A Mansidão: Por que a Virtude que o Mundo Despreza é Força Real – Estudo Bíblico sobre os temas do NT

Vivemos em um mundo que aplaude a reação rápida, a resposta afiada e a defesa imediata dos nossos direitos. A paciência é frequentemente confundida com fraqueza, e a capacidade de “não levar desaforo para casa” é vista como uma virtude.

Em nosso íntimo, muitas vezes nos orgulhamos quando conseguimos “colocar alguém em seu lugar” ou quando nossa raiva explode diante de uma injustiça, por menor que seja. É uma reação quase instintiva, que parece nos proteger e afirmar nosso valor.

Mas, e se uma das características mais profundas do caráter de Deus e uma das virtudes mais preciosas da vida cristã for exatamente o oposto disso? E se fomos chamados a cultivar algo que o mundo despreza, mas que Deus exalta? A partir de agora trataremos sobre a mansidão, uma virtude cristã que, para muitos, parece perdida.

A pergunta que nos guiará neste estudo é: como podemos cultivar um espírito manso e paciente em um mundo que celebra a impaciência e a ira, refletindo verdadeiramente o coração de nosso Deus?

1. A mansidão é, antes de tudo, o caráter de Deus

A palavra mansidão, ou clemência, parece fatal no dicionário de muitos. Mesmo que a encontremos, raramente a colocamos em prática. Por natureza, não a consideramos uma virtude. Um dicionário consultado pelo autor original do texto destacava que palavras como "clemência" e o verbo "ser tardo para a ira" são autenticamente bíblicas, raramente encontradas no grego clássico.

Isso acontece porque elas descrevem uma virtude cristã que, para os gregos, não era de forma alguma uma virtude. Uma pessoa mansa não era digna de louvor; esperava-se que os heróis se inflamasse de ira imediatamente. Vemos essa mesma mentalidade hoje: alguém que é manso e tardo para a ira é rapidamente rotulado de fraco ou passivo.

O pensamento comum é que com mansidão não se vai muito longe no mundo. O canto de Lameque em Gênesis se encaixa muito melhor em nossa natureza caída:

Gênesis 4.23-24
Ada e Zila, ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai o meu dito: porque eu matei um varão, por me ferir, e um jovem, por me pisar. Porque sete vezes Caim será vingado; mas Lameque, setenta vezes sete.

Essa sede de vingança desproporcional pulsa em nosso sangue. Mas a Escritura nos apresenta um padrão completamente diferente, que começa não em um ideal humano, mas no próprio ser de Deus. Quando Deus se revela a Moisés, Ele descreve a Si mesmo da seguinte forma:

Êxodo 34.6
Passando, pois, o Senhor perante ele, clamou: Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em milheiros, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado...

Isso não significa que Deus aprova o mal ou nunca castiga. O texto continua dizendo que Ele "de nenhum modo terá por inocente o culpado". O ponto central é que Deus contém por um longo tempo a explosão de Sua ira. A palavra hebraica para longanimidade ou clemência significa literalmente "retardar a explosão da ira". Deus tem uma paciência imensa com as fraquezas e falhas de Seu povo. Por isso, Ele é glorificado nos Salmos:

Salmos 86.15
Mas tu, Senhor, és um Deus cheio de compaixão, e piedoso, sofredor, e grande em benignidade e em verdade.

Essa paciência de Deus se estende não apenas ao Seu povo, mas até mesmo aos Seus inimigos, algo que até os profetas tiveram dificuldade em compreender. Jeremias, em um momento de fraqueza, orou: "...vinga-me dos meus perseguidores. Não me arrebates, por tua longanimidade..." (Jeremias 15.15). Ele temia que a paciência de Deus com seus inimigos lhe custasse a vida.

O caso de Jonas é ainda mais explícito. Ele ficou furioso quando Deus perdoou Nínive, e sua queixa ao Senhor revela a profundidade do caráter divino: "...porque sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade e que te arrependes do mal" (Jonas 4.2).

