A Unidade: O Sonho de Cristo para Sua Igreja Dividida – Estudo Bíblico sobre os temas do NT

Unidade. Poucas palavras soam tão belas e desejáveis. Quando lemos sobre a igreja primitiva em Jerusalém, nossos corações se comovem: "E era um o coração e a alma da multidão dos que criam" (Atos 4.32). Essa imagem de harmonia perfeita, de comunhão profunda, representa um ideal pelo qual todos nós, como cristãos, anelamos.

No entanto, quando olhamos para o mundo ao nosso redor — e, sejamos honestos, para dentro de nossas próprias igrejas — o que vemos é o oposto: divisão, discórdia, guerras e rumores de guerras. 

Como observou o teólogo Olevianus há 400 anos: "O mundo se desconjunta em todas as suas articulações". Hoje, com a tecnologia que nos traz o caos global para dentro de nossas casas em tempo real, essa sensação de fragmentação é ainda mais intensa.

A divisão no mundo não nos surpreende; o pecado sempre gera separação. O que nos deveria fazer tremer, no entanto, é a chocante falta de unidade entre aqueles que professam o nome de Cristo. Estamos tão acostumados com nossas denominações, nossas placas de igreja e nossas facções que, muitas vezes, nem percebemos a gravidade dessa situação. Tornou-se normal.

A partir de agora, vamos mergulhar nas Escrituras para confrontar essa normalidade doentia. A pergunta que nos guiará é: O que a Bíblia realmente ensina sobre a unidade, e como podemos buscá-la de forma autêntica, sem sacrificar a verdade, mas superando nossas divisões pecaminosas?

1. A unidade é um mandamento de Cristo, não uma opção estratégica

Antes de qualquer outra coisa, precisamos estabelecer um fato fundamental: a unidade não é um projeto humano, uma estratégia para o crescimento da igreja ou um ideal romântico. É um mandamento direto e apaixonado do nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo.

Na noite antes de Sua crucificação, em Sua oração sacerdotal, Jesus não pediu por poder, prosperidade ou sucesso para Seus seguidores. Ele orou intensamente pela unidade deles.

João 17.20-21
E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.

Jesus conecta a unidade dos crentes diretamente à credibilidade da nossa missão. Nossa unidade é a prova visível para um mundo cético de que o Pai realmente enviou o Filho. Quando estamos divididos, brigando por questões secundárias, minamos nosso próprio testemunho e tornamos o Evangelho menos crível.

O apóstolo Paulo ecoa esse chamado com urgência em suas cartas. Aos Efésios, ele roga que andem "solícitos em guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz" (Efésios 4.3). Ele os lembra de que, apesar de toda a diversidade de dons e origens, há "um só corpo e um só Espírito... um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos" (Efésios 4.4-6). À igreja dividida de Corinto, ele pergunta, chocado: "Está Cristo dividido?" (1 Coríntios 1.13).

A Bíblia não deixa espaço para dúvidas. A divisão dentro do corpo de Cristo é uma anomalia, uma ferida que contradiz a própria natureza de Deus e o propósito de nossa salvação. Não podemos nos acostumar com ela.

Aplicação

Como podemos levar a sério o mandamento da unidade em nossa vida?

  • Ore pela unidade. Se Jesus orou por isso, nós também devemos. Comece a orar regularmente, não apenas pela sua igreja local, mas pela unidade dos verdadeiros crentes em sua cidade e nação. Peça a Deus para quebrar as barreiras de orgulho e tradição que nos separam.
  • Arrependa-se do seu partidarismo. Examine seu coração. Você se alegra secretamente com as falhas de outras igrejas ou denominações? Você nutre um espírito de superioridade? Confesse isso como pecado e peça a Deus um amor mais amplo por todo o Seu povo.
  • Mude sua linguagem. Pare de falar de outros cristãos genuínos como "eles" e comece a pensar e falar em termos de "nós". A mudança de linguagem reflete e reforça uma mudança de coração.

2. A unidade se baseia na fé em Cristo, não na uniformidade de opiniões

Um dos maiores mal-entendidos sobre a unidade é confundi-la com uniformidade. Muitas divisões na história da Igreja aconteceram porque um grupo tentou impor suas opiniões, costumes e interpretações teológicas sobre todos os outros, acreditando que a unidade só poderia existir se todos pensassem e agissem exatamente da mesma maneira.

Isso é um erro trágico. A unidade bíblica não é a eliminação da diversidade, mas a transcendência dela. 

Na igreja primitiva, havia uma enorme diversidade: judeus e gentios, ricos e pobres, escravos e livres, pessoas de diferentes culturas e passados. No entanto, Paulo declara: "todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3.27-28).

O que os unia não era concordância em todos os pontos, mas a fé compartilhada em um único Senhor. 

A unidade da Igreja não consiste em concordar em questões teológicas secundárias, nem em ter os mesmos costumes e hábitos. A verdadeira unidade se fundamenta na fé, no amor e na esperança compartilhados em Jesus Cristo.

O exemplo prático mais claro disso está em Romanos 14. Na igreja de Roma, havia "fortes" e "fracos" na fé, com opiniões divergentes sobre comida e dias sagrados. A solução de Paulo não foi declarar um lado vencedor e exigir que o outro se conformasse. 

Em vez disso, ele ordenou que se aceitassem mutuamente, reconhecendo que ambos, fortes e fracos, serviam ao mesmo Senhor e eram aceitos por Deus. A unidade deles não estava em suas práticas, mas em seu Senhor.

Aplicação

Como podemos praticar a unidade em meio à diversidade legítima?

