No último estudo, vimos como a justiça salvadora de Deus é revelada pelo evangelho. Podemos dar um passo adiante e dizer que essa justiça se revela quando Deus justifica o pecador.
Mas o que exatamente significa ser "justificado" por Deus? Esta é, talvez, a doutrina mais libertadora e fundamental de toda a fé cristã.
As Escrituras estão repletas de referências a este ato divino. Paulo declara repetidamente:
- "Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo" (Gálatas 2:16).
- "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei" (Romanos 3:28).
- "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5:1).
Essas passagens estabelecem um contraste claro: a tentativa de ser justificado pelas obras e o dom de ser justificado pela fé. Para entender o poder revolucionário da justificação, precisamos primeiro visitar um tribunal — o tribunal de Deus.
1. Justificação é um veredito legal, não um processo moral
No seu nível mais fundamental, justificar é um termo forense, ou seja, um termo de tribunal. Quando um réu é levado a julgamento, existem dois resultados possíveis: ele pode ser condenado ou pode ser justificado (declarado justo, absolvido).
Imagine alguém acusado de um crime capital. Se o juiz o considera culpado, a sentença é a condenação. Mas se o juiz o considera inocente, ele é absolvido. As portas da prisão se abrem e ele retorna a uma vida plena e livre.
Justificar, portanto, não significa "tornar alguém moralmente bom", mas sim "declarar alguém legalmente justo".
Quando a Bíblia fala de justificação, ela nos coloca diante do tribunal de Deus. Se Ele nos declara culpados, a sentença é a morte eterna, a perda da comunhão com Ele. Mas se Ele nos absolve, nos declara justos, significa que Ele está a nosso favor, e o resultado é a vida.
A parábola do fariseu e do publicano (Lucas 18:9-14) ilustra perfeitamente os dois caminhos para buscar essa absolvição. O fariseu apresentou suas obras como evidência de sua justiça: "Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo".
Ele acreditava que seus méritos superavam suas falhas. O publicano, por outro lado, não tinha nada a apresentar. Consciente de sua culpa, ele apenas clamou: "Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!".
Jesus conclui: "Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele". O fariseu, que tentou se justificar, foi para casa condenado. O publicano, que se reconheceu ímpio, foi para casa declarado justo. Isso nos leva à chocante verdade do evangelho: Deus justifica o ímpio.
Aplicação
Compreender a justificação como um ato legal, e não como um processo de melhoria moral, protege-nos de dois grandes perigos espirituais: o orgulho e o desespero.
- Abandone a balança celestial. Muitos cristãos vivem como o fariseu, tentando garantir que suas boas obras superem as más. Isso gera orgulho quando achamos que estamos indo bem, e desespero quando falhamos. A boa notícia é que Deus não usa uma balança. Ele nos declara justos não com base no nosso desempenho, mas na obra perfeita de Cristo.
- Aproprie-se do seu novo status legal. Em Cristo, seu status diante de Deus mudou permanentemente de "culpado" para "justo". Quando Satanás o acusa de seus pecados passados, presentes ou futuros, você pode responder não com desculpas, mas com o veredito de Deus. Diga: "Isso é verdade, mas diante do tribunal de Deus, fui declarado justo por causa de Jesus."
- Aproxime-se de Deus com confiança. Um réu absolvido não entra no tribunal com medo. Da mesma forma, por termos sido justificados, temos "ousadia para entrar no santuário" (Hebreus 10:19). Você não precisa mais se aproximar de Deus com medo de punição, mas com a confiança de um filho amado.
2. A justificação é recebida gratuitamente pela fé, não por obras
O caminho do fariseu — o caminho das obras da lei — é uma estrada para a frustração. Quem vive tentando merecer a aprovação de Deus nunca encontra paz, não por falha da lei (que é santa e boa), mas por causa da nossa fraqueza pecaminosa. "Pelas obras da lei nenhuma carne será justificada diante dele" (Romanos 3:20). Diante de um Deus perfeitamente santo, ninguém pode ser declarado justo por seus próprios méritos.
Graças a Deus, há outro caminho. Depois de fechar a porta das obras, Paulo abre a gloriosa porta da graça:
Romanos 3:21-24
Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus... justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.
Somos justificados gratuitamente. Somos absolvidos sem qualquer mérito de nossa parte. Nossa conta de pecado não foi ignorada, mas foi totalmente paga pelo sacrifício de Jesus. Ele, o Cordeiro de Deus, cumpriu todas as exigências da lei em nosso lugar. Não podemos e não precisamos adicionar nada à Sua obra consumada.
Essa justificação nos chega através da pregação do evangelho. O evangelho é a proclamação oficial da anistia de Deus. Assim como um rei anuncia o perdão a fugitivos, Deus, por meio de seus embaixadores, proclama a reconciliação e a absolvição. "De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo... Rogamo-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus" (2 Coríntios 5:20).
