No último estudo, estabelecemos que ser justificado pela fé significa receber o perdão dos pecados. Mas a riqueza desta doutrina vai além. Ser justificado pela fé também significa que somos considerados e, de fato, feitos justos aos olhos de Deus.
Este é um passo crucial que transforma nossa identidade e nossa maneira de viver. A seguir, vamos explorar o que as Escrituras ensinam sobre essa realidade transformadora.
O apóstolo Paulo conclui sua profunda exposição sobre o tema com uma clareza inconfundível: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei" (Romanos 3:28).
Essa verdade é universal, aplicando-se tanto a judeus quanto a gentios, pois há um só Deus que "justificará pela fé os da circuncisão, e por meio da fe os da incircuncisão" (Romanos 3:30).
A justificação está inseparavelmente ligada à fé. É um erro tentar dividi-la em etapas onde a fé só aparece no final. A justificação acontece *quando* cremos, e essa união entre o ato de Deus e a nossa fé é o coração pulsante do evangelho.
1. Somos declarados justos em Cristo
O primeiro e mais fundamental aspecto de ser "feito justo" é posicional. Quando somos justificados, Deus não apenas perdoa nossos pecados; Ele nos credita a justiça perfeita de Cristo. A justiça de Cristo se torna a nossa justiça. A santidade de Cristo se torna a nossa santidade.
A beleza desta verdade é capturada de forma magistral no Catecismo de Heidelberg:
Catecismo de Heidelberg, Domingo 23
"...como se eu mesmo tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim, contanto que eu abrace estes benefícios com um coração crente."
Diante de Deus, somos vistos "em Cristo". Quando o Pai olha para nós, Ele não vê nosso histórico de falhas, mas a obediência impecável de Seu Filho. Essa é uma verdade legal e posicional que nunca muda, independentemente de nossos sentimentos ou desempenho. Em Cristo, somos perfeitamente justos diante de Deus, para sempre.
Isso pode parecer bom demais para ser verdade, mas é a essência do evangelho. Nossa posição diante de Deus não é baseada em quem somos ou no que fazemos, mas inteiramente em quem Cristo é e no que Ele fez por nós.
Aplicação
Abraçar essa verdade posicional é a chave para a liberdade e a segurança na vida cristã.
- Vista-se com a justiça de Cristo todos os dias. Pela manhã, antes de enfrentar o dia, lembre-se conscientemente: "Hoje, não enfrento o mundo com base na minha própria força ou bondade, mas vestido com a justiça perfeita de Cristo. Deus me vê através Dele." Isso muda tudo.
- Rejeite a falsa culpa e a condenação. Quando você peca, a tendência é se sentir indigno e distante de Deus. É crucial, nesse momento, distinguir entre a convicção do Espírito (que leva ao arrependimento) e a condenação do inimigo (que leva ao desespero). Sua posição de "justo" em Cristo não foi alterada pelo seu pecado. Confesse, receba o perdão e continue caminhando em sua identidade.
- Ore com a ousadia de um justo. A oração de um justo é poderosa e eficaz (Tiago 5:16). Isso não se refere a alguém moralmente perfeito, mas a alguém que foi declarado justo em Cristo. Você pode se aproximar do trono da graça com confiança, não por causa de quem você é, mas por causa de quem Cristo é por você.
2. Somos chamados a viver como os justos que agora somos
A justificação pela fé não é apenas uma declaração legal; ela também inicia uma transformação real. A Bíblia fala repetidamente sobre "os justos" como uma categoria de pessoas que vivem no presente. Isso costuma nos confundir. Se ninguém é sem pecado, como pode haver "justos"?
Quando eu era mais jovem, se me perguntassem se existiam pessoas justas, eu teria dito que não. Mas as Escrituras pensam diferente:
- "Porque o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá." (Salmo 1:6).
- "Alegrai-vos no Senhor, e regozijai-vos, vós, os justos; e cantai de júbilo, todos vós que sois retos de coração." (Salmo 32:11).
- "Dizei aos justos que bem lhes irá; porque comerão do fruto das suas obras." (Isaías 3:10).
Quem são esses "justos"? Eles não são pessoas sem pecado. Eles ainda têm falhas, confessam seus pecados e lutam contra suas fraquezas. No entanto, eles são fundamentalmente diferentes dos ímpios. Os justos são aqueles que, pela graça de Deus, foram colocados em um relacionamento correto com Ele.
O Salmo 1 nos dá um retrato do justo: é alguém cuja delícia está na lei do Senhor, que não anda no conselho dos ímpios e que medita na Palavra de Deus. No Novo Testamento, vemos exemplos como José, o marido de Maria, que era "justo" (Mateus 1:19), e Zacarias e Isabel, que eram "ambos justos diante de Deus" (Lucas 1:6).
