Desvendando a Autoria do Apocalipse


Por Ray Summers

Já anotamos atrás a importância da formação histórica na interpretação do livro do Apocalipse. É dever desta obra agora mostrar a natureza dessa formação.

O tratamento padrão dum tal estudo relaciona-se com as questões da autoria, da data, do lugar em que o livro foi escrito, dos que o receberam e suas condições, e das condições gerais do mundo no qual surgiu o livro. 

Este método, com algumas poucas variações possíveis, será adotado nesta parte de nosso estudo.

Esta parte pode ser muito breve, como também pode ser volumosa, para acudir a necessidade da obra que se está realizando.

A discussão necessariamente será mais prolongada neste presente estudo, porque a interpretação exata do livro depende muito deste ponto.

O ponto de partida lógico no estudo da formação de qualquer literatura parece ser o problema de sua autoria. Isto é mais que certo, em se tratando do Apocalipse, por causa da posição tradicional referente a esta matéria. 

Alguns estudiosos têm aventado a possibilidade de outra pessoa, que não João, ser o autor do Apocalipse. À medida que avançarmos neste estudo, examinaremos os argumentos que apresentam, conquanto tratemos, de início, da posição tradicional.

Talvez nenhuma violência faça à mensagem o fato de não podermos identificar de modo definitivo o autor do livro.

O lugar do Apocalipse no cânon do Novo Testamento parece estar firmemente assegurado, e também a sua mensagem de vitória, seja o seu autor João, o filho de Zebedeu, João, o vidente, ou qualquer outro João.

Neste caso, estaríamos diante duma situação semelhante à questão da autoria da Carta aos Hebreus. 

Os peritos se dividem sobre quem a escreveu, e isto após muitos anos de estudo. Não obstante, sua mensagem que aponta Cristo como a revelação final de Deus é ainda a única nos pináculos da verdade redentora. 

Há esta diferença entre os dois casos: a Carta aos Hebreus não afirma quem é o seu autor, ao passo que o Apocalipse diz ter sido escrito por alguém chamado João. (Veja Apocalipse 1:1, 4, 9; 22:8.) Isto deve ser verdade, ou então o livro é uma trapaça, uma contrafação.



A questão de autor pseudônimo

É sabido que a maior parte da literatura apocalíptica era de autores que usaram pseudônimos. Por que assim foi, já estudamos anteriormente neste livro, dando as razões daquele procedimento.

Por causa desse fato, muitos sustentam que o livro do Apocalipse, bem como toda essa literatura afim são de autor que usa pseudônimo. 

Será de proveito rever a posição de Charles neste ponto.

Este é reconhecido como abalizada autoridade em literatura apocalíptica, e ele esposa a idéia de que o Apocalipse não se escondeu atrás dum pseudônimo. (Charles, The International Critical Commentary — The Revelation of St. John, Vol. I, p. VIII em diante) 

No período pós-exílico tornou-se dogma entre os judeus a idéia de que a Lei era válida, adequada, inspirada e infalível.

Firmado este conceito, já não havia lugar para um profeta ou um mestre religioso, a não ser que se revelasse mero expositor da Lei.

Então também a formação do cânon do Velho Testamento, com suas três seções — Lei, Profetas e Hagiógrafos — incentivou o aparecimento de escritores pseudonímicos. 

Depois dessa época nenhuma obra de natureza profética conseguiria ouvintes se não trouxesse como autor o nome de alguma personagem antiga digna de se lhe dar atenção. 

Portanto, quando alguém julgava ter uma mensagem para o povo, dava-lhe uma forma que pudesse alcançar esse povo.

Quando se escreveu o Apocalipse, já essa condição não existia. O advento e o progresso do cristianismo haviam colocado o cânon do Velho Testamento em lugar subalterno ou secundário. O maior peso referente à autoria tinha que relacionar-se com Jesus e com o que ele dissera.

O espírito de profecia voltara aos crentes com nova forma; avivara-se a crença na inspiração, e por várias gerações não se adotou nenhum cânon exclusivista de escritos cristãos.

Assim, não há razão nenhuma, relacionada com aquele antigo costume, para se supor que o Apocalipse seja de autor que se tenha escondido atrás dum pseudônimo.

Uma segunda evidência de que o Apocalipse não é de autoria pseudonímica podemos ver no fato de o escritor alegar que as visões aí apresentadas são propriamente suas e eram destinadas à sua geração.

Nos escritos apocalípticos era costume o escritor afirmar que as visões pertenciam a algum grande personagem do passado e se destinavam às gerações futuras. 

O escritor do Apocalipse afirma ser um servo de Jesus Cristo (1:1), irmão dos cristãos da Ásia Menor e companheiro na aflição (1:9), um exilado na ilha de Patmos por causa da pregação da Palavra (1:9), e que em pessoa viu e ouviu as coisas registradas no Apocalipse (22:8).

Assim, é claro que o Apocalipse que possuímos foi escrito por um profeta (Ap. 22:9) que viveu na Ásia Menor e que é chamado João. Isto nos assegura que é produção de um João, assim como o segundo capítulo da Segunda Carta aos Tessalonicenses e o capítulo quinze da Primeira Carta aos Coríntios são apocalipses de São Paulo. Não resta, pois, um vislumbre de prova, nem sombra de possibilidade, para a hipótese de ser o Apocalipse de autoria pseudonímica. (Charles, ibid., p. XXXIX)

Portanto, parece que vamos bem em sustentar que o livro não é uma contrafação, mas que foi escrito por alguém que se chamava João.

Qual seria esse João, veremos mais tarde. Antes de entrarmos na discussão disso, parece medida de prudência rever o que sabemos acerca do escritor, seja ele quem for. 

Tal conhecimento nos vem do estudo do texto do livro e assim o resumimos: Esse João, a quem devemos o Apocalipse do Novo Testamento, era um judeu cristão que com toda a probabilidade passou a maior parte de sua vida na Galileia

A afirmativa de que o escritor viveu na Galiléia é defendida pelas autoridades não só porque se admite que a maior parte dos apocalípticos foi escrita na Galiléia, mas também porque parece que o escritor conhecia esses escritos) antes de ir para a Ásia Menor e morar em Éfeso, o centro da civilização grega naquela província.



O uso da sintaxe grega

Chegamos a concluir isto após o estudo do emprego que ele faz da língua grega. Ele usa a sintaxe grega dum modo incomparavelmente livre, e, até certo ponto, cria como que uma gramática grega a seu modo.

A língua que adotara não lhe fornece um veículo normal e rígido para expressar-se. Nisso ele se caracteriza por sua fluência, que se presta livremente a uma remodelação do emprego da sintaxe e ao uso de expressões jamais ouvidas.

O estilo do escritor é absolutamente único, sui generis. Ele põe de lado as regras usuais da sintaxe e desafia as leis firmadas pelos gramáticos.

E isso não parece ser coisa intencional. Seu único propósito é apresentar sua mensagem com todas as forças de que dispõe. Ele consegue isso, e, assim fazendo, torna-se culpado de numerosos atentados à sintaxe grega. 

Parece que o motivo disso está em que, escrevendo em grego, pensava em termos hebraicos. Inúmeras vezes ele transladou literalmente para o grego expressões idiomáticas da língua hebraica.

Conhecia profundamente o Velho Testamento e, consciente ou inconscientemente, empregou a sua fraseologia. Isto explica a esdrúxula sintaxe em que o Apocalipse foi escrito.

A autoridade do autor entre as igrejas

Sabemos outra coisa acerca do escritor do livro. Ele gozava de indiscutível autoridade sobre as igrejas da Ásia Menor, tanto que a sete delas dirigiu o seu Apocalipse. A mensagem não se limita a essas sete igrejas, mas estas representam todas as mais.

