Texto básico: Atos 6.1-7
Introdução
Seguindo o exemplo de Cristo, a igreja tem a responsabilidade do anúncio da Palavra de Deus e da ação de assistência misericordiosa. Diante dessas tarefas, porém, surgem algumas perguntas: Como o Senhor orienta o seu povo, para que desempenhem bem essas funções? Será que essas tarefas devem ser deixadas livremente para quem quiser ou há pessoas especificamente responsáveis por elas na vida cotidiana da igreja?
O propósito desta lição é responder a perguntas como estas relacionando esse aspecto central do ministério de Cristo à prática diária da sua igreja, a qual estabeleceu distintamente dois ministérios responsáveis respectivamente por cada uma dessas atividades.
Como esses ministérios surgiram, quais são as pessoas que devem estar relacionados a cada um deles, como eles foram e devem ser exercidos hoje na igreja, e como cada cristão pode se envolver direta ou indiretamente com tais atividades, são as questões que veremos neste estudo.
I. DISTINGUINDO OS MINISTÉRIOS
O texto de Atos 6.1-7 nos mostra como os ministérios da Palavra e da misericórdia se estruturaram na igreja cristã, e nos ajuda a compreender melhor a vocação essencial de cada um deles.
Devido ao grande acréscimo de novos convertidos, os gentios começaram a reclamar que as suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária, ao contrário do que ocorria com as dos hebreus (v.1).
Tal queixa levou os doze apóstolos convocarem a comunidade cristã e explicar que não seria razoável que eles deixassem de cumprir com o seu ministério da pregação da Palavra de Deus para se dedicar ao cuidado social da igreja (v.2).
Sendo assim, eles propuseram que a igreja escolhesse dentre os seus membros pessoas que dessem um bom testemunho cristão, revelando uma destacada piedade espiritual, para se encarregarem desse serviço de misericórdia (v.3), ao passo que os apóstolos deveriam se concentrar na oração e no anúncio da Palavra de Deus (v.4).
Esse conselho agradou à igreja, que elegeu os seus primeiros diáconos (v.5). Eles foram apresentados aos apóstolos que, orando e impondo as mãos sobre eles, ordenaram-nos ao ministério da misericórdia (v.6).
A seguir, o texto expressa que crescia a divulgação da Palavra de Deus, multiplicando-se o número dos discípulos, dentre os quais havia muitos sacerdotes (v.7).
Nesse episódio que nos apresenta a instituição do ofício do diaconato, vemos a necessária atuação da igreja em duas frentes: a primordial, que é o ministério da Palavra, através do qual pecadores são salvos por Deus.
A própria Escritura diz:
"Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo" (Rm 10.15-17).
Pelo ministério da Palavra, a igreja do Senhor é edificada, conforme Paulo nos ensina em Efésios 2.20: "edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular".
Há ainda a frente auxiliar, que é o ministério da misericórdia, através do qual as pessoas são cuidadas pela igreja em suas necessidades naturais (2Co 9.1-5,12-15).
Houve necessidade da separação dessas duas esferas de ação porque, se antes os apóstolos também cuidavam da assistência aos santos (At 4.34,35), o acúmulo de atividades estava tornando inviável a qualidade do cumprimento de ambos os ministérios.
Contudo, a separação em dois ministérios distintos não elimina a existência de nenhum dos dois; apenas ocorreu para serem conduzidos por oficiais distintos, presbíteros e diáconos, cujos ministérios expressam ações que devem estar presentes na vida de cada cristão individualmente.
É importante notar que, tanto a tarefa de pregar a Palavra quanto a de exercer a misericórdia são virtudes que devem ser cultivadas por todos os cristãos.
Enfim, embora separadas em ministérios distintos, a proclamação da Palavra da salvação e a ação misericordiosa de compaixão devem marcar o testemunho cotidiano da igreja cristã. Passemos agora, a estudar cada um desses dois ministérios separadamente.
II. O MINISTÉRIO DA PALAVRA
Uma vez que os Evangelhos nos mostram que o Filho de Deus tanto ensinava quanto pregava as Escrituras, somos alertados para o fato de que Cristo ministrava a Palavra de Deus de maneira diversificada. Ele não o fazia apenas nas sinagogas, mas muitas vezes ao ar livre e em casas de pessoas.
