Sejamos honestos: falamos e pregamos muito mais sobre a graça de Deus do que sobre Sua ira. É mais provável encontrarmos em nossas casas quadros com versículos sobre amor e misericórdia do que sobre juízo e ira. E, de certa forma, isso é compreensível. A graça de Deus é o nosso consolo, a nossa suficiência na vida e na morte.
No entanto, essa preferência se torna perigosa quando nos leva a negligenciar uma verdade bíblica igualmente presente e fundamental. Um cristianismo que se esqueceu de tremer diante da ira de Deus é um cristianismo incompleto e ineficaz. Não podemos apreciar plenamente a doçura da graça se nunca sentimos a amargura que merecíamos por causa da ira.
Sabemos o que é a ira humana. Vemos o rosto ficar vermelho, sentimos o coração acelerar, ouvimos palavras duras e, às vezes, vemos atos violentos. É uma emoção intensa e muitas vezes descontrolada. As Escrituras, para se fazerem entender, usam essa mesma linguagem humana para descrever a reação de Deus ao pecado.
Palavras hebraicas e gregas para "ira" evocam imagens de "resfolegar" ou "ferver". Obviamente, quando a Bíblia fala da ira de Deus, devemos descartar qualquer ideia de uma ira pecaminosa, instável ou descontrolada. Sua ira é a reação santa, justa e controlada de um Deus perfeitamente bom contra tudo o que é mau.
Alguns, influenciados pela filosofia pagã, tentaram transformar Deus em um ser frio, impassível e indiferente, incapaz de sentir ira. Mas a Bíblia nos apresenta o Deus vivo, que se relaciona com Seu povo, que se agrada da obediência e se ira contra a rebelião. A pergunta crucial para nós é: o que a Bíblia realmente nos ensina sobre a ira de Deus e por que é vital que a compreendamos hoje?
1. A ira de Deus é a sua reação santa contra o pecado
A ira de Deus não é um capricho arbitrário; ela é direcionada especificamente contra o pecado, tanto de nações pagãs quanto de Seu próprio povo. A Bíblia está repleta de exemplos.
Quando Israel, recém-liberto do Egito, constrói um bezerro de ouro, o Senhor diz a Moisés: "Tenho visto este povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para que o meu furor se acenda contra eles, e os consuma" (Êxodo 32:9-10). Embora a intercessão de Moisés tenha aplacado a execução imediata desse juízo, a passagem deixa claro: a idolatria acendeu a ira de Deus.
Em outra ocasião, quando os espias enviados a Canaã desanimaram o povo com um relatório de incredulidade, lemos: "E a ira do Senhor se acendeu naquele dia, e jurou, dizendo: Certamente os homens que subiram do Egito, de vinte anos para cima, não verão a terra que jurei a Abraão, a Isaque e a Jacó, porquanto não perseveraram em seguir-me" (Números 32:10-11).
A ira do Senhor é descrita com imagens aterradoras: um fogo consumidor, um forno ardente, uma tempestade devastadora, uma taça de amargura que deve ser bebida até o fim. As consequências são fome, peste, exílio. Mas a consequência mais grave é a ausência da graça de Deus. Se a Sua graça é como um rosto que resplandece sobre nós, Sua ira é o virar desse rosto, a retirada de Sua presença favorável. Quando a ira de Deus arde, a vida murcha.
É por isso que o salmista ora desesperadamente: "Não escondas de mim o teu rosto, não rejeites com ira o teu servo... Não me desampares, nem me abandones, ó Deus da minha salvação!" (Salmo 27:9).
Aplicação
- Leve o pecado a sério como Deus o leva. Tendemos a minimizar nossos pecados, chamando-os de "erros" ou "falhas". Ver o pecado através da lente da ira de Deus nos ajuda a entender sua verdadeira gravidade. Não é apenas uma quebra de regras; é uma ofensa pessoal contra um Deus santo que provoca Sua justa indignação.
- Identifique os "bezerros de ouro" em sua vida. A idolatria não desapareceu; ela apenas mudou de forma. O que em sua vida compete com Deus pela sua lealdade e adoração? Pode ser seu trabalho, sua família, seu conforto, sua reputação. Reconheça que essas coisas, quando elevadas ao lugar de Deus, provocam Sua santa ira.
- Valorize a presença de Deus acima de tudo. A pior consequência do pecado não é a punição terrena, mas a perda da comunhão com Deus. Aprenda a orar como o salmista, valorizando o "rosto resplandecente" de Deus mais do que qualquer bênção material. Busque Sua presença como seu bem mais precioso.
2. A ira de Deus também se aplica aos seus filhos
Alguns cristãos ensinam que, embora a ira de Deus fosse uma realidade no Antigo Testamento, ela não se aplica mais aos crentes do Novo Pacto. A ideia é que, uma vez perdoado, um filho de Deus nunca mais precisa temer a ira de Deus. Essa visão, embora popular, não é biblicamente correta.
Sim, é verdade que fomos salvos da ira condenatória e eterna de Deus (Romanos 5:9). Mas isso não significa que estamos imunes à Sua ira disciplinar quando persistimos no pecado. A ira de Deus contra o pecado de Seus filhos não brota do ódio, mas do amor.
Pense em um pai amoroso. Ele pode se incomodar com a desobediência do filho do vizinho, mas ele se aira com a desobediência do seu próprio filho, precisamente porque o ama e sabe o perigo do caminho que ele está trilhando. O amor santo não pode ser indiferente ao pecado.
