A Confissão: O Poder de Expor Nossos Pecados para Encontrar a Cura – Estudo Bíblico sobre os temas do NT


Vivemos em uma época de abundante informação espiritual. Temos acesso a inúmeros sermões, livros, estudos e confissões de fé históricas. No entanto, muitos cristãos sentem um profundo descompasso entre o que acreditam intelectualmente e a vitalidade espiritual que experimentam no dia a dia. Por que existe essa distância?

Muitas vezes, a resposta está na forma como entendemos duas palavras fundamentais: professar e confessar. Para muitos, professar a fé se tornou um evento único, um rito de passagem para ser aceito na igreja. E confessar tornou-se um sinônimo de concordar com uma lista de doutrinas, como se a fé fosse um juramento a um documento e não um relacionamento vivo.

Contudo, a Bíblia nos mostra algo muito mais dinâmico e poderoso. A confissão não é apenas um eco de palavras escritas, mas o transbordar de um coração transformado. É uma ação de duas vias: confessamos quem Deus é para nós diante do mundo e, com a mesma sinceridade, confessamos quem nós somos diante de Deus, com nossos pecados e fraquezas.

A pergunta central que este estudo busca responder é: como podemos resgatar o verdadeiro significado da confissão e transformar nosso acordo silencioso com a fé em uma declaração viva e vocal, que muda a nós mesmos e o mundo ao nosso redor?

1. Uma igreja que se cala é uma igreja morta

Um dos maiores perigos para a fé cristã é reduzi-la a um assunto privado e silencioso. Quando a confissão de fé se torna apenas um evento do passado, um diploma pendurado na parede da memória, ela perde seu poder. A fé que não é verbalizada corre o risco de se tornar uma fé que não é vivida.

Imagine a seguinte cena, baseada em uma experiência pastoral real: um cristão dedicado, membro de uma igreja reformada, convive bem com seu vizinho, que não tem fé. Um dia, o vizinho profere uma blasfêmia na presença do crente, que, por desconforto ou para evitar conflito, nada diz. Mais tarde, o vizinho questiona a autenticidade da fé daquele homem. Se a fé dele é tão importante, por que o seu silêncio deu a entender que blasfemar não tem tanta importância?

Este exemplo revela uma verdade dolorosa: nosso silêncio fala, e muitas vezes ele prega uma mensagem de indiferença. Questionados sobre isso, muitos cristãos diriam que “falar de religião é coisa do pastor”. Mas a Bíblia ensina que a confissão é responsabilidade de todos os que creem.

As palavras gregas para professar e confessar carregam a ideia de dizer algo publicamente, de expressar abertamente o que se pensa. Vemos isso claramente em João 1:20, quando João Batista “confessou e não negou, mas confessou: Eu não sou o Cristo”. Em Romanos, o apóstolo Paulo conecta a confissão oral diretamente à salvação:

Romanos 10.9-10
Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confaz confissão para salvação.

A confissão, portanto, é o “fruto dos lábios”. Ela é a resposta audível à fé que habita no coração. De nada adianta gloriar-se em uma Confissão de Fé escrita se não confessamos o Nome do Senhor na prática. Como disse Jesus, “a qualquer, pois, que me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante de meu Pai que está nos céus” (Mateus 10:32). O inverso também é verdade.

O grande reformador Martinho Lutero disse que o Evangelho não é algo que meramente “está nos livros”, mas é “uma pregação oral e uma palavra viva”. O mesmo se aplica à nossa confissão. Uma igreja que guarda sua fé para dentro de suas paredes, que não se envergonha do Evangelho, torna-se irrelevante. Como os apóstolos declararam diante da proibição de pregar: “não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (Atos 4:20). Esta deve ser a nossa convicção.

Aplicação

  • Avalie seu silêncio: Pense na sua última semana. Houve alguma oportunidade em que você poderia ter falado de Cristo, compartilhado uma esperança ou defendido a verdade, mas permaneceu calado? Qual foi o motivo: medo, vergonha, desconforto?
  • Comece pequeno, mas comece: Você não precisa pregar um sermão. Comece agradecendo a Deus pela refeição em um local público, mencionando como a fé o ajuda a lidar com um desafio no trabalho ou simplesmente convidando um colega para um evento na sua igreja. O importante é quebrar a barreira do silêncio.
  • Ore por ousadia: A igreja primitiva não era composta de super-heróis, mas de pessoas comuns cheias do Espírito Santo. Peça a Deus que lhe dê a mesma ousadia que deu a eles (Atos 4:31) para falar a Palavra com intrepidez e amor.
  • Lembre-se do seu chamado: O Catecismo de Heidelberg pergunta: “Por que te chamas cristão?”. A resposta inclui: “...para que confesse o seu nome”. Ser cristão é ser um confessor do nome de Cristo. É parte da nossa identidade.