Como, então, recebemos esse veredito? Pela fé. A fé não é a *causa* da nossa justificação, mas o *instrumento* pelo qual a recebemos. Não somos justificados *por causa* da nossa fé, como se ela fosse uma obra meritória, mas *mediante* a fé. A fé é a mão vazia que se estende para receber o dom gratuito da justiça de Cristo.
Aplicação
Esta verdade é o coração do evangelho e deve ser o fundamento da nossa vida diária.
- Pare de tentar "pagar" a Deus. Você serve a Deus, doa para a igreja ou lê a Bíblia para ganhar o favor Dele? Isso é o caminho das obras. A verdadeira motivação cristã não é o medo ou a tentativa de ganhar méritos, mas a gratidão por uma salvação já garantida e recebida gratuitamente.
- Confie na proclamação do evangelho. Não espere por um sinal especial do céu para saber que você foi perdoado. A absolvição de Deus é proclamada publicamente na Sua Palavra. Se o evangelho anuncia o perdão para todo aquele que crê, e você crê, então essa promessa é para você. Confiar nisso é fé.
- Dê glória a Deus, não à sua fé. O pobre que recebe esmola não se orgulha da mão que estendeu, mas da bondade do benfeitor. Da mesma forma, nunca devemos nos gloriar em nossa fé, mas somente na graça de Deus e na justiça de Cristo que recebemos através dela.
3. A justificação é a fonte de todos os outros benefícios da salvação
Em alguns círculos, a justificação (o perdão dos pecados) é vista como apenas o primeiro passo, uma pequena parte da salvação. Pensa-se que, depois de ser perdoado, ainda é preciso lutar para "nascer de novo" ou alcançar a santificação por esforço próprio. Alguém pode dizer: "Acho que Deus perdoou meus pecados, mas ainda não nasci de novo". Essa forma de pensar é contrária às Escrituras e rouba a riqueza do que significa ser justificado.
A justificação não é um evento isolado. É o ato fundamental de Deus que nos coloca em um novo relacionamento com Ele e desencadeia todas as outras bênçãos da salvação. Quando Deus nos justifica, Ele não permanece indiferente. Se Ele nos perdoa, Ele está por nós. Se Deus está por nós, quem será contra nós? (Romanos 8:31).
Quando Deus declara um pecador justo em Cristo, Ele o adota como filho, envia Seu Espírito para habitar nele, inicia a obra de santificação e o une a Cristo. Se somos justificados pela fé em Jesus, então também fomos regenerados, pois temos uma nova vida em comunhão com Ele. Se somos justificados, também somos santificados, pois pertencemos a Ele.
Martinho Lutero e João Calvino não estavam errados ao verem a justificação como o artigo pelo qual a igreja se mantém de pé ou cai. É o núcleo do evangelho. Em Romanos 5:1-11, Paulo lista os frutos gloriosos que brotam da justificação:
- Paz com Deus.
- Acesso à graça.
- Esperança da glória de Deus.
- Alegria nas tribulações.
- O derramamento do amor de Deus em nossos corações pelo Espírito Santo.
- A certeza da salvação final da ira vindoura.
Não há riqueza maior no mundo do que saber que, por causa da justificação, Deus está a nosso favor.
Aplicação
Entender a centralidade da justificação nos dá uma segurança e uma alegria profundas que transformam nossa experiência cristã.
- Veja sua vida cristã como um todo unificado. Não separe a justificação da santificação ou da regeneração. Tudo flui da sua união com Cristo, que foi selada no momento em que Deus o declarou justo pela fé. Sua luta contra o pecado não é para *manter* sua justificação, mas é o *resultado* dela.
- Medite nos frutos da justificação. Quando se sentir fraco ou desanimado, leia Romanos 5:1-11 e agradeça a Deus por cada um dos benefícios que Ele lhe deu simplesmente por declará-lo justo em Cristo. Deixe que essas verdades redefinam sua perspectiva sobre suas lutas.
- Construa sua vida sobre esta rocha. A justificação pela fé somente em Cristo é o fundamento. Certifique-se de que sua teologia pessoal, sua vida devocional e o ensino em sua igreja estejam firmemente alicerçados nesta verdade gloriosa. É o antídoto para o legalismo, o medo e a incerteza.
Conclusão
Ser justificado por Deus é o maior milagre do evangelho. É o ato de um Juiz santo que, em vez de nos condenar como merecíamos, nos declara perfeitamente justos, não por causa de algo que fizemos, mas unicamente com base na vida e morte de Seu Filho, Jesus Cristo. Este veredito nos é comunicado pelo evangelho e recebido apenas pela fé.
Essa declaração legal não é apenas um registro nos livros celestiais; ela nos transporta da morte para a vida, da inimizade para a paz, da condenação para uma esperança gloriosa. É a fonte de toda a nossa vida cristã. Que possamos descansar nesta verdade, nos alegrar nela e viver cada dia à luz do fato de que, em Cristo, fomos e somos para sempre justificados.