Você já sentiu um nó na garganta quando sabia que deveria falar, mas o medo o paralisou? Talvez em uma conversa sobre fé, em uma situação de injustiça no trabalho, ou até mesmo em suas próprias orações, quando sentiu que não era digno de se aproximar de Deus.
Essa luta entre o desejo de agir e o medo de se expor é uma experiência profundamente humana. Vivemos em uma cultura que, por um lado, aplaude a ousadia, mas, por outro, nos ensina a ter medo do julgamento, da rejeição e do fracasso.
A Bíblia fala muito sobre uma qualidade que, no original grego, transmite a ideia de "dizer tudo", de falar com franqueza e liberdade. Essa palavra é muitas vezes traduzida como ousadia ou coragem.
No entanto, a ousadia que a Bíblia descreve não é uma simples autoconfiança ou uma personalidade extrovertida. É algo muito mais profundo, um dom divino que transforma covardes em testemunhas e pecadores em filhos que se aproximam do Pai sem medo.
A partir de agora, vamos explorar o que é essa ousadia cristã, de onde ela vem e como podemos cultivá-la em nossa vida. A pergunta central que nos guiará é: como a fé em Cristo nos liberta do medo e nos enche de uma santa coragem para viver e falar para Deus?
1. A ousadia cristã é diferente da arrogância do mundo
Antes de tudo, precisamos fazer uma distinção crucial. No mundo, a ousadia é frequentemente confundida com arrogância. Conhecemos pessoas que "não têm papas na língua", que dizem tudo o que lhes vem à cabeça sem se importar com regras, bons costumes ou os sentimentos dos outros. Elas desejam ser donas de si mesmas e nunca servas de ninguém.
Essa atitude pode parecer corajosa, mas, na verdade, é uma forma de brutalidade e egoísmo. Ela não constrói, mas destrói relacionamentos e causa dor. A ousadia que vem do mundo é centrada no "eu" e busca a autopromoção.
A ousadia cristã, por outro lado, é um fruto do Espírito Santo e uma bênção de Deus. Sua fonte não é o orgulho, mas a segurança em Cristo. Ela não busca exaltar a si mesma, mas glorificar a Deus. Enquanto a arrogância do mundo fala para dominar, a ousadia cristã fala para servir e abençoar.
Vemos esse modelo perfeito em Jesus. Ele falava com uma autoridade que chocava os líderes religiosos, mas o fazia com um coração humilde e compassivo. Ele confrontava o pecado com firmeza, mas acolhia o pecador com amor. Sua ousadia nunca foi para benefício próprio, mas sempre para cumprir a vontade do Pai e para a salvação da humanidade.
Aplicação
Como podemos diferenciar a ousadia santa da arrogância em nossa própria vida?
- Avalie sua motivação. Antes de falar, pergunte-se: "Estou fazendo isso para provar que estou certo e humilhar o outro, ou para trazer a verdade em amor e edificar?" A ousadia cristã sempre tem o amor como fundamento.
- Observe o resultado. A sua "franqueza" costuma deixar um rastro de relacionamentos quebrados e ressentimento? Ou ela, mesmo quando confrontadora, abre portas para a cura e a reconciliação? A ousadia de Deus produz frutos do Espírito, não da carne.
- Cultive a humildade. Lembre-se de que a verdadeira coragem não vem da sua inteligência ou força, mas da sua total dependência de Deus. A oração deve ser o ponto de partida de qualquer ato de ousadia cristã.
2. A ousadia nos capacita a falar de Deus para as pessoas
Uma das manifestações mais claras da ousadia cristã nas Escrituras é a coragem de proclamar o Evangelho publicamente, sem medo das consequências. O próprio Senhor Jesus nos deu o exemplo. O Evangelho de João destaca repetidamente que Ele falava "abertamente" e "publicamente" (João 7.4, 18.20).
Quando Jesus anunciou que seria morto e ressuscitaria, o texto diz que "isto lhes dizia claramente" (Marcos 8.32). Ele não adoçou a mensagem para torná-la mais palatável, mesmo sabendo que seria dolorosa para Seus discípulos. Ele falou a verdade com ousadia.
Essa mesma ousadia transformou radicalmente os apóstolos. Após a morte de Cristo, eles eram homens amedrontados, reunidos a portas fechadas por medo das autoridades. Mas, depois de receberem o Espírito Santo, algo mudou. O livro de Atos se torna uma crônica dessa coragem sobrenatural.
Diante de perseguição e ameaças, eles não oraram por segurança, mas por mais ousadia.
Atos 4.29
E agora, Senhor, olha para as suas ameaças, e concede aos teus servos que com toda a ousadia falem a tua palavra.
A resposta de Deus foi imediata: "todos foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com ousadia a palavra de Deus" (v. 31). Quando Pedro e João, homens descritos como "sem letras e indoutos", falaram diante do Sinédrio, as autoridades "se maravilharam" com sua coragem (Atos 4.13). Eles sabiam que aquela ousadia não vinha deles, mas de terem estado com Jesus.
Por que, então, muitas vezes nos falta essa coragem? Frequentemente, estamos presos por barreiras que nós mesmos criamos: o medo do que os outros vão pensar, a preocupação com nosso status social, a insegurança sobre o que dizer.
