se nos recusamos a perdoar nosso irmão.
Isso nos lembra do caso de Sêneca, um filósofo pagão contemporâneo de Paulo. Ele escreveu belamente sobre a humildade, a generosidade e a mansidão, condenando a avareza e a crueldade.
No entanto, seus inimigos o acusavam de ser um hipócrita imenso, possuindo milhões, oprimindo províncias com impostos cruéis e participando dos escândalos do imperador Nero. Suas palavras eram belas, mas sua vida as negava.
O pecado da hipocrisia está à porta de cada um de nós. É por isso que o apóstolo Pedro nos exorta a acrescentar à nossa fé a virtude, o conhecimento, o domínio próprio, a paciência, a piedade, o afeto fraterno e o amor.
Ele conclui: “porque, fazendo isto, não tropeçareis em tempo algum. Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1:10-11). Uma vida piedosa não nos salva, mas ela “torna firme” nossa vocação e eleição, fortalecendo nossa certeza.
Aplicação
A harmonia entre doutrina e vida é essencial para uma fé segura. Examine-se com sinceridade:
- Confesse pecados específicos. Como Davi no Salmo 32, a falta de confissão pode secar nossa vitalidade espiritual. Existe algum pecado não confessado ou hábito pecaminoso que você está tolerando em sua vida? Leve-o à luz da graça de Deus.
- Pratique o perdão como um ato de fé. A falta de perdão é um veneno para a alma e um ladrão da certeza. Há alguém que você precisa perdoar? Faça-o não porque a pessoa merece, mas porque você foi perdoado de uma dívida muito maior.
- Veja as boas obras como frutos, não como raiz. Não buscamos fazer o bem para sermos salvos, mas porque já fomos salvos. Suas obras são os frutos que confirmam a realidade da sua fé, tanto para você quanto para os outros. Uma árvore saudável naturalmente produz bons frutos.
4. A fé persevera nas provações ao focar na glória futura
Finalmente, a certeza da fé é frequentemente testada no fogo das adversidades. A Bíblia é brutalmente honesta sobre o sofrimento dos justos. Jó amaldiçoou o dia em que nasceu (Jó 3:1). Jeremias fez o mesmo (Jeremias 20:14). O salmista clamou: “Esqueceu-se Deus de ter misericórdia?” (Salmo 77:9).
Quando vemos o ímpio prosperar enquanto o justo sofre, a tentação de duvidar do amor e da justiça de Deus é real. Filósofos de todos os tempos tentaram resolver o problema do sofrimento, mas falharam.
O evangelho não oferece uma solução racional completa para cada interrogação, mas nos dá algo muito melhor: uma paz que excede todo o entendimento (Filipenses 4:7).
Essa paz não vem de entender tudo, mas de confiar Naquele que está acima de tudo. A fé nos ensina a olhar para além das coisas que se veem, que são temporais, e a fixar os olhos nas coisas que não se veem, que são eternas. A fé nos projeta para um futuro glorioso, um novo céu e uma nova terra onde Deus será “tudo em todos”.
Paulo, que sofreu imensamente, pôde dizer com convicção: “Pois tenho por certo que as aflições do tempo presente não são comparáveis com la glória venidera que em nós há de manifestar-se” (Romanos 8:18). A dor é real, mas é temporária. A glória é eterna.
Aplicação
Em tempos de dor e sofrimento, ancore sua fé não em explicações, mas em promessas.
- Lamente honestamente, mas com esperança. Como os salmistas, leve sua dor, sua raiva e suas perguntas a Deus. Não finja que está tudo bem. Mas, no final do seu lamento, escolha reafirmar sua confiança: “Por que estás abatida, ó minha alma...? Espera em Deus, pois ainda o louvarei” (Salmo 42:5).
- Lembre-se da transitoriedade deste mundo. Paulo nos ensina a viver com uma perspectiva eterna: “os que choram, como se não chorassem... porque a aparência deste mundo passa” (1 Coríntios 7:30-31). Seu sofrimento atual não é o capítulo final da sua história.
- Medite na glória futura. Leia passagens como Apocalipse 21 e 22. Deixe que a promessa de um mundo sem lágrimas, dor ou morte encha seu coração de esperança. A certeza da fé não nega a dor do presente, mas a supera com a promessa da glória futura.
Conclusão
A certeza da fé não é um sentimento que fabricamos, mas um dom que cultivamos ao ancorar nossa confiança unicamente em Cristo e Sua obra.
Ela floresce quando assumimos a responsabilidade por nossa incredulidade, quando olhamos para a graça que está fora de nós, quando alinhamos nossa vida com a verdade que professamos e quando perseveramos nas provações com os olhos fixos na eternidade.
Sempre nos resta a graça de Deus. Este é nosso único consolo e nossa paz. Que possamos viver sinceramente diante Dele, não como quem alcançou a perfeição, mas como pecadores perdoados que, por Seus frutos, desejam assegurar sua fé e glorificar o Salvador que nos comprou por tão alto preço.