Para quem o apocalipse foi escrito


Por Ray Summers

O texto do Apocalipse indica que o livro foi dirigido às "sete igrejas que estão na Ásia... de Éfeso, de Esmirna, de Pérgamo, de Tiatira, de Sardo, de Filadélfia e de Laodicéia" (1:4,11). Isto nos dá a chave para identificar os receptores, mas não devemos supor que o livro se limite só a essas igrejas.

O uso do número "7" — número que simboliza inteireza — indica que o livro era para todas as igrejas da Ásia Menor. Foram selecionadas essas sete por representarem todas as igrejas da Ásia Menor. 

As condições encontradas nessas igrejas encontram-se também nas outras. As sete serviriam de mensageiras para tornar conhecido o Apocalipse a todas as outras igrejas irmãs.

Todas as sete igrejas estavam na grande estrada circular que ligava a parte mais populosa, mais rica e mais influente da província — a região central ocidental. 

Constituíam, assim, os melhores pontos do circuito, próprias para servir como centro de comunicação para sete distritos:


  • Pérgamo, para o norte; 
  • Tiatira, para o distrito central do nordeste e este; 
  • Sardo, para o vasto vale mediano do Hermo; 
  • Filadélfia, para a Lídia setentrional; 
  • Laodicéia, para o vale do Lico; 
  • Éfeso, para os vales e costas meridionais do Meander; 
  • e Esmirna, para as costas setentrionais da Jônia. 

Colocado nesses sete centros, o livro se espalharia pelas vizinhanças, e dali para o resto da província. O roteiro de antemão firmado faria circular o livro por todas as igrejas da província e mesmo por mais longe.

Falando, pois, de um modo geral, o livro do Apocalipse foi dirigido aos cristãos da Ásia Menor. Sua mensagem foi primeiramente para eles, conquanto seja universal.

Essa mesma mensagem de vitória e de triunfo deve alegrar os cristãos de todos os séculos até que "os reinos deste mundo se tornem o reino de nosso Deus e do Seu Cristo".

As condições dos cristãos que primeiro receberam o Apocalipse eram bastante críticas. Por várias décadas, o cristianismo passara despercebido pelo governo romano. Era, então, tido como uma parte da religião dos judeus, religião esta que Roma considerava legal.

Quando se viu que o cristianismo não era um remendo novo no vestido velho do judaísmo, os cristãos se viram em grandes dificuldades para com o governo, bem como para com os seus companheiros. 

Várias eram as razões da animosidade contra os cristãos. (Estas razões são condensadas de Alien, op. ext., pp. 59-63, e da obra A Manual of Church History, de A. H. Newman [Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1899], I, pp. 148-150.)



1 - O cristianismo era considerado religião ilegal religio illicita. O governo romano tolerava as religiões das províncias conquistadas. Concedia ao povo conquistado o direito de colocar uma imagem do deus deles no Panteão dos Deuses, se o desejassem. 

Enquanto a religião não procurasse fazer prosélitos, era considerada legal. E a religião cristã mostrava-se essencialmente proselitista, pois seu escopo é tornar cristãos outros povos. Por essa razão era tida como ilegal.

2 - O cristianismo aspirava tornar-se universal. Para os romanos, o Estado era o principal. Já, para os cristãos, a coisa principal era levar o Reino de Deus a todos os confins da terra. Não simpatizavam os cristãos com a ideia de que a religião devia ser promovida apenas como uma ajuda ao Estado. Assim, a posição por eles assumida fazia deles perigosos rivais dos grandes interesses do Estado.

3 - O cristianismo era uma religião exclusivista. Seus fiéis recusavam terminantemente participar da vida social e dos costumes pagãos. Era-lhes necessário isolar-se da sociedade pagã e mundanizada por causa das práticas idolátricas dos romanos.

A recusa de frequentar templos de ídolos, bem como o não terem tais deuses em suas casas fez com que o povo daquele tempo os tomasse como inimigos de seus deuses. De modo que facilmente se acreditava em tudo quanto de mau era dito dos cristãos.

4 - Eram acusados de toda sorte de iniquidades. Achavam que tinham cultos secretos à noite, e também se notava que estimavam muito uns aos outros. Os romanos reuniram estas duas coisas e concluíram que tais reuniões eram para práticas luxuriosas e condenáveis. 

Quando ouviram dizer que os cristãos "comiam carne e bebiam sangue" (tratando-se da Ceia do Senhor), acusaram-nos de canibalismo, acreditando que comiam os corpos e bebiam o sangue dos que nasciam de suas orgias. A maior parte das perseguições que os cristãos sofreram provinham desse ódio e mal-entendido popular.