2. A confissão de pecados é o caminho para a vida espiritual

Quando falamos em “confissão” no meio evangélico, quase sempre pensamos em confessar a nossa fé em Cristo. Raramente associamos essa palavra à confissão de nossos próprios pecados. No entanto, ao percorrermos as Escrituras, descobrimos que a confissão de pecados é um tema central e inseparável da vida com Deus.

A Bíblia é clara: o pecado não confessado é um peso que nos destrói espiritualmente. No Antigo Testamento, a confissão era um passo essencial para a restauração. Em Levítico, a lei determinava que, ao pecar, a pessoa “confessará aquilo em que pecou” (Levítico 5:5) para poder receber o perdão. 

No Dia da Expiação, o sumo sacerdote confessava “todas as iniquidades dos filhos de Israel” sobre o bode expiatório, simbolizando que pecados confessados são pecados levados para longe (Levítico 16:21).

O rei Davi sentiu na pele a agonia do pecado escondido. No Salmo 32, ele descreve como seu corpo definhava e sua força se esvaía enquanto ele se calava. A libertação só veio com a confissão: “Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. 

Disse: confessarei ao SENHOR as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado”. A mesma verdade ecoa em Provérbios 28:13: “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia.”

Essa não é uma ideia apenas do Antigo Testamento. No Novo Testamento, a pregação de João Batista levava as multidões a serem batizadas “confessando os seus pecados” (Mateus 3:6). 

Quando Paulo pregou em Éfeso, os novos convertidos “vinham, confessando e revelando os seus feitos” (Atos 19:18). A experiência do perdão em Cristo sempre vem acompanhada do reconhecimento da nossa própria miséria. O apóstolo João resume isso de forma poderosa:

1 João 1.8-9
Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.

Atualmente, muitas igrejas se preocupam em organizar grandes campanhas, construir templos magníficos e realizar projetos sociais de grande impacto. Tudo isso pode ser bom, mas se faltarem corações contritos e quebrantados, todo esse ativismo não passará de uma estrutura vazia. A verdadeira vida da igreja brota onde o pecado é confessado e a graça é recebida.

Aplicação

  • Incorpore a confissão em sua rotina: Separe um momento específico em sua oração diária não apenas para pedir, mas para confessar. Ajoelhe-se, se possível, como um gesto de humildade diante de Deus.
  • Seja específico com Deus: Em vez de uma confissão genérica como “perdoa os meus pecados”, tente nomeá-los. “Senhor, confesso meu orgulho nesta situação”, “Confesso minha impaciência com meu filho”, “Confesso a inveja que senti do meu colega”. A especificidade nos torna conscientes e nos ajuda a lutar contra o pecado.
  • Não tema a confissão: Lembre-se que, para o crente, a confissão não é um caminho para a condenação, mas para a libertação. Deus não está esperando para nos punir, mas, como o pai do filho pródigo, está pronto para nos abraçar com perdão e restauração.
  • Reflita sobre a sua vitalidade espiritual: Se você sente que sua vida com Deus está estagnada, seca ou sem poder, pergunte-se honestamente: existe algum pecado que eu não estou confessando? Um coração endurecido não pode receber a chuva da graça de Deus.

3. A fé autêntica confessa pecados específicos e o nome de Cristo

É perfeitamente possível concordar com todas as doutrinas sobre o pecado humano e, ainda assim, nunca confessar um pecado pessoal. É como um médico que estuda a fundo a doença, mas se recusa a admitir que está doente. 

Muitas pessoas gostam de ouvir sermões duros sobre a maldade do mundo, como se assistissem a um filme de terror que as assusta momentaneamente, mas não as afeta pessoalmente. Quando, porém, o sermão aponta para seus próprios pecados, elas se ofendem.