Ser justo, nesse sentido, é viver em uma orientação geral de fé e obediência a Deus. É confiar na Sua graça, amá-lo, reverenciá-lo e buscar andar em Seus caminhos. Eles são justos não por mérito próprio, mas porque a justiça salvadora de Deus os colocou nesse relacionamento abençoado.
Aplicação
Sua identidade em Cristo como "justo" deve moldar a maneira como você vive. Você não busca viver de forma justa para *se tornar* justo, mas porque você *já é* justo em Cristo.
- Alinhe sua prática com sua posição. Pergunte-se: "Como uma pessoa que foi declarada justa por Deus viveria nesta situação?". Isso se aplica à forma como você trabalha, como trata sua família, como gerencia seus recursos e como responde à tentação.
- Lute contra o pecado a partir de uma posição de vitória. Você não luta contra o pecado como um escravo tentando se libertar. Você luta como um filho livre que já foi declarado justo e agora está aprendendo a viver de acordo com sua nova natureza. Essa é uma batalha de santificação, não de justificação.
- Encontre deleite na Palavra. A marca do justo no Salmo 1 é o prazer na lei de Deus. Peça ao Espírito Santo para transformar seu coração para que a leitura da Bíblia e a obediência não sejam um fardo, mas sua maior alegria e fonte de força.
3. Nossa fé agrada a Deus e é contada como justiça
Para aprofundar nossa compreensão, vamos ao exemplo de Abraão, o pai da fé. Paulo o usa como o caso de estudo principal para a justificação.
Romanos 4:3
Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça.
O que significa "contado" ou "imputado como justiça"? Significa que a atitude de fé de Abraão foi algo que Deus aprovou e aceitou. Não que a fé em si fosse um ato meritório que o tornou justo, mas que, ao confiar incondicionalmente na promessa de Deus, Abraão entrou no tipo de relacionamento que Deus considera "justo".
Deus estabeleceu Sua aliança com Abraão por pura graça. Quando Abraão respondeu com fé — confiando que Deus poderia dar vida aos mortos e chamar à existência coisas que não existem — Deus o reconheceu e o tratou como "justo". Era "justo" da parte de Abraão crer, e Deus o considerou como tal.
Essa mesma dinâmica se aplica a nós. Quando, pelo poder do evangelho e a obra do Espírito, cremos nas promessas de Deus cumpridas em Jesus, Deus se agrada dessa fé. Ele a conta como justiça. Os "justos" do Novo Testamento são todos aqueles que creem em Jesus Cristo e, por isso, são restaurados a um relacionamento correto com Deus. Embora ainda lutem com fraquezas, sua vida é fundamentalmente dominada pela fé.
Aplicação
A fé é o princípio central que governa nosso relacionamento com Deus. Cultivá-la é nossa tarefa mais importante.
- Confie nas promessas, mesmo quando as circunstâncias dizem o contrário. A fé de Abraão brilhou quando ele considerou seu próprio corpo e o de Sara, ambos "amortecidos". Ele não negou a realidade, mas escolheu crer na promessa de Deus acima da realidade visível. Faça o mesmo com as promessas de Deus para você.
- Entenda que a fé honra a Deus. Quando você confia em Deus, você está essencialmente dizendo: "Eu acredito que Tu és quem dizes ser e que farás o que prometeste". Isso glorifica o caráter de Deus — Sua fidelidade, poder e bondade. A incredulidade, por outro lado, O desonra.
- Peça por mais fé. A fé é um dom, mas também é um músculo que se fortalece com o uso. Como os discípulos, ore: "Senhor, aumenta a nossa fé!" (Lucas 17:5). Mergulhe na Palavra de Deus, pois "a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Romanos 10:17).
Conclusão
A justificação pela fé é uma doutrina de duas faces gloriosas. Por um lado, somos declarados justos de uma vez por todas, vestidos com a justiça perfeita de Cristo, uma posição legal que nunca pode ser abalada. Por outro lado, pela mesma fé, somos feitos justos, entrando em um novo relacionamento com Deus onde, apesar de nossas imperfeições, somos considerados e tratados como Seus filhos justos.
Essa dupla realidade nos liberta tanto do legalismo quanto da apatia. Porque fomos declarados justos, não precisamos mais lutar para ganhar o favor de Deus. E porque somos feitos justos, somos capacitados e motivados a viver de uma maneira que honre nosso novo status e o Deus que nos agraciou com ele. Que possamos viver cada dia na alegria e na segurança de sermos os justos de Deus, pela fé em Jesus Cristo.