5 - Os cristãos negavam-se a ir para a guerra. Segundo Tertuliano, havia para isto duas razões. Primeira, uma parte do voto e da iniciação dos soldados incluía o culto aos ídolos do Estado e o uso de insígnias idolátricas nos uniformes.

Segundo, Cristo lhes tirara suas espadas e lhes recomendara meios pacíficos. Fosse, porém, qual fosse a razão, o vulgo os hostilizava e odiava, acusando-os de traidores. (Ante-Nicene Church Fathers, III, p. 98 em diante)

6 - Os cristãos no geral provinham da classe pobre e dos párias. Isto levava muitos a rejeitar o cristianismo, por se julgarem pessoas mui "respeitáveis".

7 - Os cristãos participavam com os judeus do desprezo que os romanos devotavam a estes; e, por não quererem transigir, eram tidos como piores que os judeus.

8 - Os cristãos eram tidos na conta de indesejáveis fanáticos por causa do entusiasmo que tinham por sua religião. Arranhavam com isso as sensibilidades dos apáticos filósofos daqueles dias.

9 - O cristianismo entrou em conflito com os interesses temporais de muitos romanos — sacerdotes, fabricantes de imagens e negociantes de animais destinados aos sacrifícios.

10 - Os cristãos negavam-se a cultuar o imperador. Se transigissem nisso e cultuassem o imperador como o principal deus do império, certo seriam tolerados. Mas eles não podiam dizer que o Kurios Caeser (o Deus César) era superior ao Kurios Cristo (o Deus Cristo). 



Assim, o quinhão deles era padecer perseguições e martírios. Domiciano tentou aniquilar de vez essa fé recalcitrante e traidora.

Assim, por causa de sua atitude para com os deuses romanos, culpavam os cristãos de todas as calamidades que sobreviessem ao império. Se não chovia, diziam que era porque os cristãos haviam ofendido as divindades. Se o Tibre extravasava, a culpa era ainda dos cristãos. 

Assim, tudo se punha na conta dos cristãos — fome, terremotos, derrotas militares, etc.

O veredicto do governo imperial era de que aquele grupo sedicioso de religiosos devia ser destruído para se poder salvaguardar a estabilidade e a integridade do império.

Esta política governamental de exterminar o cristianismo já por si era ameaça suficiente a encher de desespero o coração das massacradas igrejas. Mas isto não era tudo. 

Enquanto esse perigo a ameaçava de fora, outro monstro pior surgia no seio delas, na forma de perniciosas heresias.

A heresia do judaísmo, unida à do gnosticismo, e que se expressava praticamente pelo antinomianismo, vinha produzir confusão, provocar controvérsias e dissensões, destruindo o companheirismo e ameaçando mesmo destruir a solidez da cristandade. 

Para bem compreender e bem apreciar o livro do Apocalipse, devemos ter isto sempre na lembrança.

Haverá, no futuro, alguma esperança, quando os cristãos se veem exilados, martirizados, destituídos de todas as suas propriedades, só pelo fato de não renegarem a religião, e quando heresias internas ameaçam aplicar um golpe mortal na cristandade?

O livro do Apocalipse é a resposta de Deus a esta pergunta.

As relações de João para com aqueles cristãos eram tais que o qualificam como o instrumento adequado para lhes transmitir essa revelação. Ele foi para Éfeso após a destruição de Jerusalém, no ano 70 A.D., ou pouco antes da rebelião judaica que teve lugar entre 65 e 70 de nossa era. 

Foi ele o principal cristão na Ásia Menor naqueles vinte e cinco anos seguintes. Ele conhecia muito bem as condições daquelas igrejas.

Grande número deles, sem dúvida, se converteu com o seu ministério. Alegraram-se juntamente com as confortadoras experiências que então se seguiram. Agora estavam compartilhando as aflições e tribulações que sobrevieram a todos aqueles cristãos. 

João estava no exílio quando recebeu a visão e quando escreveu o livro.

Com sumo cuidado e grande estima pelas igrejas e com o coração em verdadeira agonia por causa das condições daquelas comunidades, estendia o seu olhar na direção em que se achavam localizadas, e certamente em seu espírito estava a fazer perguntas como estas: Que resultará disto tudo? Falhará a cristandade? Será que Deus perdeu o Seu poder? Por que, então, Ele não intervém? — quando o Cristo redivivo apareceu para "desvendar" para ele os acontecimentos futuros. 

"Num tal estado de espírito está-se preparado para apanhar bem o tom de soluçante simpatia e de triunfante fé que pervade o livro todo." (Dana, Epistles and Apocalipse of John, p. 94)

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