No livro ele incita os crentes a que se oponham, mesmo até a morte, às exigências que o império lhes fazia para cultuar o Estado, e também os exorta a promover fielmente a vitoriosa Causa de Deus. Tal exortação é dirigida a indivíduos e às igrejas. 

João lança a única base verdadeira para a moral e para o governo — Cristo, o Rei Supremo. Ele reclama para Deus este mundo e também o vindouro. Assim fazendo, revela indisputável amor pelas igrejas. Ao mesmo tempo "reprova, censura e exorta" como pessoa cuja autoridade ninguém nega.

Profunda visão espiritual

O escritor era ainda um homem de profunda visão espiritual. Ele, em certas passagens, penetra tão fundo os mistérios dos pianos de Deus como talvez nenhum outro escritor do Novo Testamento.

Tem os olhos postos acima das planuras em que rugem furiosas batalhas e fixos em um trono. Nesse trono assenta-se uma Pessoa que se caracteriza por sua soberania, santidade, retidão e graça. 

Tem na mão um livro selado que descreve o destino dos homens. Só uma Pessoa é digna de abrir esse livro. É o Cordeiro, que adquiriu esse direito por sua morte, mas que vive eternamente.

Quando o Cordeiro abre todos os selos e são vistos os registros do trato de Deus com os homens, a vitória é visível. Deus está firme no seu trono. Este não se abala diante dos combinados esforços do dragão e das duas bestas.

Não só Deus permanece no seu trono, mas também o seu povo está com ele, tendo-se-lhe providenciado uma Cidade Perfeita e tudo quanto é necessário para o sustento da vida eterna (alimento e curativos).

Duvida-se de que qualquer outro escritor do Novo Testamento tenha visto de modo mais real a vitória certa da causa de Deus sobre todos os seus inimigos.

Confronto ao pecado

O escritor do Apocalipse é uma pessoa de afirmações mui positivas. Os judeus hostis de Esmirna e de Filadélfia são "a sinagoga de Satã". (Ap. 2:9 e 3:9) 

Domiciano e o próprio império, com a política que põe em prática, são "a besta". (Ap. 13:1-18.) Roma é "Babilônia" (Ap. 17:5), a mãe das prostituições e abominações da terra. O tom do livro, quando vergasta o perseguidor, o idólatra, o imundo, é quase guerreiro. 

A justa ira do profeta atinge a incandescência. O conceito de Cristo no Apocalipse é de infinita majestade e esplendor, mas o seu caráter predominante é o de poder ilimitado e justa severidade.

Como guerreiro, rege com vara de ferro (Ap. 19:15a), como Cordeiro, é de ira mui terrível; (Ap. 6:16 em diante) e, como Rei, pisa o lagar da ira de Deus. (Ap. 19:15b.)

Só uma vez, ou duas, se percebe no livro a ternura da compaixão do Senhor. Nessas vezes, é claro, está ele confortando o seu povo, em vez de estar olhando com intenso desprezo os seus inimigos.

Todas estas informações dadas acima nos ajudam a ter uma ideia geral do autor do Apocalipse. Dizem respeito às suas ideias e características basilares, sem referência alguma à identidade do autor. A seguir, veremos as evidências pró e contra os possíveis autores do livro.



1 - PROVAS A FAVOR E CONTRA JOÃO, O FILHO DE ZEBEDEU

A posição tradicional em referência ao autor do Apocalipse é a de que foi escrito pelo apóstolo João, filho de Zebedeu. Tem havido muita controvérsia sobre isto no decurso da História Cristã. 

Dionísio, o Grande, de Alexandria, pelo ano 250 de nossa era, opinou que o livro não foi escrito por João. Baseou sua opinião nos estudos que empreendeu sobre o estilo do Quarto Evangelho e o do Apocalipse.

Concluiu que a mesma pessoa não poderia ter escrito esses dois livros. Achou que João escreveu o Evangelho, e concluiu que ele não poderia ter escrito também o Apocalipse. 

Dana se opõe a essa idéia, em livro recente que publicou sobre o assunto.

Ele reconhece que no século segundo "prevalecia larga e praticamente em todo o mundo cristão a crença de que o escritor do Quarto Evangelho era o apóstolo João, filho de Zebedeu". (H. E. Dana, The Ephesian Tradition [Kansas City Seminary Press, 1940], p. 167) 

A esse respeito diz ele:

Não se pode desprezar esta forte evidência tradicional. Dificilmente se explicará a existência dessa crença, a menos que o apóstolo João estivesse dalgum modo ligado ao Quarto Evangelho. A crítica conservadora provavelmente persistiria defendendo sua opinião manifesta de ter sido o livro da autoria do apóstolo, não fosse o fato de a evidência externa da autoria do Apocalipse ser mais antiga e intrinsecamente mais forte do que a autoria do Evangelho. As diferenças entre os dois livros são mui radicais para se admitir a idéia de uma autoria comum. Daí, vemo-nos forçados a atribuir o Apocalipse ao apóstolo João e procurar descobrir quem escreveu o Evangelho. (Ibid., p. 167.)

Assim que Dionísio, no ano 250 de nossa era, e Dana, em 1940, partem da mesma premissa, mas chegam a conclusões opostas. Nesse intervalo as opiniões pró e contra entraram em choques bastante fortes. A melhor posição parece ser a de pesar as evidências e tirar a nossa própria conclusão.

a) Evidências a favor de João, o filho de Zebedeu:

A evidência externa - Um dos mais antigos pais da Igreja, cuja obra chegou até nós, é Justino, o mártir. Foi martirizado no tempo de Aurélio, cerca do ano 166 de nossa era. Sua obra — Diálogo com Trifo, o Judeu — dá-se geralmente como sendo do ano 140 a 160 de nossa era. Encontramos nessa obra as seguintes palavras:

... conosco viveu um certo homem chamado João, um dos apóstolos de Cristo, que profetizou, par uma revelação que lhe foi feita, que os que cressem em o nosso Cristo habitariam mil anos em Jerusalém; e que depois viriam logo então a ressurreição eterna e geral, e o julgamento de todos os homens. (Justino, o mártir, Dialogue with Trypho the Jeio, the Ante-Nicene Church Fathers [New York, The Christian Literature Company 1890], I, p. 240.)

O fato de Justino, o mártir, ter tido a Ásia Menor como sua moradia e principal campo de ação, onde estavam localizadas as igrejas às quais ele se dirige no Apocalipse, valoriza imenso esta afirmativa.

Outro testemunho direto a favor do apóstolo João como autor do Apocalipse nos vem de Irineu, que morreu em Lyons, na França, perto do ano 190 de nossa era.

Irineu é tido como uma das principais testemunhas a favor do apóstolo João. Ele nasceu e se criou na Ásia, na esfera das sete igrejas. Foi discípulo de Policarpo, que foi bispo duma das sete igrejas, a de Esmirna. 

Irineu menciona frequentemente o Apocalipse em muitos dos livros que escreveu. Parece que ele se interessou particularmente pelo número 666 — o número da besta — que ele tomava como sendo o do anticristo. (Irineu, Against Heresies, cap. XXX, e The Ante-Nicene Church Fathers, op. cit., I, p. 558.) 

Várias vezes ele afirma que o Apocalipse foi escrito por João, o discípulo do Senhor, e o identifica com aquele João que na Ultima Ceia reclinou-se sobre o peito de Jesus. Afirma que João escreveu o livro no tempo do Imperador Domiciano. (Ibid., I, p. 560.)

O testemunho de Irineu é mui valioso e forte, visto que ele viveu poucos anos depois de João. Entre o tempo em que o Apocalipse foi escrito e este comentário de Irineu vão apenas 70 ou 80 anos.

Nesse período, fácil seria corrigir o engano de Irineu, caso estivesse ele laborando em erro ao afirmar aquilo. Não há motivo algum para se acreditar que Irineu e Policarpo houvessem agido desonestamente neste particular.