Essa atuação do nosso Senhor Jesus Cristo nos faz lembrar que toda igreja que queira desenvolver um ministério da Palavra com relevância, seja onde for, especialmente nos centros urbanos, precisa estar atenta às oportunidades de proclamação e diversificar a sua forma de anunciar as verdades bíblicas.
Devido à sua importância, o ministério da Palavra precisa receber a principal atenção na igreja local, a qual deve contar preferencialmente e na medida do possível com pessoas que se dediquem exclusivamente a essa atividade (At 6.1,2,4).
Tais pessoas devem receber condições para exercerem esse ministério com real dedicação (ITm 5.17,18), de tal maneira que a Palavra de Deus seja semeada com profundidade e qualidade (ITm 4.13-16). O objetivo desse ministério não é o de apenas alimentar os crentes (1 Tm 4.6), mas também de formar neles o caráter de Cristo.
Paulo, orientando seu discípulo Timóteo, diz:
'Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tomar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra" (2Tm 3.14-17).
Além disso, o ministério da Palavra tem como função capacitar a igreja ao serviço a Deus (Ef 4.11,12), chamar os perdidos à fé (At 20.21; 2Tm 4.5) e instruir novos líderes que deem continuidade à tarefa da pregação, não retendo para si o conhecimento (2Tm 2.2).
Isso tudo nos mostra que o ministério da Palavra deve ser variado quanto ao modo, o que inclui pregação, ensino, debate, estudo, palestra, etc. Ele também deve ser variado quanto ao seu meio de divulgação, que pode ser a palavra falada, escrita, cantada, ao vivo, gravada, etc.
Esse ministério deve também ser variado quanto ao seu destino, pois muitos são os grupos aos quais se deve anunciar a Palavra de Deus, a saber: os incrédulos, os novos convertidos, os crentes amadurecidos e os líderes da igreja.
Deve ainda ser variado quanto aos lugares e circunstâncias do anúncio das Escrituras: no prédio onde a igreja se reúne, nos lares dos crentes e incrédulos que aceitem, nas classes de Escola Dominical, em lugares públicos devidamente acertados para isso ou ainda em ocasiões oportunas e informais que apareçam, como uma conversa no trem, ônibus ou metrô, ao passageiro ao lado em uma viagem, etc.
Deus distribuiu à sua igreja vários dons relacionados ao ministério da Palavra, os quais devem ser exercidos nas mais variadas circunstâncias, formal ou informalmente (2Tm 4.2), pois todos os cristãos, oficiais ou não, foram chamados para ser testemunhas de Cristo até que esse testemunho alcance os confins da terra (At 1.8).
Para alcançarmos a nossa cidade para Cristo, precisamos restaurar essa variedade de atuação no ministério da Palavra.
Primeiro, temos que resgatar a verdade bíblica de que cada cristão deve ser uma testemunha de Cristo, visto que essa tarefa não é de exclusiva responsabilidade dos ministros ordenados da Palavra, mas um privilégio de todos aqueles que conheceram pessoalmente o Filho de Deus.
Até os mais improváveis, como o ex-endemoninhado geraseno recém-convertido (Mc 5.19,20) ou a mulher samaritana de conduta moral, até então, reprovável (Jo 4.39-42), testemunharam a respeito do evangelho.
Segundo, temos que resgatar a verdade bíblica sobre as inúmeras maneiras de comunicarmos a Palavra de Deus. Quando Paulo esteve com os presbíteros de Éfeso em Mileto, responsáveis pelo ministério da Palavra, disse-lhes:
"Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram, jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus [Cristo]" (At 20.18-21).
Ele deu o exemplo de como se deve diversificar a transmissão das verdades da Bíblia. Não devemos nos restringir (ainda que não se pretenda diminuir a importância) às tradicionais e institucionais maneiras pelas quais vimos fazendo ao longo de séculos (At 2.42,46).
Com a diversificação de maneiras, lugares e circunstâncias de anúncio da Palavra de Deus, ocorrerá uma natural procura maior dos meios através dos quais as Escrituras são coletiva e individualmente ministradas à igreja (At 20.7), que são as pregações dominicais e os estudos bíblicos doutrinários, o que inclui a Escola Dominical (Hb 10.25; IPe 2.2).
