“Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” (Mateus 6:33).
Quantas vezes já ouvimos ou lemos essa frase? Ela faz parte do repertório de versículos conhecidos por quase todo cristão, assim como a proclamação de João Batista: “Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos céus.” (Mateus 3:2).
Essas palavras soam familiares, quase como um eco em nossas mentes. No entanto, se fôssemos honestos, muitos de nós teríamos dificuldade em explicar com clareza o que é, de fato, o Reino de Deus. Temos uma ideia vaga, um sentimento geral, mas quando tentamos definir seu verdadeiro significado, as palavras parecem nos escapar.
Isso não é um problema apenas seu. É um desafio para todos nós que desejamos aprofundar nossa fé. Portanto, este estudo tem um objetivo claro: desvendar o que a Bíblia ensina sobre o Reino de Deus, transformando um conceito talvez abstrato em uma realidade viva e poderosa que redefine nossas prioridades e molda nosso dia a dia.
1. O Reino de Deus é um governo, não um lugar
Quando ouvimos a palavra "reino", nossa mente imediatamente nos leva a pensar em um território geográfico, com fronteiras, um palácio e um país governado por um rei. Contudo, para entender o conceito bíblico, precisamos ajustar nosso foco.
O Reino de Deus não é primariamente um lugar, mas sim o domínio de Deus, seu poder de reinar, sua soberania ativa sobre seu povo.
No Antigo Testamento, Deus já é apresentado como Rei de Israel: "O Senhor reinará para sempre; o teu Deus, ó Sião, de geração em geração. Aleluia!" (Salmo 146:10). Mas essa realeza não se limita a um povo; ela é universal: "O Senhor estabeleceu o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo." (Salmo 103:19). Os profetas, como Daniel, anteviram um reino eterno que jamais seria destruído (Daniel 7:14).
No tempo de Jesus, os rabinos falavam muito sobre o reino, mas com dois grandes equívocos. Primeiro, esperavam um reino terreno, uma restauração política que libertaria Israel do domínio romano.
Segundo, ensinavam que as pessoas poderiam conquistar um lugar nesse reino por meio do próprio esforço, cumprindo rigorosamente a Lei. Nesse sistema, pecadores e publicanos estavam excluídos.
Então, João Batista surge com uma mensagem revolucionária: "Arrependei-vos, porque o Reino dos céus se aproximou". Ele não estava anunciando uma revolução política, mas uma nova realidade: o tempo chegou em que Deus estabelece seu domínio de graça.
O Rei prometido, Cristo, chegou para conceder perdão e vida eterna justamente àqueles que o sistema religioso rejeitava. Neste reino, não se entra por méritos, mas por rendição à graça de um Rei misericordioso.
Aplicação
Entender o Reino de Deus como seu governo ativo em nossa vida nos desafia a sair da passividade e a avaliar quem realmente está no trono de nossas decisões.
- Submeta suas decisões ao Rei. Antes de tomar uma decisão importante (seja na carreira, finanças ou relacionamentos), pergunte-se: "O que honraria o governo de Deus nesta situação?". Isso move a questão de "o que eu quero?" para "o que o meu Rei deseja?".
- Identifique áreas de rebelião. Onde você ainda age como seu próprio rei? Pode ser na forma como gasta seu tempo, como lida com suas finanças ou em um relacionamento que você sabe que não agrada a Deus. Arrepender-se é destronar a si mesmo e entronizar a Cristo nessas áreas.
- Viva como um embaixador. Se você está sob o governo de Cristo, você representa esse governo no mundo. Como suas ações na família, no trabalho e na comunidade refletem os valores do Reino de Deus (justiça, paz, amor)?
2. O Reino de Deus já chegou, mas ainda não está completo
Uma das maiores tensões na teologia é a pergunta: o Reino de Deus é uma realidade presente ou uma esperança futura? A Bíblia, de forma maravilhosa, responde: são as duas coisas.
O Reino de Deus já chegou. Jesus não pregou sobre ideias bonitas ou pensamentos positivos. Quando Ele proclamou "o evangelho do reino", o poder da graça de Deus invadiu este mundo. Pecados foram perdoados, vidas foram transformadas. Seus milagres eram sinais da chegada desse Reino.
Quando os fariseus o acusaram de expulsar demônios pelo poder de Belzebu, Jesus respondeu de forma categórica:
Mateus 12:28
Mas, se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, logo é chegado a vós o Reino de Deus.
Onde o poder de Satanás é quebrado, ali está a evidência do governo de Deus. É por isso que Jesus disse aos fariseus: "o Reino de Deus está entre vós" (Lucas 17:21). Não era algo dentro de seus corações, mas uma realidade presente e acessível na pessoa e nos atos do Rei, Jesus Cristo. Porque o Reino está presente, podemos "buscar" e "encontrar" hoje (Mateus 6:33).