De Irineu para diante, já não encontramos mais ninguém que conhecesse pessoalmente o autor ou que conhecesse alguém que tivesse tido algum conhecimento pessoal do autor. Encontramos alguns que acham ter sido o apóstolo João o autor, conquanto não tivessem nenhum informe de primeira mão. 

Dentre estes, Clemente, de Alexandria (The Ante-Nicene Fathers, II, p. 504.) (A.D. 223), Tertuliano, de Cartago (Ibid., HI, p. 333.) (A.D. 220), Orígenes, de Alexandria (Eusébio Pamphilius, Ecclesiastical History, trad. C. F. Cruse [12ª ed Filadélfia, J. B. Lippincott and Company, 1869] Livro VI, cap. XX, p. 246.) (A.D. 223), e Hipólito, de Roma (The Ante-Nicene Fathers, V, p. 211.) (A.D. 40). 

Eusébio cita Orígenes, com estas palavras:

Que diremos daquele que se reclinou sobre o peito de Jesus, quero dizer, João? Quem é que nos legou um evangelho no qual o autor afirma que poderia escrever tanto que no mundo todo não caberiam os livros que escrevesse? Ele também escreveu o Apocalipse, quando se lhe ordenou que ocultasse e não registrasse as vozes dos sete trovões. (Eusébio Pamphilius, Ecclesiastical History, trad. C. F. Cruse [12ª ed Filadélfia, J. B. Lippincott and Company, 1869] Livro VI, cap. XX, p. 246.)
Eusébio trata da autoria joanina do Apocalipse como um assunto ainda não decidido, mas faz isso à vista de todos os testemunhos acima referidos. Os escritores que vieram depois do seu tempo constantemente citaram o livro como sendo da autoria do apóstolo João. 

Eis alguns deles: Basílio, o Grande, Atanásio, Ambrósio, Cipriano, Agostinho e Jerônimo. Estes estavam muito longe de admitir qualquer dúvida sobre o assunto, como acontecia com o grande historiador da Igreja.

A concordância de testemunhos da parte daqueles que estavam em ótima posição para decidir esta questão e que então mereciam todo o crédito só poderá ser contraditada por provas em contrário, que se baseiem em provas assaz concludentes. 

Tais testemunhas representam um território muito grande da cristandade. Justino, o mártir, trabalhou na Ásia Menor; Irineu, também na Ásia Menor e depois na França; Tertuliano era de Cartago; Clemente e Orígenes, de Alexandria, o centro da cultura e dos conhecimentos da Igreja Oriental.

Representam todos os principais centros da cristandade, exceto Roma; Hipólito, poucos anos depois, representou Roma nesta opinião. 

Pieters (Pieters, op. cit., p. 15.) anota que tais opiniões, no que respeita ao tempo, datam dos anos 140, 170, 200, 220, 233 e 240. Observa-se que o intervalo mais largo é de 30 anos, ao fim da era apostólica.

Tal testemunho, considerado à vista do fato de provir de homens de grande responsabilidade que ocupavam lugares mui importantes na obra cristã, é forte e convincente. Se aceitarmos a possível, mas discutida, opinião de Papias a respeito do livro, o testemunho será tido como do ano 125 de nossa era. 

Praticamente a opinião unânime da tradição do segundo século favorece a autoria joanina.

Houve algumas objeções levantadas no século terceiro, (Trataremos disto noutra parte desta obra) mas, mesmo assim, o testemunho a favor da autoria apostólica é esmagador. Há poucos livros do Novo Testamento que têm a seu favor maiores evidências testemunhais da tradição antiga.

A evidência interna
Conquanto neste particular haja terreno maior para debates do que no campo da evidência externa, há muita coisa que favorece o apóstolo João nesta parte. Talvez o primeiro peso de evidência aqui seja o fato de o escritor se chamar a si mesmo pelo nome de João. Isto se dá quatro vezes (1:1, 4, 9, e 22:8). 

A maneira por que tal nome é apresentado implica que o nome era bem conhecido e que a identidade do escritor seria facilmente reconhecida por aqueles que primeiro recebessem o livro. Isto está de acordo com João.

Ele estivera na Ásia Menor desde a tomada de Jerusalém no ano 70. A.D. Trabalhara naquelas igrejas, especialmente em Éfeso, e devia ser mui conhecido de todos por lá. 

Outra coisa contida na maneira da introdução revela que o escritor estava de tal modo relacionado com as igrejas da Ásia Menor que era ele o adequado intermediário daquela comunicação que se lhes fazia naquele tom de autoridade e de admoestação encontrado no livro de Apocalipse.

É sabido que João passou seus últimos anos nas igrejas da Ásia Menor e que no meio delas gozava de uma posição inteiramente consoante com a atitude que ele toma nesta carta. A terceira menção que faz de seu nome (1:9), vêm-nos à memória aquelas palavras do Senhor dirigidas a Tiago e a João (Marcos 10:38,39):

"Não sabeis o que estais pedindo para vós. Podeis vós beber o cálice que eu bebo, e ser batizados em o batismo em que eu sou batizado?... Bebereis o cálice que eu beber, e sereis batizados em o batismo em que eu estou prestes a ser batizado...". 

Já fazia tempo que Tiago experimentara o que o Senhor havia aí profetizado. Agora João também está bebendo o cálice do sofrimento e sendo imerso na perseguição desencadeada contra o povo de Deus. 

Sua afirmação de companheirismo na aflição caracteriza bem esse João de espírito tão terno, tão fraternal e tão cheio de simpatia. Há também uma forte semelhança entre a alusão que o escritor faz a si em Ap. 22:8 e em João 21:24. 

Comparemos estas passagens: Ap. 22:8 — "E eu, João, vi e ouvi estas coisas" e João 21:24 — "Este é o discípulo que testifica destas coisas."

A semelhança é mui clara. Em cada uma das quatro vezes em que o escritor menciona o seu nome pode-se ver muito bem que a menção feita a si mesmo pelo escritor concorda perfeitamente com a teoria de que se trata aí do apóstolo João e não doutra pessoa.

Que outra maneira de introdução um outro João empregaria é que não sabemos. Qualquer conjetura neste sentido seria argumentar com o silêncio. E um argumento dessa natureza por certo a ninguém satisfaria nem convenceria.

As características do escritor que temos anotado calham perfeitamente no apóstolo João. Como vimos atrás, o escritor aparentemente era um judeu cristão que passara grande parte de sua vida na Galiléia antes de ir para a Ásia Menor. 

Isto se deu com João. Anotamos já também que o escritor pensava em hebraico, mas escrevia em grego. Isto também mui provavelmente aconteceu com João, que era de formação judaica, mas tomava conta de vastas congregações gentílicas.

Outra característica observada foi a profunda visão espiritual do autor. Isto também dá certo com o João dos Evangelhos. Ele sempre apanhava verdades de profundo significado bem antes de outros seus condiscípulos. 

A natureza positiva do escritor do Apocalipse estava presente no apóstolo João. Inúmeras vezes é ele chamado "o meigo João". Ele se tornou meigo e gentil depois de trabalhado sessenta ou mais anos pelo Espírito do Senhor, que lhe dominou a personalidade. 

O temperamento natural de João fora de irascibilidade e belicosidade. Tanto fora que certa vez desejou que baixasse fogo dos céus para consumir uma vila de samaritanos que não quiseram cooperar com ele.

Tanto fora que, doutra feita, intentou barrar os passos de um que expulsava espíritos maus em nome do Senhor só porque tal curador não andava em sua companhia. Essa natureza brava levara Jesus a apelidar João e Tiago de "filhos do trovão". 

