O que vem à sua mente quando você ouve a expressão "a vontade de Deus" ou "a bondade de Deus"? Para muitos de nós, essas palavras evocam a imagem de um plano grandioso, misterioso e talvez até um pouco assustador. Pensamos em um decreto eterno, imutável, decidido antes da fundação do mundo, algo que nos faz sentir pequenos e passivos.
Essa perspectiva, embora contenha uma parte da verdade, pode nos levar a ver Deus como um arquiteto distante e Sua vontade como um destino frio. No entanto, a Bíblia usa palavras como "bondade" e "bom prazer" de uma forma muito mais rica, calorosa e dinâmica.
A bondade de Deus não é apenas um plano distante; é a disposição afetuosa do Seu coração, o Seu deleite, o Seu favor ativo e presente na vida daqueles que Ele ama. É o sorriso de um Pai que tem prazer em Seus filhos.
A partir de agora, vamos mergulhar nas Escrituras para redescobrir essa verdade transformadora. A pergunta que nos guiará é: como podemos entender a bondade de Deus não como um destino imposto, mas como o prazer ativo de um Pai que nos convida a viver de uma forma que Lhe agrada?
1. A bondade de Deus é seu prazer em nós, não apenas um plano distante
Muitas vezes, quando cantamos sobre a "eterna" bondade de Deus, nosso pensamento salta imediatamente para a predestinação, para uma decisão divina inquebrantável sobre a salvação dos eleitos. Isso é verdade, mas é apenas uma parte da história. Nas Escrituras, especialmente nos Salmos, a bondade de Deus é algo muito mais imediato e relacional.
Quando o salmista canta no Salmo 89, "As misericórdias do Senhor cantarei perpetuamente...", ele está celebrando a fidelidade constante e o favor de Deus para com Seu povo no aqui e agora. Ele expressa a certeza de que, enquanto o Senhor olhar para Seu povo com agrado, eles não terão o que temer. É o eco da famosa declaração do apóstolo Paulo: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Romanos 8.31).
Essa bondade, ou "bom prazer", é o olhar favorável de Deus sobre nós. É Sua alegria em nos ter como povo. Isso não significa que seja algo automático ou incondicional, independente de como vivemos.
O mesmo Salmo 89 que celebra a fidelidade de Deus também adverte sobre a dureza de Sua mão para com a infidelidade do povo. A bondade de Deus é o ambiente em que fomos criados para viver, mas nossa desobediência pode nos colocar fora do desfrute desse favor.
Aplicação
Como podemos mudar nossa perspectiva da vontade de Deus de um plano frio para um prazer caloroso?
- Pense em "favor" em vez de "fatalismo". Em suas orações, comece a agradecer a Deus não apenas por ter um "plano" para sua vida, mas por ter "prazer" em você como Seu filho em Cristo. Isso muda a dinâmica de medo para amor.
- Leia os Salmos com novos olhos. Procure por expressões que descrevem o deleite de Deus, Seu rosto resplandecendo, Seu favor como um escudo (Salmo 5.12). Deixe que essas imagens redefinam sua visão de Deus.
- Reconheça a diferença entre posição e condição. Nossa posição como filhos amados em Cristo é segura e eterna. Nossa condição diária e nosso desfrute do favor de Deus são afetados por nossas escolhas e nossa obediência.
2. A bondade de Deus é um presente imerecido que cultivamos com uma vida que lhe agrada
Se a bondade de Deus é Seu favor, de onde ela vem? Por que Ele escolheu olhar com prazer para um povo específico, Israel, e hoje, para a Igreja? A resposta das Escrituras é desconcertante em sua simplicidade: por amor.
Em Deuteronômio, Deus deixa claro que Sua escolha por Israel não teve nada a ver com o mérito deles. Eles não eram os mais numerosos ou os mais poderosos.
Deuteronômio 7.7-8
O Senhor não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos; mas porque o Senhor vos amou...
A bondade de Deus começa com um ato de amor soberano e insondável. Não há outra explicação. Não podemos nos gloriar em nada em nós mesmos. Tudo começa e termina na misericórdia de Deus.
No entanto, a Bíblia também é clara que, para permanecermos sob a luz desse favor, somos chamados a viver de uma forma que agrada a Deus.
A bondade de Deus não é uma licença para a desobediência. Pelo contrário, é o fundamento que nos motiva a buscar o que Lhe agrada. O Senhor não tem prazer na maldade, mas se agrada daqueles que O temem e esperam em Sua misericórdia (Salmo 147.11).
Essa "vida agradável" não se manifesta em grandes rituais religiosos vazios, mas nos atos simples e diários de justiça. O livro de Provérbios é um catálogo prático do que agrada a Deus: "O peso justo é o seu prazer" (11.1), "os que agem com verdade são o seu contentamento" (12.22), "a oração dos retos é o seu gozo" (15.8).
Aplicação
A ideia de que precisamos "conservar" a bondade de Deus pode soar estranha, mas é bíblica. Como podemos fazer isso de maneira saudável?
- Reestruture sua obediência. Não obedeça para *ganhar* o amor de Deus, mas porque você *já tem* o amor de Deus e deseja agradar Aquele que o amou primeiro. A motivação muda tudo.