Um pastor compartilhou a experiência de um homem que insistia para que ele pregasse mais sobre o “fogo do juízo”, pois “a humanidade era muito má”. Quando o pastor lhe perguntou sobre quais pecados ele mesmo confessava a Deus, o homem desviou o assunto, dizendo ser “tão pecador que nem saberia por onde começar”. Ele conhecia a doutrina, mas não conhecia o quebrantamento pessoal.

A Bíblia nos dá um exemplo poderoso de confissão específica na história de Acã, em Josué 7. Após a derrota de Israel em Ai, Deus revelou que havia pecado no acampamento. Quando Acã foi identificado, Josué lhe disse: “declara-me agora o que fizeste; não mo ocultes”. A resposta de Acã é um modelo de confissão concreta:

Josué 7.20-21
Verdadeiramente, pequei contra o SENHOR, Deus de Israel, e fiz assim e assim. Quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma barra de ouro do peso de cinquenta siclos, cobiçai-os e tomei-os...

Ele não disse apenas “eu pequei”. Ele disse “fiz assim e assim”. Ele nomeou seu pecado: cobiça. Ele descreveu os objetos de sua cobiça. Essa é a confissão que leva à transformação. Quando confessamos pecados específicos, eles perdem o poder que têm sobre nós nas sombras do nosso coração. É nesse solo de humildade que a graça de Deus opera a verdadeira limpeza e nos dá força para vencer.

E essa confissão de nossa fraqueza está diretamente ligada à confissão da grandeza de Cristo. Pois, ao confessar “eu sou pecador”, abrimos espaço para declarar “mas Cristo é o meu Salvador”. Ao confessar nossa incapacidade, proclamamos a suficiência dEle. O núcleo da nossa confissão diante do mundo é exatamente este: “Jesus Cristo é o Senhor” (Filipenses 2:11). Uma fé que nunca fala, como a dos líderes que creram em Jesus mas não o confessaram “por causa dos fariseus” (João 12:42), é uma fé que morre lentamente.

Aplicação

  • Pratique a “confissão de Acã”: Identifique um pecado ou hábito errado que tem se repetido em sua vida. Em vez de se sentir apenas culpado de forma genérica, confesse-o a Deus com nome e sobrenome: “Senhor, fiz assim e assim”. Seja honesto e detalhado com Aquele que já conhece seu coração.
  • Conecte as duas confissões: Crie o hábito espiritual de, imediatamente após confessar um pecado, confessar uma verdade sobre Cristo. Por exemplo: “Senhor, confesso minha ansiedade e falta de fé (pecado), mas confesso que Tu és o meu Pastor e nada me faltará (Nome de Cristo)”. Isso transforma a confissão de um ato de culpa em um ato de adoração e fé.
  • Identifique seu “campo de batalha”: Qual é o ambiente (trabalho, família, círculo de amigos) onde você mais se sente tentado a silenciar sua fé? Ore especificamente por esse contexto e peça a Deus uma oportunidade, por menor que seja, para confessar o nome de Jesus com suas palavras ou atitudes.
  • Escolha a glória de Deus: Os líderes em João 12 amaram mais “a glória dos homens do que a glória de Deus”. Todos os dias nos deparamos com essa escolha. Decida hoje que a aprovação de Deus é mais importante do que a opinião das pessoas.

Conclusão

Uma Confissão de Fe guardada em um livro pode se tornar um “capital morto”, um tesouro enterrado que não rende frutos. A fé que Deus deseja de nós não é um conjunto de doutrinas para serem memorizadas, mas uma verdade viva para ser proclamada. Esta proclamação, como vimos, tem duas direções essenciais.

Para dentro, em direção a Deus, ela se manifesta na confissão humilde e específica de nossos pecados. É nesse lugar de quebrantamento que encontramos o perdão abundante e a força para a transformação. Para fora, em direção ao mundo, ela se manifesta na confissão corajosa do nome de Jesus como Senhor e Salvador.

Uma igreja viva é uma igreja que confessa. Seus membros não se envergonham do Evangelho nem ocultam suas fraquezas. Pelo contrário, falam abertamente de sua dependência da graça de Deus e da esperança que encontraram em Cristo. Que possamos rejeitar o conforto do silêncio e abraçar o chamado para sermos testemunhas que falam. Que nossas vidas sejam a prova de que nossa fé não está apenas no papel, mas no coração e, consequentemente, em nossos lábios.


Lista de estudos da série

1. O Evangelho: A Vitória de Deus que Redefine a Vida – Estudo Bíblico

Semeando Vida

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