A mesma natureza transparece no escritor do Apocalipse, ao denunciar os inimigos de Cristo com palavras bem causticantes.

O escritor passa dos tons mais ternos para os mais severos à medida que progride em seu escrito. Está aí a combinação do "meigo João" com o "filho do trovão", combinação que conhecemos muito bem.

Notaremos outras evidências internas, se admitirmos que o escritor do Apocalipse é o mesmo que escreveu o Quarto Evangelho. Muitos críticos competentes negam isto, mas a posição tradicional permanecerá de pé até que apareçam provas cabais e não conjeturas de natureza meramente especulativa.

Afinal, surgem mais dificuldades em rejeitar essa posição tradicional do que em aceitá-la como certa. Admitindo que seja João, o filho de Zebedeu, o escritor do Quarto Evangelho, encontramos muitas semelhanças com o Apocalipse.

A cristologia do livro é um ponto mui importante da evidência interna. É muito semelhante à do Quarto Evangelho. (Discutiremos as diferenças na parte que trata da evidência contra o apóstolo João)

A expressão contida em Apocalipse 1:1 — "a qual Deus lhe deu" — i.é., a Cristo, está em perfeita harmonia com o ensino geral do Evangelho Segundo João, de que o Filho possui tudo quanto possui o Pai, e nada possui que não tenha recebido do Pai.

No Apocalipse, como no Evangelho, o Salvador recebe de Deus, o Pai, as instruções a serem transmitidas, como também o que tem a fazer. Isto harmoniza-se de modo notável com o que vemos no Evangelho.

A ideia de que o Filho só tem aquilo que o Pai Lhe dá reflete-se no Evangelho de João 17:7,8; 5:19,20; 7:16. Esta relação a encontramos, noutros termos, noutras passagens do Novo Testamento, mas ali a semelhança não é tão notável como aqui.

O emprego da palavra λόγος, para indicar uma pessoa, e como o título distintivo de Cristo, só encontramos na literatura joanina. Vejamos João, 1:1, 14, I João 1:1 e Apocalipse 19:13. Nesta última passagem, usa-se a palavra como um dos títulos do Cristo vitorioso, quando ele surge para desbaratar os inimigos de Deus.

João é dos evangelistas o único que se refere à lança que furou um dos lados de Jesus, quando de Sua crucificação (João 19:34). Será obra de pura coincidência vir mencionado isso em Apocalipse 1:7, onde lemos — "e todo olho o verá, até os mesmos que o traspassaram..."?

 O exame acurado dessas duas passagens nos revela que o verbo grego aí traduzido por "traspassar" é o mesmo em ambos os versículos. 

Em Zacarias 12:10, encontramos alusão semelhante. Os tradutores da Septuaginta usaram aí uma forma do verbo grego κατορχέσμαι.

O Evangelho e o Apocalipse usam outra forma de verbo: εκκεντέω De um lado a diferença e doutro a identidade devem ser encaradas como algo mais do que coincidência. Indica, sim, identidade de autoria no caso dos dois livros.

No Evangelho de João, apresenta-se Jesus como "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (João 1:29,36).

Nenhum dos outros escritores emprega este título quando fala de Jesus. Claramente tal título significou muita coisa para João, porque talvez estivesse presente quando teve lugar tal indicação, quando também se ouviu esta afirmação descritiva.

No Apocalipse, Cristo é chamado Cordeiro nada menos de 22 vezes. (Contando-se as vezes em que vem repetido em poucos versículos, tal título é empregado 28 vezes.) 

Os que negam a autoria de João afirmam que o evangelista João usa uma palavra diferente da usada pelo escritor do Apocalipse. Isto em parte é verdade. Em João 1:29 e 36 encontramos a palavra ἀμνὸς, quando no Apocalipse se emprega sempre a palavra ἀρνίον.

Mas é interessante observar que. João emprega esta última palavra noutra conexão (João 21:15), e é ele o único escritor neotestamentário, além do autor do Apocalipse, que a usa. Isto também nos parece ser mais que mera coincidência. 

O livre emprego da ideia no Apocalipse parece ser altamente compatível com o modo mui notável e enfático de se empregar esta ideia duas vezes e recordar-nos o testemunho de João Batista com referência ao Messias, contido no Evangelho de João.

Em Apocalipse 1:1,2 aparece uma afirmativa muito importante. Leiamos: "A revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e a revelou por sinais, pelo seu anjo, ao seu servo João, que testificou acerca da Palavra de Deus..." 

O verbo "testificar" está no tempo aoristo — "testificou". Isto indica que João já havia dado testemunho acerca do Logos de Deus. Será uma reivindicação que o escritor faz de ser ele o escritor do Quarto Evangelho? Parece que sim.

A despeito de todas as dificuldades surgidas da comparação do estilo e da gramática dos dois livros, há uma forte semelhança entre os dois. É esta: são de fácil leitura.

O vocabulário e as construções empregados nos dois livros são de tal natureza que o estudante do grego os pode ler com muito menos esforço e recorrência ao dicionário e à gramática do que quaisquer outros livros do Novo Testamento, à exceção da Primeira, Segunda e Terceira Cartas de João, que parecem ter saído da mesma pena.

Neste ponto, o contraste com os escritos de Paulo, de Pedro ou de Lucas é coisa digna de nota. 

Muitos professores de grego acham que os escritos de João constituem o melhor material que há para se ensinar essa língua.

Pode-se tomar uma lição maior em menos tempo e com menos esforço. Por outro lado, alguns mestres acham esse texto muito fácil para se ensinar de modo eficiente aos principiantes.

Sua estrutura literária bem nos revela que os livros Joaninos são não só muito peculiares em comparação com os restantes do Novo Testamento, mas também muito semelhantes entre si.



b) Evidências contra João, o filho de Zebedeu:


Kiddle afirma que. 

...nenhuma parte dos estudos bíblicos provocou tão fortes e prolongadas discussões entre os eruditos como a dos cinco livros do Novo Testamento tradicionalmente atribuídos ao apóstolo João... E discussão alguma se revelou tão emaranhada, decepcionante e improfícua. (Kiddle, The Revelation of St. John, no Comentário do Novo Testamento, de Moffatt, p. XXXIII.)

Quando o estudante procura seguir as inúmeras pistas da evidência, vê-se num labirinto de argumentos em atrito, apresentados por diversas teorias.

Assim, torna-se-lhe extremamente difícil chegar a conclusões satisfatórias. As evidências apresentadas por aqueles que se opõem à tradicional autoria do Apocalipse pelo apóstolo João são mui complexas e difíceis de se deslindar.

A evidência externa contra João, o Apóstolo — O testemunho mais forte contra o apóstolo João do ponto de vista externo é Dionísio de Alexandria (A.D. 265). Foi discípulo de Orígenes, mas não concordou com este sobre a autoria do Apocalipse. 

Dissentiu, baseado nas dificuldades gramaticais e especialmente sintáticas, de que trataremos posteriormente. Dionísio nos diz que três pessoas antes dele tiveram dúvidas sobre a autoria Joanina do Apocalipse. Eis suas palavras:

Alguns, em verdade, antes de nós, hão posto de lado e hão tentado refutar todo o livro, criticando cada capítulo e achando que ele não tem sentido nem razão de ser. Dizem que se trata de um título falso, que o livro não é de João. E mais, que não se trata de nenhuma revelação, pois apresenta uma capa de ignorância tão profunda e densa que nenhum dos apóstolos, nenhum dos santos ou ninguém da igreja poderá ter sido o seu autor. (Citado da História Eclesiástica de Eusébio, p. 297.)

Isto indica que Dionísio não foi o primeiro a negar a autoria Joanina do Apocalipse. Outros, antes dele, ainda que Dionísio não nos dê seus nomes, sustentavam a mesma opinião.