Aplicação

  • Repense sua imagem de Deus. Muitas vezes, imaginamos Deus como um juiz impaciente, pronto para nos castigar ao menor erro. Medite em Êxodo 34.6. Como o fato de saber que Ele é “tardo para a ira” muda sua forma de se aproximar d'Ele em oração, especialmente após uma falha?
  • Confie no tempo de Deus. Assim como Jeremias, às vezes ficamos impacientes com a aparente inação de Deus diante da injustiça. A mansidão de Deus nos ensina a confiar em Sua soberania e em Seu tempo perfeito, em vez de exigir vingança imediata.
  • Agradeça pela paciência d'Ele com você. Pense em quantas vezes você falhou, pecou e se afastou. A razão pela qual você não foi consumido é a longanimidade de Deus. Cultive um coração grato por essa paciência imerecida.

2. Somos chamados a refletir a mansidão de Deus em nossos relacionamentos

A mansidão de Deus não é apenas um atributo para ser admirado; é um modelo a ser imitado. A Bíblia está repleta de exortações para que os justos cultivem essa mesma virtude. O livro de Provérbios, por exemplo, é um tesouro de sabedoria sobre o tema:

Provérbios 14.29
O que é tardio em irar-se é grande em entendimento, mas o que é de ânimo precipitado exalta a loucura.

Provérbios 16.32
Melhor é o que tarda em irar-se do que o forte, e o que domina o seu espírito do que o que toma uma cidade.

Esses versos redefinem o conceito de força. A verdadeira força não está na capacidade de explodir e dominar os outros, mas na capacidade de dominar o próprio espírito. É um poder interior, não uma agressão exterior.

Jesus eleva esse princípio de forma dramática na parábola do servo incompassivo (Mateus 18.23-35). Um rei perdoa a dívida impagável de um servo, movido por misericórdia. No entanto, esse mesmo servo, que acabara de receber uma clemência extraordinária, recusa-se a perdoar uma dívida insignificante de um conservo, mandando-o para a prisão. A parábola contrapõe a imensa paciência de Deus conosco com a nossa chocante dureza para com os outros.

O apóstolo Paulo, profundamente consciente da paciência que Deus teve com ele, torna a mansidão um pilar do seu ensinamento. Ele nos adverte a não desprezar a longanimidade de Deus, pois é a "sua benignidade que te leva ao arrependimento" (Romanos 2.4). Ele também lista a longanimidade como parte essencial do fruto do Espírito (Gálatas 5.22).

Ao escrever aos efésios, ele os exorta a andar de modo digno da vocação, o que inclui: "com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor" (Efésios 4.2). 

Note a conexão: a paciência não é um ato isolado, mas uma expressão prática do amor e da humildade. E essa paciência não é apenas para com os "irmãos" fáceis de amar. Paulo instrui os tessalonicenses: "sejam pacientes para com todos" (1 Tessalonicenses 5.14).

Talvez o ápice dessa teologia esteja no "hino do amor" de 1 Coríntios 13. A primeira e principal característica do amor descrita por Paulo é: "O amor é sofredor" (1 Coríntios 13.4). Isso demonstra que a mansidão não é apenas uma boa ideia, mas algo inestimável aos olhos do Senhor, a própria evidência do amor em ação.

Aplicação

  • Identifique o "servo incompassivo" em você. Em que áreas da sua vida você recebeu a imensa graça de Deus, mas nega uma pequena graça aos outros? Pode ser no trânsito, em uma discussão familiar, ou com um colega de trabalho que cometeu um erro.
  • Pratique o "suportar em amor". Escolha uma pessoa ou situação que testa sua paciência. Em vez de reagir com irritação, ore pedindo ao Espírito Santo que produza em você o fruto da longanimidade. Pergunte a si mesmo: "Como o amor agiria aqui?".
  • Transforme conflitos com respostas brandas. Lembre-se de Provérbios 15.1: "A resposta branda desvia o furor". Na próxima vez que uma conversa ficar tensa, experimente responder com calma e gentileza em vez de aumentar o tom. Observe como isso pode mudar toda a dinâmica da interação.

3. A mansidão é uma virtude que se cultiva com esforço e humildade

É fácil concordar com tudo isso em teoria. A prática, no entanto, é uma batalha. Como nos irritamos por coisas pequenas, por ninharias! E como a vida é feita de pequenas coisas, faríamos bem em nos exercitar na paciência recíproca.