- Faça um "check-up" de Provérbios. Avalie sua vida à luz das coisas práticas que agradam a Deus. Como está sua honestidade nos negócios? Sua veracidade nas palavras? A sinceridade de suas orações?
- Aprenda a orar como o salmista. Faça do Salmo 143.10 sua oração diária: "Ensina-me a fazer a tua vontade, pois tu és o meu Deus; guie-me o teu bom Espírito por terra plana".
3. Jesus é a expressão máxima da bondade de Deus
Toda a nossa busca para agradar a Deus seria fútil e desesperadora se estivéssemos sozinhos nela. Nossas melhores tentativas são manchadas pelo pecado. Mas a boa notícia do Evangelho é que houve Um que viveu em perfeita sintonia com o prazer do Pai.
Esse é Jesus Cristo. A profecia de Isaías já apontava para Ele:
Isaías 42.1
Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; juízo produzirá entre os gentios.
Essa profecia se cumpriu de forma audível no batismo de Jesus, quando uma voz do céu declarou: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mateus 3.17). A bondade de Deus, Seu bom prazer, repousa plena e perfeitamente sobre Jesus.
E aqui está o coração da nossa fé: quando nos unimos a Jesus pela fé, somos incluídos nesse círculo de prazer divino. Tornamo-nos, como os anjos anunciaram no nascimento de Jesus, "homens de (Sua) bondade" (Lucas 2.14). A tradução "homens de boa vontade" está equivocada; o texto original fala de homens que são o objeto da boa vontade e do prazer de Deus.
Quem são essas pessoas? São todos aqueles que, como diz o anjo, recebem as "novas de grande gozo, que será para todo o povo". São todos que creem em Jesus. Nossa aceitação diante de Deus não se baseia em nosso desempenho, mas em nossa união com Aquele que é o prazer do Pai.
Aplicação
Viver em Cristo muda radicalmente nossa busca por agradar a Deus. Como?
- Descanse em sua identidade. Sua identidade fundamental não é "um pecador tentando agradar a Deus", mas "um filho amado em quem, por causa de Cristo, Deus se compraz". Comece a partir dessa verdade.
- Quando falhar, corra para Cristo. Quando você pecar e sentir que perdeu o favor de Deus, não se esconda em vergonha. Corra para Cristo, o seu representante, e lembre-se de que a complacência de Deus por você está firmada Nele.
- Veja a adoração como uma celebração. A adoração deixa de ser uma tentativa de aplacar um Deus zangado e se torna uma celebração jubilosa do prazer que o Pai já tem em nós por causa do Filho.
4. Viver na bondade de Deus é buscar agradá-lo em tudo
Se Deus opera em nós por Sua bondade, qual é a nossa parte? O apóstolo Paulo nos dá uma resposta que equilibra perfeitamente a soberania de Deus e a responsabilidade humana.
Filipenses 2.12-13
...desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.
Este texto é revolucionário. Não somos chamados a esperar passivamente que Deus faça algo. Somos ordenados a "desenvolver" (ou "operar") nossa salvação. Mas fazemos isso não com a força do nosso próprio braço, mas com a alegre confiança de que o próprio Deus está trabalhando *dentro* de nós. Ele nos dá o desejo ("o querer") e a capacidade ("o efetuar") de fazer o que Lhe agrada.
A bondade de Deus não nos isenta da tarefa; ela nos capacita para a tarefa. Porque Deus tem prazer em nós, Ele opera em nós para que vivamos de uma maneira que Lhe dê prazer. É um ciclo glorioso de graça. Nossa vida inteira se torna uma resposta de gratidão, um esforço para "ser-Lhe agradáveis", como Paulo diz em 2 Coríntios 5.9.
Aplicação
Como essa verdade nos capacita a viver uma vida que agrada a Deus?
- Transforme o "esforço" em "parceria". Pare de ver a vida cristã como uma luta solitária. Veja-a como uma parceria diária com o Espírito Santo, que está ativamente trabalhando em você.
- Ore com base em Filipenses 2.13. Quando sentir falta de desejo ou força para fazer o que é certo, ore: "Pai, opera em mim o querer e o efetuar. Dá-me o desejo de Te agradar e a força para fazê-lo".
- Aja com confiança. Saber que Deus está operando em você lhe dá a confiança para dar passos de fé e obediência, mesmo quando se sentir fraco. A obra não é sua, mas dEle através de você.
Conclusão
A bondade de Deus é muito mais do que um conceito teológico abstrato. É o coração pulsante do nosso relacionamento com Ele. Começa com Seu amor imerecido que nos escolheu. É perfeitamente revelada em Seu Filho amado, Jesus, em quem todo o Seu prazer repousa. E nos envolve em um convite contínuo para vivermos, pela força que Ele mesmo nos dá, de uma maneira que Lhe traga alegria.
Que possamos deixar de lado a visão de um Deus distante e de uma vontade impessoal. Que abracemos a verdade de um Pai amoroso que tem prazer em Seus filhos e que nos capacita a viver para o Seu agrado. Que toda a nossa vida se torne uma resposta grata a esse favor, buscando, em tudo, honrar Aquele que nos amou primeiro.