Mas a favor de João há este fato: se então se negava a autoria de João, era porque outros antes dessa negativa achavam que era o apóstolo João o autor do Apocalipse; daí, alguém se levantara para negar isso.

Ao passo que Dionísio concorda com aqueles que menciona, no que respeita à identidade do autor, dissente destes em alguns pontos. Isto é claro, quando ele afirma:

Quanto a mim, não me aventuro a pôr de lado este livro, visto que muitos irmãos lhe dão mui subido valor. Mas, notando que o assunto de que o livro trata excede a minha capacidade, julgo que ele também contém uma certa comunicação oculta e maravilhosa em cada particular... Não nego portanto, que ele se chamasse João, e que este livro seja da autoria de uma pessoa chamada João. Admito que é obra de algum homem santo e inspirado. Mas não concordo facilmente que foi o apóstolo, o filho de Zebedeu, que é o autor do Evangelho e da epístola universal que traz o seu nome. (Ibid., p. 297 em diante.)

Daqui em diante Dionísio passa a apresentar suas razões, todas de natureza interna, para negar a autoria Joanina. Note-se que ele não a nega de modo cabal, e, sim, afirma que não "admitiria facilmente" ter sido João, o filho de Zebedeu, quem escreveu o Apocalipse.

O outro único testemunho externo digno de nota contra João nos vem de Eusébio. (História Eclesiástica de Eusébio, p. 124.) Ele não nega de modo cabal a autoria Joanina. Reconhece que Dionísio pôs em dúvida essa autoria.

Admite que muitos acham ser João o autor. A seguir, aumenta mais a discussão, sugerindo ser da autoria de um outro escritor — João, o presbítero, mencionado por Papias.

Como vimos antes, os escritores que vieram depois de Eusébio não pactuaram de suas dúvidas neste ponto. Continuaram a se referir ao Apocalipse como sendo da autoria de João, o filho de Zebedeu.

O presbítero João, que foi trazido para o campo da crítica Joanina, é uma figura apagada, e torna-se mui possível negar peremptoriamente sua autoria. Robertson assim procede de modo mui convincente. (O argumento seguinte é, em grande parte, um resumo da obra de A. T. Robertson — Epochs in the Life of the Apostle John [New York, Fleming H. Revell Co., 1935], pp. 22-29.)

Este presbítero João foi a princípio descoberto nos escritos de Papias por Eusébio. Antes dele, Dionísio tinha sustentado que o João que escreveu o Evangelho não era o mesmo João autor do Apocalipse. Eusébio confirma esse testemunho, em seu próprio modo de ver, por haverem existido duas sepulturas de João em Éfeso. 

Isso é matéria de tradição e é negado por muitos eruditos mui competentes. Warfield, Plummer, Salmon e Keim negam a existência de um segundo João em Éfeso. Bacon, McGiffert e Schürer, mui conhecidos por suas ideias liberais em matéria de crítica do Novo Testamento, atribuíram o Quarto Evangelho a esse João, o presbítero. Sentem-se felizes de poder achar, ainda que seja um fantástico João, a quem possam atribuir a autoria do livro e assim negar a autoria apostólica. 

Lightfoot e Westcott mostram-se inclinados a admitir a existência dele, conquanto neguem seja ele o autor do Quarto Evangelho. Dana admite a existência do presbítero João e acha ser ele o mais provável autor do Quarto Evangelho. (Dana, The Ephesian Tradition, p. 168.) 

À vista de todas estas opiniões divergentes, bom será examinar o testemunho de Papias acerca de João. Eusébio cita Papias nestas palavras:

Se, então, surgisse alguém que pessoalmente veio depois dos mais antigos, eu duvidaria da palavra deles quando falam do que disseram aqueles mais velhos, do que André ou Pedro disse, ou do que Filipe, ou Tomé, ou Tiago, ou João, ou Mateus, ou do que qualquer outro discípulo do Senhor disse, e das coisas que Aristion e o presbítero João, discípulos do Senhor dizem.
Robertson acha que a menção feita duas vezes a "João" aí nessa sentença foi o que induziu Eusébio a errar em sua interpretação.

Na passagem se fala de Aristion e do ancião João como ainda vivos no tempo a que Papias se refere. Note-se que ele usa o verbo "dizer" no presente ("dizem") e não no passado "disseram", quando fala do testemunho destes dois últimos. 

Aquela linguagem seria facilmente compreendida se João ainda estivesse vivo, e, morto o resto dos mais antigos. Esse fato, e era isso mui possível, explica por que se repetiu o nome de João, porque no caso dele não haveria nada a reportar do que ele dissera. 

Tratava-se de saber o que João estava ainda dizendo, i.é., da própria confirmação que João em vida daria a Papias. Este chama João de "mais antigo", e é verdade; mas ele dá esse mesmo título a todos os outros apóstolos citados (André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João e Mateus).

A Aristion simplesmente chama de discípulo. Em o Novo Testamento João é chamado discípulo, apóstolo, ancião, assim como Pedro e outros. (Veja Lucas 6:12, Mateus 10:1 em diante e I Pedro 5:1.) 

Esta ideia identifica o "ancião João" com aquele "João" que aparece na mesma lista junto com os outros anciões. Nada há, pois, nas palavras de Papias que sugira a existência de mais de um João, e há muito que sustenta a existência de um só João.

Assim, temos aí não dois Joãos e, sim, duas espécies de testemunho de um único João: aquilo que outros reportaram do que ele disse, e aquilo que ele pessoalmente diz.

Irineu (A. D. 140-202) viveu bem mais perto dos dias de Papias (A.D. 70-140) do que Eusébio (A.D. 270-340). No testemunho acerca de Papias, ele identifica João, o ancião, o discípulo do Senhor, com o apóstolo João.

Irineu estudou Papias e o citou frequentemente, e não achou nunca dois Joãos diferentes nos escritos de Papias. Ele não conheceu pessoalmente a Papias, mas conheceu Policarpo, que conhecera o apóstolo João.

Três vezes ele diz que João era conhecido de Policarpo. Afirma que muitas vezes ouviu Policarpo falar do que João dissera e sustenta de modo claro que João, o discípulo do Senhor, escreveu o Quarto Evangelho quando morou em Éfeso. Esta é a tradição diretamente histórica que nos vem de quem conheceu um único João. 

Vê-se que Papias, quando bem entendido, conheceu um só João. Isto nos parece bem mais plausível que a hipótese aventada por alguns de que houve dois Joãos, ambos discípulos pessoais de Jesus, ambos mudando-se para Éfeso após a destruição de Jerusalém, ambos tão conspícuos em sua atividade que os homens de seus dias e da geração seguinte não os puderam diferenciar e acabaram confundindo-os de maneira tão lamentável.

Polícrates, Bispo de Éfeso e contemporâneo de Irineu, confirma que o apóstolo João residiu na Ásia e aparentemente o identifica com o ancião João.

Ele escreveu numa carta ao Bispo de Roma que João, o que se inclinara no peito do Senhor, mais tarde se tornou sacerdote, sendo testemunha e mestre, e que foi sepultado em Éfeso. (Veja-se Eusébio, em sua Church History, livro III p. 21.)

Georgius Hamartolus (Jorge, o pecador) na verdade confirma que João residiu em Éfeso e diz ser este o autor dos livros do Novo Testamento que trazem o seu nome.

Não podemos confiar no testemunho de Filipe de Side. Parece, no entanto, que a tradição aventada por Irineu é correta e que se trata da mesma de Papias, quando a este compreendemos de modo apropriado.

A suposta tradição de Papias referente a dois Joãos descansa sobre fundamento muitíssimo fraco, senão disparatado, se propriamente a isso se pode chamar de fundamento. 