Isso acontece no dia a dia, dentro de casa. Um comentário não muito amigável é feito, o outro não aceita, e uma palavra provoca a outra. Logo, a briga está formada. Em nossos locais de trabalho ou estudo, um chefe ou professor impaciente pode criar um ambiente de medo, onde o trabalho perde toda a alegria. Há líderes que se gloriam do fato de que seus subordinados tremem diante deles. Isso é uma glória muito pobre e, certamente, não cristã.

Por natureza, não somos pacientes ou mansos. A virtude da mansidão não se consegue sem luta. Embora alguns tenham mais facilidade do que outros devido à criação ou temperamento, para todos nós é uma dura batalha. 

Todos temos momentos em que o "sangue ferve" e dificilmente conseguimos fechar a boca. Nestas ocasiões, a melhor coisa a fazer é, por enquanto, não fazer nada. Talvez seja melhor dar uma volta na rua. A Bíblia chama isso de ser-tardo-para-a-ira. Deste atraso, geralmente, surge o controle.

A falta de mansidão, no fundo, é uma consequência da soberba. É o que o livro de Eclesiastes parece querer dizer:

Eclesiastes 7.8-9
Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas; melhor é o paciente de espírito do que o altivo de espírito. Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira repousa no seio dos tolos.

Quando nos achamos importantes demais, qualquer ofensa, por menor que seja, parece um ataque intolerável. Se nos conhecêssemos um pouco mais, com nossas próprias limitações e fraquezas, seríamos mais prudentes em nossa raiva para com os outros.

Temos o péssimo hábito de querer "colocar os pontos nos is", especialmente no que diz respeito aos outros. Dizemos que "não temos papas na língua" e "falamos o que pensamos". Embora a verdade seja importante, muitas vezes usamos essa desculpa para espalhar críticas desnecessárias. Diante de nossas palavras duras, deveríamos nos perguntar: "Isso era realmente necessário? Não havia absolutamente nada de bom para dizer?".

Aplicação

  • Pratique a "pausa santa". Quando sentir a raiva subir, em vez de reagir imediatamente, treine-se para parar. Respire fundo, ore em silêncio ou, se possível, afaste-se fisicamente da situação por alguns minutos. Este ato de "retardar a ira" pode evitar muitos pecados e palavras das quais você se arrependeria.
  • Cultive o humor e a autocrítica. Aprenda a rir de si mesmo e a não se levar tão a sério. Uma pessoa que reconhece suas próprias falhas e limitações se torna muito mais graciosa e paciente com as falhas dos outros. A humildade é o antídoto para a ira orgulhosa.
  • Faça um "jejum de críticas". Por um dia ou uma semana, comprometa-se a não fazer críticas desnecessárias sobre outras pessoas. Em vez disso, procure ativamente algo de bom para dizer ou, se não encontrar, pratique o silêncio. Isso treinará seu coração a focar no que edifica.

Conclusão

Neste estudo, fomos lembrados de uma virtude que corre o risco de ser esquecida em nossa cultura e até mesmo em nossas igrejas. Vimos que a mansidão não é fraqueza, mas a força de caráter do próprio Deus.

Aprendemos que Ele é tardo para a ira, não porque tolera o pecado, mas porque Sua natureza é compassiva e misericordiosa. Fomos confrontados com o chamado claro das Escrituras para refletir essa mesma paciência em nossos relacionamentos, lembrando que o amor, em sua essência, é sofredor.

Finalmente, reconhecemos que cultivar a mansidão é uma batalha diária, travada com as armas da humildade, do autocontrole e da dependência do Espírito Santo. É uma luta contra nosso orgulho e nossa natureza impulsiva.

Que possamos ser mansos para com todos. Que possamos suportar uns aos outros, especialmente na família da fé. E que o grande motivador para isso seja a lembrança constante do quanto o Senhor nos suportou e ainda está disposto a nos suportar. Que a Sua infinita paciência para conosco nos inspire a oferecer um pouco dessa mesma graça ao mundo ao nosso redor.


Lista de estudos da série

1. O Evangelho: A Vitória de Deus que Redefine a Vida – Estudo Bíblico

Semeando Vida

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