  • Distinga o essencial do não essencial. Aprenda a diferenciar as doutrinas centrais da fé (a divindade de Cristo, a salvação pela graça mediante a fé, a Trindade) das questões secundárias (estilos de adoração, escatologia, modos de batismo). Lute pela unidade no essencial, e pratique a liberdade e a caridade no não essencial.
  • Pare de julgar e desprezar. O forte em Roma tendia a desprezar o fraco como legalista. O fraco tendia a julgar o forte como mundano. Paulo proíbe ambas as atitudes. Quem é você para julgar o servo de outro? (Romanos 14.4).
  • Celebre a diversidade como uma força. Um corpo com membros idênticos seria um monstro. A beleza do Corpo de Cristo está na diversidade de dons, personalidades e culturas, todos trabalhando juntos sob a mesma Cabeça, que é Cristo.

3. A unidade exige luta contra o pecado, especialmente o orgulho

Se a unidade é um dom de Deus, por que ela é tão rara? Porque, como todos os dons de Deus, ela deve ser cultivada e protegida. A unidade não acontece por acaso. Ela requer esforço, sacrifício e, acima de tudo, uma luta constante contra as tendências pecaminosas de nosso próprio coração.

A correnteza natural de nosso coração pecador flui para a divisão. É mais fácil criticar do que entender, julgar do que perdoar, defender nosso ponto de vista do que buscar o bem do outro. Assim como uma canoa em um rio caudaloso, se não remarmos ativamente contra a corrente, seremos inevitavelmente levados para o mar da discórdia.

O principal combustível da divisão é o orgulho. É a sutil convicção de que "nós temos a razão", de que nossa teologia é a mais pura, nossas práticas as mais bíblicas, nossa igreja a mais fiel. Esse orgulho nos cega para nossos próprios pecados e nos torna hipercríticos em relação aos outros.

É por isso que a sabedoria que vem "do alto", segundo Tiago, é "primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos". Em contraste, a sabedoria terrena, baseada em "inveja e espírito faccioso", leva à "perturbação e a toda a obra perversa" (Tiago 3.16-17).

Aplicação

Como podemos lutar ativamente pela unidade em nosso dia a dia?

  • Pratique a humildade radical. Lembre-se de que tudo o que você é e tem é pela graça de Deus. Isso o ajudará a olhar para os outros cristãos não com superioridade, mas como co-recipientes da mesma graça imerecida.
  • Esteja disposto a "sofrer o agravo". Como Paulo aconselhou aos coríntios, às vezes a unidade exige que estejamos dispostos a ser injustiçados em vez de lutar por nossos "direitos" (1 Coríntios 6.7). Nem toda batalha precisa ser travada.
  • Comece a luta em casa. A batalha pela unidade começa na luta contra nosso próprio pecado: nossa língua afiada, nosso espírito crítico, nossa impaciência. Se não houver paz em nosso próprio coração e em nossos relacionamentos mais próximos, não poderemos ser agentes de paz na igreja em geral.

4. A unidade exige uma separação clara do mundo, não uns dos outros

A Bíblia nos chama para a unidade, mas também nos chama para a luta e a divisão. Como conciliar isso? O segredo está em entender contra quem devemos lutar e de quem devemos nos separar.

Jesus disse: "Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada" (Mateus 10.34). Ele estava falando da divisão inevitável que o Evangelho causa entre o Reino de Deus e o reino das trevas, entre a fé e a incredulidade. Paulo é ainda mais explícito:

2 Coríntios 6.14
Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?

A linha de batalha bíblica não é entre denominações, mas entre a Igreja e o mundo, entre Cristo e Belial. Nossa luta não é contra outros irmãos em Cristo que têm uma opinião diferente sobre o batismo, mas contra "os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século" (Efésios 6.12).

Tragicamente, muitas vezes invertemos isso. Somos tolerantes com o pecado e a incredulidade, mas implacáveis com irmãos que discordam de nós em pontos secundários. Gastamos nossas energias lutando uns contra os outros, enquanto o verdadeiro inimigo ri de nossa tolice.

Aplicação

Como podemos direcionar nossa energia de luta para o lugar certo?

  • Identifique o verdadeiro inimigo. Lembre-se de que seu irmão em Cristo não é o inimigo. O inimigo é Satanás, o sistema do mundo e a carne que habita em nós. Una-se a outros crentes para lutar contra esses inimigos comuns.
  • Seja rápido para defender e lento para atacar. Quando um irmão em Cristo de outra denominação for atacado pelo mundo por sua fé, seja o primeiro a defendê-lo. Seja muito lento para atacar publicamente esse mesmo irmão por uma diferença doutrinária.
  • Trabalhem juntos na missão. A melhor maneira de superar as divisões internas é focar na missão externa. Quando igrejas diferentes se unem para evangelizar, servir aos pobres ou lutar pela justiça, as diferenças secundárias perdem sua importância.

Conclusão

A unidade da Igreja não é uma utopia, uma quimera inatingível que devemos apenas esperar no céu. É um mandamento para hoje, uma tarefa para agora. É um dom de Deus que devemos buscar e guardar com todo o nosso coração.

Ela não exige que todos pensemos da mesma forma, mas que todos tenhamos a mesma mente de Cristo, que é humilde e servil. Ela nos chama a lutar, não uns contra os outros, mas juntos contra o verdadeiro inimigo. E nos lembra que nosso testemunho para um mundo fragmentado depende de nossa capacidade de viver como um só corpo, um só rebanho, sob um só Pastor.

Que o Senhor nos perdoe por nossa indiferença e nosso partidarismo. Que Ele desperte em nós uma santa insatisfação com o status quo de nossas divisões. E que Ele nos dê a coragem, a humildade e o amor necessários para sermos a resposta à oração de Jesus, "para que o mundo creia".


Lista de estudos da série

1. O Evangelho: A Vitória de Deus que Redefine a Vida – Estudo Bíblico

Semeando Vida

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