Não é de admirar, portanto, que eruditos do quilate de Lightfoot, de Westcott e de Plummer tenham rejeitado a validade de tal tradição. Com esta escassez de evidência diante de nós, podemos permitir que esse fantástico "João, o Presbítero" desapareça, e que o verdadeiro João, filho de Zebedeu, ocupe o lugar que parece pertencer-lhe de fato.

Outra questão que poderia ser apresentada como evidência externa contra João é a teoria de que ele morreu em data muito anterior. Os peritos em assuntos neotestamentários unanimemente reconhecem que o Apocalipse foi escrito durante o reinado de Domiciano, cerca do ano 95 ou 96 de nossa era.

Se João morreu na sétima década do primeiro século, como argumentam alguns, ele estará automaticamente excluído.

A evidência de um tal martírio prévio, porém, não se sustenta ante um exame mais profundo do assunto e está envolto em muita incerteza. Descansa ela principalmente num suposto testemunho de Papias.

O primeiro fragmento literário que dá corpo a esta posição foi descoberto na última parte do século XIX. Trata-se dum trecho de Georgius Hamartoius, obscuro monge do século IX. Eis o testemunho dele:

Então, depois de Domiciano, Nerva reinou um ano. Este, havendo chamado da Ilha a João, permitiu-lhe viver em Éfeso. Sendo naqueles dias o único dos doze discípulos que ainda vivia, depois de haver escrito o seu Evangelho, foi honrado com o martírio. Papías, Bispo de Hierápolis, tendo pessoalmente andado com o mesmo, no segundo livro dos seus "Ditos do Senhor", afirma que ele foi morto pelos judeus, assim cumprindo-se claramente, com seu irmão, a profecia de Cristo a respeito deles quanto à confissão e operosidade deles a favor de Cristo.

Quando o Senhor lhes perguntou - "Bebereis do cálice que eu bebo?" e eles ardentemente responderam que sim, o Senhor lhes disse — "Bebereis do meu cálice, em o batismo em que sou batizado sereis também batizados." Assim teria que ser, pois impossível é que Deus minta.

Assim também o mui erudito Orígenes, em seu "Comentário de Mateus", sustenta que João foi martirizado e afirma que ouviu isso dos sucessores dos apóstolos. E, na verdade, também o muito bem informado Eusébio, em sua "História da Igreja", diz - "Tomé recebeu como seu campo de atividade a Partia, e João a Asia, onde também viveu, atingindo a culminância em Éfeso."

Dana chama a atenção para a evidente fraqueza deste testemunho. (Este parágrafo é um apanhado de H. E. Dana, de sua Ephesian Tradition, pp. 156-158.)

Hamartoius é confuso e contraditório em suas afirmativas. Primeiro, não entendia de História. Inicia a passagem em foco afirmando que João fora chamado por Nerva do seu exílio na ilha de Patmos e que, tendo escrito o seu Evangelho, foi martirizado.

Tudo isto é muito possível, mas o testemunho não pára aí. Ele cita, como prova do martírio de João, o testemunho de Papías, que afirma ter sido João morto pelos judeus, ligando a morte deste à de Tiago, irmão de João. 

Tal ligação certamente coloca a sua morte a várias décadas antes do tempo de Nerva. E, para confundir ainda mais, Hamartoius acrescenta o testemunho de Eusébio, de que João viveu e morreu em Éfeso.

Em poucas palavras, parece que o dito monge queria que crêssemos nisto: primeiro, que João foi reconduzido da ilha de Patmos por intervenção de Nerva no último decênio do século primeiro; segundo, foi martirizado com seu irmão Tiago, antes da queda de Jerusalém (A.D. 70) por cerca do ano 44 A.D.; terceiro, viveu e morreu em Éfeso perto do fim do século. Essa posição é absurda.

Hamartoius não viu que estava a sugerir uma contradição. O que ele queria dizer era que João morreu em Éfeso às mãos dos judeus após o início do reinado de Nerva.

É assaz duvidoso visse ele que o suposto testemunho de Papias contradizia o seu ponto de vista. Em segundo lugar, Hamartoius interpretou mal o testemunho de Orígenes. Este havia dito:

Os filhos de Zebedeu certamente beberam batizados em o dito batismo, porque Herodes matou a espada a Tiago, o irmão de João, e o imperador dos romanos, como registra a tradição, baniu João para a ilha de Patmos, pelo fato de sustentar a palavra da verdade com o seu testemunho. Este mesmo João nos conta no Apocalipse... as circunstâncias do seu martírio.
Está claro que Orígenes nada sabia do suposto testemunho de Papias acerca da morte anterior de João. A tendência de Hamartolus para mal interpretar Orígenes nos leva a hesitar na aceitação do que ele afirma de Papias. Certamente não iremos desprezar o testemunho de Irineu, no que respeita à morte de João em Éfeso em época posterior, para dar guarida a um testemunho como esse de Hamartolus.

A segunda evidência documental que fala desse suposto testemunho de Papias descobriu-se mais ou menos na mesma época da descoberta do primeiro, mas, aparentemente, se trata dum testemunho muito mais velho.

Acredita-se que tal fragmento faça parte dum resumo de uma História do Cristianismo, escrita por um certo Filipe de Side, do século quinto. Eis o dito texto:

Papias, Bispo de Hierápolis, senão um dos que ouviram João, o divino, escreveu cinco tratados sobre "Os Ditos do Senhor", nos quais, dando uma lista dos apóstolos, depois de Pedro e João, Filipe, Tomé e Mateus, incluiu na lista dos discípulos do Senhor a Aristion e um outro João, a quem ele chama de "o Ancião". Assim, alguns pensam que pertencem a este João as duas curtas e universais epistolas que são publicadas com o nome de João, baseados no fato de os antigos só aceitarem a primeira epístola. Alguns também falsamente lhe atribuem o Apocalipse.

E Papias também erra acerca do milênio e, após ele, Irineu. No seu segundo livro, Papias diz que João, o divino, e Tiago, seu irmão, foram mortos pelos judeus.

Este dito Papias conta por ter ouvido das filhas de Filipe que Barnabé, também chamado o Justo, desafiado por incrédulos, bebeu uma dose de veneno em nome de Cristo, nada sofreu e saiu ileso dessa prova. Também ele conta outras maravilhas, especialmente aquela da mãe de Menaim, que foi ressuscitada por Cristo os quais viveram até o tempo de Adriano.

Dana (O parágrafo seguinte é um resumo do livro de Dana — The Ephesian Tradition, p. 161 em diante.) analisa este fragmento, observando o quanto é fraco.

Acha-se que um elemento de certa importância e fortaleza do fragmento está no fato de ser da autoria dum certo Filipe de Side, anterior ao século quinto. Mas isto é apenas probabilidade, dado ser obscura a origem de tal obra.

E, mesmo que seja da autoria de Filipe de Side, este não é tido como autoridade em que se possa confiar. 

Robertson nos garante que ele "...foi um historiador sem cultura que escreveu cerca de mil volumes (sua história compreende 36 livros, cada um com numerosos volumes) que tratam de geometria, astronomia e geografia, tudo sob o título de História, e foi um escritor que não obedecia a nenhuma seqüência cronológica". (A. T. Robertson Epochs in the Life of the Apostle John [New York, Fleming Revell, 1935] p. 28.)

É quase loucura deixar de lado Eusébio de Cesaréia, para se estribar em um Filipe de Side.

Esta obra, tal como a de Hamartolus, é contraditória. Começa dizendo que João viveu até o tempo de Policarpo e de Papias, e associa a morte de João à de Tiago, na suposição de as duas mortes se terem dado em ocasiões e circunstancias contemporâneas.

Ele baralha duas tendências da tradição: uma, que afirma que João morreu em Jerusalém ao mesmo tempo que Tiago, A.D. 44; e outra, que afirma que João morreu em Éfeso pelo fim do primeiro século, A.D. 98 a 100. 