Em momentos de crise extrema, como relatado em campos de concentração, essas barreiras sociais desaparecem. Ali, as pessoas falavam abertamente sobre vida e morte, céu e inferno, e muitos incrédulos foram ganhos para Cristo pela ousadia dos crentes.
Aplicação
Como podemos cultivar a ousadia para testemunhar no nosso dia a dia?
- Ore especificamente por ousadia. Siga o exemplo dos primeiros cristãos. Em vez de apenas orar para que as dificuldades desapareçam, peça a Deus coragem para falar a verdade em meio a elas.
- Comece onde você está. Você não precisa começar pregando para uma multidão. Comece compartilhando o que Deus tem feito em sua vida com um amigo próximo, um colega de trabalho ou um familiar.
- Aproveite as oportunidades. Uma notícia no jornal, uma dificuldade que um amigo está passando, uma pergunta sobre o seu fim de semana. Todas essas podem ser portas abertas por Deus para você falar do Seu amor e da Sua esperança.
- Lembre-se de que não se trata de você. A ousadia não vem da sua eloquência ou do seu conhecimento teológico. Ela vem da fé em um Salvador ressuscitado que tem todo o poder. É a obra do Espírito Santo através de você, não um esforço seu.
3. A ousadia nos permite falar com Deus como filhos amados
A ousadia cristã não se manifesta apenas para fora, em nosso testemunho ao mundo, mas também para cima, em nosso relacionamento com Deus. Essa talvez seja a dimensão mais revolucionária e transformadora dessa virtude. É o mistério de pecadores poderem se aproximar de um Deus santo com confiança e liberdade.
Pense nas relações humanas. Um escravo se aproxima do seu senhor com ousadia? Um réu condenado fala abertamente com o juiz?
Um prisioneiro se dirige ao comandante do campo com confiança? É impensável. A distância e o medo definem essas relações. E, no entanto, a Bíblia nos diz que nossa relação com o Deus Todo-Poderoso, o Justo Juiz, pode e deve ser marcada pela ousadia.
O apóstolo João conecta essa confiança à nossa obediência e ao amor de Deus.
1 João 3.21-22
Amados, se o nosso coração não nos condena, temos confiança para com Deus; e qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à sua vista.
Essa confiança é tão profunda que nos sustenta até mesmo na perspectiva do juízo final (1 João 4.17). Mas qual é a base dessa confiança? Não é nossa própria bondade, mas a obra consumada de Jesus Cristo. Ele abriu o caminho para o trono de Deus. Por causa do Seu sacrifício, o trono que deveria ser de julgamento para nós se tornou um "trono da graça".
A carta aos Hebreus é explícita sobre isso:
Hebreus 4.16
Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno.
Temos um Sumo Sacerdote no céu, Jesus, que se compadece das nossas fraquezas. Por isso, não precisamos nos aproximar de Deus com medo ou hesitação, como um pobre que atira sua petição a um imperador e foge. Deus não é um tirano. Ele é um Pai amoroso que se deleita em perdoar e se alegra quando Seus filhos se aproximam com a liberdade e a confiança que Cristo conquistou para eles.
Aplicação
Como podemos viver essa ousadia em nossa vida de oração?
- Abandone a oração performática. Deus não está interessado em palavras rebuscadas, mas em um coração sincero. Fale com Ele como você é, com suas dúvidas, medos e alegrias. Derrame seu coração sem medo de ser julgado.
- Ore com base nas promessas dEle. Nossa ousadia não é um cheque em branco para exigirmos o que quisermos. Ela se baseia no caráter e nas promessas de Deus. Quando orar, lembre a si mesmo (e a Ele) do que Ele prometeu em Sua Palavra.
- Rejeite a falsa humildade. A timidez em se aproximar de Deus não é sinal de reverência, mas muitas vezes de incredulidade. É duvidar da suficiência do sacrifício de Cristo. A verdadeira humildade reconhece que não temos direito algum de nos aproximar, mas o faz com ousadia porque Cristo nos deu esse direito.
- Visualize o trono da graça. Quando orar, mude a imagem mental. Em vez de um juiz severo, imagine um Pai de braços abertos, com Jesus ao Seu lado, intercedendo por você. Isso mudará sua postura de medo para confiança filial.
Conclusão
A ousadia cristã não é um traço de personalidade reservado para alguns poucos corajosos. É um direito e um chamado para todo aquele que crê em Jesus Cristo. É uma coragem que nasce não da autoconfiança, mas da confiança em Deus.
Aprendemos que essa ousadia é radicalmente diferente da arrogância do mundo, pois é fundamentada no amor e na humildade. Vimos que ela nos capacita a sermos testemunhas fiéis de Cristo, falando de Seu amor sem medo. E, o mais maravilhoso, descobrimos que ela nos dá livre acesso ao nosso Pai celestial, permitindo que nos aproximemos do trono da graça com a confiança de filhos amados.
Que o Espírito Santo remova de nós todo medo que nos paralisa e nos encha dessa santa ousadia. Que possamos viver não como órfãos temerosos, mas como filhos e filhas do Rei, falando abertamente de Seu Reino e nos achegando confiantemente à Sua presença.