A Bíblia mostra que até os maiores heróis da fé experimentaram a ira disciplinar de Deus. O Senhor ficou tão irado com Moisés que não lhe permitiu entrar na Terra Prometida (Deuteronômio 3:26). Ele estava tão irado com Arão que quis destruí-lo (Deuteronômio 9:20). E Davi, um homem segundo o coração de Deus, orou: "Senhor, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor. Tem misericórdia de mim, Senhor, porque sou fraco" (Salmo 6:1-2).
O Novo Testamento continua essa linha de pensamento. Vemos Jesus olhando para os fariseus "com ira, condoendo-se da dureza do seu coração" (Marcos 3:5). João Batista adverte: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?" (Mateus 3:7).
E João 3:36 afirma claramente: "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece".
Negligenciar o arrependimento e viver em incredulidade prática, mesmo sendo parte do povo da aliança, é se colocar sob a sombra da ira disciplinar de Deus.
Aplicação
- Distinga entre a ira disciplinar e a ira condenatória. Como crente, você nunca enfrentará a condenação eterna (Romanos 8:1). No entanto, quando você peca, pode experimentar a disciplina dolorosa de um Pai amoroso. Não interprete as dificuldades da vida como sinal de que Deus o abandonou, mas talvez como um chamado amoroso, embora severo, ao arrependimento.
- Tema a Deus de maneira saudável. O temor do Senhor não é um medo de escravo, mas o respeito reverente de um filho que não quer desapontar seu Pai. Esse temor nos leva a odiar o pecado e a fugir dele, não para ganhar o favor de Deus, mas para desfrutar da comunhão que Sua graça já nos deu.
- Examine seu coração. A "dureza de coração" que provocou a ira de Jesus ainda é um perigo real para nós. Onde você tem se tornado cínico, indiferente ou desobediente à voz de Deus? Peça a Ele que amoleça seu coração e produza frutos dignos de arrependimento.
3. A ira de Deus culminará em um dia final de juízo
As Escrituras falam consistentemente de um "dia da ira", um momento final em que a justiça de Deus será plenamente revelada. O Antigo Testamento já advertia: "A sua prata nem o seu ouro os poderá livrar no dia do furor do Senhor" (Ezequiel 7:19).
O apóstolo Paulo ecoa esse aviso em Romanos 2:5, falando àqueles que, com seu coração duro e impenitente, estão acumulando "ira para ti no dia da ira e da manifestação do justo juízo de Deus".
O livro do Apocalipse descreve essa cena em termos vívidos e assustadores. Os condenados clamarão aos montes e às rochas: "Caí sobre nós e escondei-nos do rosto daquele que está assentado sobre o trono e da ira do Cordeiro! Porque é vindo o grande Dia da sua ira; e quem poderá subsistir?" (Apocalipse 6:16-17).
Note a expressão chocante: "a ira do Cordeiro". O Cordeiro, símbolo da graça, do sacrifício e da mansidão de Cristo, é também o agente da ira final. Isso nos mostra que a graça e a ira não são contraditórias em Deus; são duas faces da mesma santidade. A mesma santidade que O levou a oferecer Seu Filho como sacrifício é a que O levará a julgar o pecado que não foi coberto por esse sacrifício.
É compreensível que a ideia de um juízo eterno e de um inferno nos assuste. Um teólogo moderno afirmou que não poderia crer nisso, pois seria "mil vezes pior que um campo de concentração, e eterno!". É, de fato, terrível, espantoso, temível. Mas não é injusto. O juízo de Deus será perfeitamente justo.
O propósito de meditarmos nessa realidade terrível não é o de nos paralisar de medo, mas o de nos impulsionar para a única solução.
Aplicação
- Viva com uma perspectiva eterna. Muitos de nós, jovens e velhos, vivemos como se esta vida fosse tudo o que existe. A realidade do dia do juízo deve nos despertar da nossa letargia espiritual. Ela nos chama a avaliar nossas vidas à luz da eternidade e a nos preocuparmos com o que realmente importa.
- Conheça e confesse seus pecados. Você tem um conhecimento real da sua condição de pecador? Você teme a justa ira de Deus que seus pecados merecem? A resposta a essa pergunta determina se você buscará refúgio Nele. Corra para a cruz, confesse seus pecados e busque o perdão que só é encontrado no sangue de Cristo.
- Fuja da ira vindoura. O conhecimento do juízo final não é para nos condenar, mas para nos motivar a fugir para o único lugar seguro: Jesus Cristo. É pela fé Nele, pela obediência aos Seus mandamentos e pela dependência contínua de Sua graça que escapamos da ira e encontramos misericórdia.
Conclusão
Ignorar a doutrina da ira de Deus é como remover o diagnóstico de uma doença fatal. Se não entendermos a gravidade da nossa condição – sermos, por natureza, "filhos da ira" (Efésios 2:3) –, nunca valorizaremos a profundidade, a beleza e o custo da cura.
A ira de Deus não é a última palavra. Graças a Deus, Sua ira não é inevitável. Ele é tardio em irar-se e grande em misericórdia. Quando nos voltamos para Ele em arrependimento e fé, clamando por perdão, o Deus compassivo perdoa nossa transgressão e mais uma vez nos alegramos em Seu rosto amigável.
A cruz de Cristo é o lugar onde a graça e a ira de Deus se encontraram. Ali, a justa ira de Deus contra o pecado foi derramada sobre Seu próprio Filho, para que a graça imerecida pudesse ser derramada sobre nós.
Portanto, não tenhamos medo de falar da ira de Deus. Que o temor saudável de Sua justiça nos leve a odiar nosso pecado e a nos agarrarmos com mais força à Sua maravilhosa graça, que nos é suficiente agora e por toda a eternidade.