Visto que as duas tradições se contradizem, qual delas aceitaremos? A razão nos impele a acreditar na que tem maior base tradicional, i.é., na que nos afirma que João viveu ainda muitos anos e morreu em Éfeso. Esta é a nossa opinião, até que se confirme de modo cabal e positivo o suposto testemunho de Papias.

Esta evidência externa contra não é de todo convincente, quando comparada à evidência externa pró João como autor do Apocalipse.

O testemunho do ponto de vista externo claramente está do lado de João, quando se analisa bem a data da tradição, o número de testemunhos e a qualidade desses testemunhos.

A evidência interna contra João, o filho de Zebedeu — Aparentemente um dos primeiros críticos a duvidar que tenha sido João o autor do Apocalipse foi Dionísio. As dúvidas dele baseiam-se no estudo interno do livro do Apocalipse, quando comparado com o Quarto Evangelho, que ele atribui a João. 

Antes de iniciar sua discussão do assunto, diz que antes dele alguns já haviam negado a autoria apostólica do Apocalipse, firmados sobre bases doutrinárias.

Negaram tal autoria, diz ele, porque o interpretaram literalmente e encontraram nele o ensino dum reinado terrestre de Cristo, em cuja doutrina não criam. 

Houve um homem chamado Cerinto, um herege, que tinha um conceito materialista do reino.

Esperava um reinado terreno de Cristo e, segundo Dionísio, "sendo amante das coisas materiais, e assaz sensual a respeito das coisas que desejava tão ardentemente, sonhava um dia alcançar a gratificação de seus apetites sensuais, i.é., comer, beber, casar-se..." (Citado por Eusébio, Church History, p. 297) 

Por causa de suas ideias materialistas, alguns lhe atribuíram a autoria do livro. Dionísio demonstrou que aquele povo laborava em erro, interpretando assim literalmente o livro do Apocalipse, idéia esta que os levou a pensar que Cerinto fosse o escritor do livro.

Sustentou que o livro é de muita dignidade e valor, e não pode ser desprezado. A seguir, ele apresenta suas próprias razões para negar que seja João, filho de Zebedeu, o autor do livro. (Veja Eusébio, Church History, p. 297 em diante.) Eis as razões que ele apresenta:


  • O Evangelista (escritor do Quarto Evangelho) não antepõe o seu nome, nem o menciona em lugar algum, tanto no Evangelho como em sua Epístola. Já o escritor do Apocalipse menciona o seu nome quatro vezes.

  • O escritor do Evangelho diz ser o discípulo especialmente querido de Jesus. O escritor do Apocalipse não reivindica isso.

  • Há outras duas Epístolas atribuídas a João, e ambas apresentam um autor anônimo — o Ancião". Mas, na epístola contida no Apocalipse, o escritor abertamente declara: "João, às sete igrejas da Ásia, graça e paz seja convosco" (Ap. 1:4).

  • A forma e a natureza da composição do livro do Apocalipse são mui diferentes das do Quarto Evangelho.

Baseado nessas objeções, Dionísio sugeriu uma diversidade de autores dos livros que a tradição considerava como Joaninos, admitindo, embora, que tudo pertence à esfera das hipóteses.

Outros críticos, desde os dias de Dionísio, não admitiram tão prontamente pertencer tudo ao domínio das hipóteses.

As primeiras três objeções de Dionísio são facilmente respondidas. A quarta, porém, exige maior tratamento.

O Quarto Evangelho era algo de caráter geral. De nada adiantaria uma especial declaração de autoria. Ao mesmo tempo não era costume, ao escrever este ou aquele Evangelho, dar o escritor a sua identidade.

Uma comparação dos Evangelhos do Novo Testamento nos prova a veracidade desta afirmativa. Por isso, muitos são os críticos que negam a tradicional autoria de Mateus, como a de João; mas Marcos e Lucas, praticamente tidos como autênticos por todos os críticos, no que respeita a sua autoria tradicional, não dão a identidade de seus autores. 

Os falsos Evangelhos dos tempos posteriores do cristianismo (o Proto-evangelho de Tiago, o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Tomé, por exemplo) trazem os nomes dos supostos autores, mas isso não representa a verdade no período em que foram escritos os Evangelhos do Novo Testamento.

A Primeira Epístola de João não tem nada parecido com uma epístola. Ela apresenta alguns dos elementos pessoais duma epístola, mas ao mesmo tempo é mais um tratado doutrinário, que não precisaria ser autografado como uma epístola.

Nalguns aspectos ela tem mais de um tratado doutrinário do que a Carta aos Hebreus, que é o maior exemplo neotestamentário desse tipo de escritos. 

A segunda e a terceira epístolas são de caráter pessoal. Constituem o extremo oposto à Primeira Carta de João. Esta não é tão pessoal assim para precisar ser autografada; as outras são tão pessoais que não precisam ser autografadas de melhor modo do que por um simples termo de afeição como "o Ancião", título adquirido após longos anos de serviço.

A "Senhora eleita", da segunda epístola, e "Gaio", da terceira, não precisavam mais do que o termo "o Ancião" para reconhecer aquele que lhes escrevia assim de maneira tão pessoal.

Agora, tratando-se de um apocalipse, o caso era diferente. Uma coisa de muito valor para aqueles que iam receber o livro era saber que ele lhes vinha duma pessoa que trabalhara com eles por muito tempo e que agora com eles simpatizava em suas perseguições. 

Isto seria muito mais efetivo do que uma carta de conforto, de origem desconhecida e sem informes definidos sobre se o escritor conhecia ou não as condições atuais dos leitores, para confortá-los devidamente.

O Apocalipse precisava trazer o nome do seu autor para se tornar uma mensagem efetiva. Já os outros escritos de João não precisavam disso.

Na maior parte, a controvérsia relativa à autoria do Apocalipse gira em torno do estilo e da gramática do escritor. Aqui é que pega a principal objeção de Dionísio, e nisso ele seguiu uma longa lista de críticos que comparam o livro ao Quarto Evangelho para provar ou negar que os dois foram escritos pelo mesmo autor.

Lendo-se o texto grego do Quarto Evangelho, vê-se que foi escrito num grego simples, com poucos desvios da linguagem literária do tempo.

Lendo-se o Apocalipse, já a situação é outra. O grego aí usado é simples também, mas logo nos despertam a atenção suas numerosas construções mui pouco gramaticais e grandemente distintas das outras porções do Novo Testamento.

Não podemos aqui descer aos pormenores. As que aparecem mais frequentemente são: o esquecimento das regras comuns de concordância e dos casos, aparecendo o nominativo como objeto direto dum verbo, ou um acusativo como sujeito duma oração e a repetição do pronome pessoal depois do relativo — isto à maneira dos escritores hebreus. 

A leitura da polida linguagem do Quarto Evangelho juntamente com a das esdrúxulas construções do Apocalipse nos levaria a crer que não saíram da mesma mão. Mas isto não é necessariamente verdadeiro.

Podemos admitir que a mesma pessoa escreveu os dois livros, se demonstrarmos que escreveu o Apocalipse vinte e cinco ou trinta anos antes de escrever o Evangelho e que nesse ínterim aprendeu melhor o grego.

Este é o ponto de vista aceito por alguns que admitem que o Apocalipse foi escrito durante a perseguição de Nero e o Evangelho mais ou menos no ano 95 de nossa era.

Mas esta posição é bastante insegura, quando observamos que a evidência favorece muito mais a ideia de que o Apocalipse foi escrito bem depois. 

Smith (Smith The American Commentary on the New Testament, VXL parte III, ii.) tenta resolver o problema, achando que o Evangelho foi escrito no ano 78 e o Apocalipse no ano 96, pois nesta época já o vigor do escritor decaíra muito e ele voltara à linguagem de sua mocidade.