Ao mesmo tempo, a Escritura ensina que o Reino de Deus ainda não está completo. Sua manifestação plena e gloriosa é futura. Vivemos em um tempo de sobreposição. O mal ainda age, a oposição ao governo de Cristo é real e até mesmo os súditos do Reino ainda lutam contra o pecado.
A festa já começou, já temos um "sabor antecipado" da alegria eterna, mas a grande celebração ainda está por vir.
Jesus falou claramente sobre essa glória futura:
Mateus 25:34
Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.
Esse momento glorioso acontecerá quando o Filho do Homem retornar em glória. Vivemos, portanto, na tensão do "já" e do "ainda não".
Aplicação
Viver nesta tensão entre o "já" e o "ainda não" é o grande desafio da vida cristã. Isso nos protege tanto do triunfalismo irreal quanto do pessimismo desesperado.
- Celebre as vitórias presentes. Reconheça e agradeça a Deus pelas evidências do Seu Reino em sua vida hoje: um pecado vencido, uma oração respondida, uma oportunidade de servir, a paz que excede o entendimento em meio à crise. Isso fortalece sua fé no "já".
- Enfrente o sofrimento com esperança. Quando a dor, a doença ou a injustiça baterem à sua porta, lembre-se do "ainda não". Seu sofrimento não é a palavra final. A glória futura do Reino redefine a dor presente, dando-lhe propósito e um prazo de validade.
- Ore com ousadia. A oração "Venha o teu Reino" não é um desejo passivo. É um pedido ativo para que a realidade futura do governo de Deus invada cada vez mais a realidade presente – em sua vida, em sua família, em sua cidade.
3. O Reino de Deus exige uma resposta de tudo o que somos
O valor do Reino de Deus é absoluto. Jesus o comparou a um tesouro escondido e a uma pérola de grande valor. Em ambas as parábolas, o homem que os encontra "vai, vende tudo o que tem, e compra" (Mateus 13:44-46).
A resposta ao descobrir a graça de Cristo é uma alegria que nos leva a reordenar todas as nossas prioridades. Nada neste mundo se compara ao privilégio de viver sob o Seu governo.
Essa realidade, no entanto, traz consigo uma séria responsabilidade ética. Ser um filho do Reino e viver na prática do pecado são coisas incompatíveis. Não podemos servir a dois senhores. O apóstolo Paulo adverte com clareza:
1 Coríntios 6:9-10
Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus.
A graça de Deus é imensa e há lugar para todo tipo de pecador no Reino. Ladrões, assassinos e adúlteros são bem-vindos, mas com uma condição: que eles rompam com o pecado e não continuem a viver nele. Há perdão para fraquezas e quedas, mas para aqueles que persistem deliberadamente no pecado, Deus é fogo consumidor.
Por fim, a resposta que o Reino exige não é apenas "espiritual", afetando somente nossa alma. A esperança do Reino é total, incluindo a redenção do nosso corpo.
Quando Cristo esteve na terra, a chegada do Reino trouxe cura física. Isso foi um sinal do que acontecerá de forma plena e gloriosa.
Viveremos em um novo céu e uma nova terra com corpos glorificados, imperecíveis e livres de toda doença e dor. Como diz em Apocalipse: "E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima... porque já as primeiras coisas são passadas." (Apocalipse 21:4).
Aplicação
O valor infinito do Reino exige uma resposta radical. Isso se manifesta em nossas prioridades, nossa ética e nossa esperança.
- Avalie seus "tesouros". O que você estaria disposto a "vender tudo" para obter? Seu tempo, dinheiro e energia revelam o que você realmente valoriza. O Reino de Deus está no topo dessa lista na prática, ou apenas na teoria?
- Trave uma guerra santa contra o pecado. Não trate o pecado como um animal de estimação inofensivo. Identifique uma área de pecado persistente em sua vida e, com a ajuda de Deus e de irmãos de confiança, crie um plano prático para romper com ele. Lembre-se, você não luta por aceitação, mas a partir da aceitação que já tem em Cristo.
- Cuide do seu corpo com uma perspectiva eterna. Seu corpo não é apenas um recipiente temporário. Ele será ressuscitado e glorificado. Como essa verdade afeta a forma como você se alimenta, descansa e cuida de sua saúde física? Isso também é uma forma de honrar o Rei.
Conclusão
O Reino de Deus não é uma doutrina para ser guardada em uma prateleira teológica. É a realidade mais dinâmica e transformadora do universo.
É o governo ativo de um Pai amoroso através de seu Filho, Jesus Cristo. Um governo que já invadiu nosso presente com graça e poder, e que caminha para uma consumação gloriosa no futuro.
Viver como um cidadão desse Reino significa submeter cada área da vida ao nosso bom Rei, viver na esperança certa de sua vitória final e abandonar tudo o que compete com o valor infinito de pertencer a Ele.
Que possamos, hoje, buscar este Reino acima de tudo, encontrando Nele a verdadeira justiça, paz e alegria no Espírito Santo.