Daí a presença dos enganos gramaticais. Isto não é muito satisfatório, especialmente quando consideramos que o Quarto Evangelho deve ter sido escrito aí por cerca do ano 95 ou 96, como também o Apocalipse.

A explicação mais plausível para a má gramática do Apocalipse está nas condições mentais e nas circunstâncias em que foi escrito o livro. Esta parece ser a melhor explicação: João escreveu o Evangelho estando em Éfeso.

Aí, então, escreveu-o a sangue frio, com deliberado intento, no desejo de mostrar que Jesus é o Cristo. Tinha ali muitos amigos que conheciam bem o grego e que podiam ajudá-lo nas suas dificuldades lingüísticas ou mesmo corrigir as cincadas e arranhões que desse no grego. 

Já na ilha de Patmos estava sozinho, quando escreveu o Apocalipse. Não havia lá ninguém para ajudá-lo ou que lhe corrigisse sua má gramática.

Além disso, escreveu rodeado de circunstâncias bem diferentes, tanto físicas como espirituais. Estava longe do povo para quem pregara por cerca de vinte e cinco anos. 

Foi no "dia do Senhor" — o dia do culto cristão. João olhava através do mar que o separava dos seus "filhinhos" que experimentavam, naqueles dias, terríveis perseguições, e que precisavam dele. Tanto que queria confortá-los, mas não lhe era possível.

Assim, cheio do Espírito e com o fundo desejo de ajudar sua gente, ouviu uma grande voz (como de trombeta) que falava atrás dele. 

Voltou-se para ver quem falava. E viu seu Senhor, que ele da última vez vira subindo para o Pai, do Monte das Oliveiras, ia já para sessenta anos. Era o mesmo Senhor, mas diferente. Estava agora glorificado e sublime.

Com voz de grande autoridade (voz como de muitas águas), ele disse a João: "Não temas! Não sou um fantasma! Eles me mataram, mas estou ainda vivo. Tenho as chaves da Morte e do Destino.

Eu te darei uma mensagem, que enviarás às tuas igrejas — uma mensagem de conforto, de confiança e de vitória. Escreve o que vires e ouvires, e envia-o às perseguidas igrejas da Ásia." 

E a voz emudeceu, iniciou-se a visão, e João escreveu. No fervor da excitação do escrever, ele se esqueceu das particularidades dos casos gramaticais, dos pronomes relativos, e de como deveriam ser corretamente empregados.

Escreveu do modo como falaria se estivesse naquelas igrejas, não tendo ninguém para interromper o progresso de sua mensagem a fim de corrigir qualquer erro gramatical. 

Não é de se crer que os cristãos, ao receberem essa mensagem, tomassem a liberdade de corrigir a sua gramática, estando João ausente.

Eles reverenciavam a João muito e muito, e assim a mensagem foi passada de mão em mão, deixando-se que transmitisse mesmo a sua má gramática uma intensa mensagem de conforto, segurança, e certeza de vitória para todos quantos lessem o livro.

Esta explicação é a mais satisfatória que encontrei. Explica bem a sintaxe peculiar do livro, no caso de ter sido escrito pelo autor do Quarto Evangelho.

Há outras coisas que exigem um estilo diferente no escrever-se o livro. É natural que aquelas visões deslumbrantes, que passaram rápida e visivelmente diante dele, tomando-o num rapto, dessem ao estilo de João uma forma e colorido que não apareceriam se o escritor estivesse num estado de espírito mais calmo e descansado. 

Depois, havia ali um assunto novo, um assunto que diferia muitíssimo de qualquer outro do Novo Testamento. Até parece que temos diante de nós uma porção do Velho Testamento.

Quando, pois, encontramos no Apocalipse muitas palavras e expressões que nos fazem lembrar de João, não é estranho que achemos uma fraseologia nova, com não poucos hebraísmos originados do fato de muitas vezes as visões e imagens dos profetas hebreus se reproduzirem nas de João.

Na verdade, têm-se exagerado muito as diferenças entre o Evangelho e o Apocalipse. Mesmo os críticos mais radicais reconhecem haver certos sinais indiscutíveis de conexão entre os dois livros. Aparecem no texto de ambos vários termos gregos mui característicos. 

No Apocalipse vemos expressões próprias de João, como água da vida, vinho, pastor, vitória, luz, trevas e outras mais. Esta abundância de evidência interna oferece base a um testemunho tradicional mui forte no sentido de ser João o escritor dos dois livros.

"Contudo, se tivermos que abandonar a teoria duma autoria comum, a balança da evidência tradicional aponta o Apóstolo como o autor do Apocalipse." (Dana, New Testament Criticism, p. 312.)




2 - A EVIDÊNCIA PRÓ E CONTRA OUTROS SUPOSTOS AUTORES

A obra de Charles e doutros mais nos indicam que o Apocalipse não é de autor que usasse pseudônimo. Isto nos põe diante do fato de o livro ter sido escrito por alguém chamado João. 

Na verdade, João era nome muito comum naqueles dias. No entanto, o modo pelo qual o escritor se refere a sua pessoa revela que se tratava de um João muito conhecido nos arraiais cristãos na última década do século primeiro de nossa era.

Como possíveis autores do Apocalipse surgem três Joãos: João, o filho de Zebedeu; João Marcos; e o ancião João, de Éfeso. Já discutimos o caso de João, o filho de Zebedeu. Resta pouca coisa a dizer dos outros dois.

a) Dionísio de Alexandria foi o primeiro a mencionar João Marcos, mas prontamente o pôs de lado, pelo fato de não ter vivido na Ásia.

Alguns críticos como Hitzig, Weiss, Hausrath e Beza é que aventaram o nome dele. Seus argumentos pró João Marcos não colheram — porque não há evidência de haver ele trabalhado na Ásia, e também por causa da radical diferença entre o Evangelho de Marcos e o Apocalipse — diferenças muito mais notáveis e impossíveis de se reconciliar do que as existentes entre o Quarto Evangelho e o Apocalipse.

b) Ainda, a crítica, com forte base, reconhece ser João Marcos o escritor do Segundo Evangelho, o de Marcos.

João, o ancião ou o Presbítero, é nesta questão o verdadeiro rival de João, o filho de Zebedeu. 

Já vimos atrás que este nebuloso João deve ser completamente eliminado do quadro. Dificilmente se conceberá o fato de ter havido dois homens com o nome de João que tenham sido discípulos de Jesus, que fossem morar em Éfeso após a destruição de Jerusalém e que se tornassem tão conspícuos por sua atividade cristã em Éfeso que os de sua geração já não podiam distinguir um do outro. 

Mas, se não eliminarmos o fato de haver mesmo existido esse João, o Ancião, criado pela manobra do testemunho de Papias, temos diante de nós dois grandes problemas a resolver. 

Primeiro: não sabemos que espécie de escrito o ancião João teria produzido, caso se tivesse abalançado a escrever. Toda a evidência que temos é de mudo silêncio; e este tipo de evidência por si mesmo jamais convencerá alguém. 

Segundo: sabemos que há muitas semelhanças entre o conteúdo deste livro e o que conhecemos de João, o filho de Zebedeu.

Conclusão

A imparcialidade parece exigir que aceitemos João, filho de Zebedeu, como o autor deste livro. Reconhece-se perfeitamente haver dificuldades na sustentação deste ponto de vista.

Mas, após pesarmos todas as evidências, percebemos haver maiores dificuldades em rejeitá-lo do que em aceitá-lo. Assim sendo, aceitamos a posição tradicional como favoravelmente escudada pela evidência externa e pela interna, e damos o Apóstolo João como o autor do Apocalipse.

ÍNDICE

Semeando Vida

Profundidade Teológica e Orientação Espiritual para Líderes e Estudiosos da Fé

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