III. O MINISTÉRIO DA MISERICÓRDIA
Os Evangelhos narram que Cristo curava toda sorte de doenças e enfermidades das pessoas (Mt 9.35). Jesus exerceu como ninguém o ministério da misericórdia, pois ninguém se preocupava tanto com as necessidades das pessoas como ele.
É claro que não podemos nem de longe ser comparados a Cristo no que diz respeito ao poder de amenizar ou mesmo de fazer cessar o sofrimento das pessoas.
Ele próprio disse de si mesmo:
"O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor" (Lc 4.18,19).
Mas ele também ordenou o que os apóstolos deveriam fazer ao entrarem em alguma cidade: "curai os enfermos que nela houver e anunciai- lhes: A vós outros está próximo o reino de Deus" (Lc 10.9). Isso demonstra que paira sobre a igreja a responsabilidade de se preocupar com as necessidades dos outros. A isso chamamos de ministério da misericórdia.
Toda igreja que deseja desenvolver um ministério completo e relevante, especialmente nos centros urbanos, onde as oportunidades e também as carências humanas e sociais se multiplicam, precisa estar atenta às necessidades daqueles que estão próximos.
A igreja deve ir ao encontro deles e procurar, na medida do possível, demonstrar misericórdia diante das suas dores, sofrimentos e angústias, demonstrando concretamente o amor de Deus por elas através de palavras e atos misericordiosos que venham a lhes aliviar os sofrimentos.
Ainda que essa prática deva inicialmente contemplar os da igreja, também deve atender aos de fora. Paulo orienta a igreja dos gálatas: "Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé" (G16.10).
Também Pedro orientou seus leitores: "Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos" (IPe 2.15). Há uma dimensão dessa ação de misericórdia que serve de testemunho do amor gracioso de Deus para com os pecadores.
A igreja deve refletir esse amor de forma geral a todas as pessoas (Mt 5.44-46; Rm 13.8) como legítima expressão da graça de Deus que rompe barreiras e vai atrás do perdido, do desgarrado, do pecador, do indiferente e do ausente (Jo 15.3,5,8,9). O exercício da misericórdia é tanto uma demonstração aos pecadores do amor de Deus que é derramado em nossos corações (Mt 9.13; Rm 5.5), quanto uma consequência prática e real da verdadeira fé (Mt 5.16; Tg 2.17,18).
Para alcançarmos a nossa cidade para Cristo, precisamos resgatar a atuação do ministério da misericórdia.
Primeiro, restaurando a compreensão de que o nosso discurso sobre o amor ao próximo precisa vir acompanhado de atos concretos. Palavras e ações devem necessariamente caminhar lado a lado na vida dos cristãos, assim como a expressão de amor a Deus deve ser unida à demonstração de amor ao próximo, para não incorrermos na hipocrisia dos escribas e fariseus (Mt 23.23).
Segundo, amando ao próximo de forma concreta como a verdadeira manifestação de misericórdia para com aqueles que estão carentes dela. João, o discípulo do amor registrou: "Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?" (lJo 3.17).
Os nossos atos de misericórdia são, em certa medida, uma demonstração de que fomos e somos abençoados por Deus; afinal, como disse o Senhor, "bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" (Mt 5.7).
Além disso, as boas obras evidenciam que somos eleitos de Deus (Cl 3.12) e que, consequentemente, seremos salvos da condenação final: "Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia.
A misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tg 2.13). O nosso cuidado para com o próximo, procurando aliviar as suas dores e minimizar as suas carências é, portanto, evidência do amor de Deus por nós ao nos transformar de pecadores egocêntricos em instrumentos da misericórdia e do amor de Deus pelos outros.
Conclusão
A pregação da Palavra de Deus e as ações de socorro às necessidades naturais das pessoas devem ocorrer na igreja de Deus paralelamente como ministérios distintos, porém casados.
O ministério da Palavra satisfaz sobrenaturalmente as pessoas, ao oferecer-lhes a divina graça, visto ser o principal meio de comunicação dela.
O ministério da misericórdia, por sua vez, satisfaz naturalmente as pessoas ao oferecer-lhes a assistência providencial expressa nos atos de cuidado, compaixão e misericórdia, os quais confirmam a mensagem cristã de amor e acolhida.
Ainda que os oficiais presbíteros e diáconos se encarreguem respectivamente dos ministérios da Palavra e da misericórdia, eles não cumprirão sozinhos essas responsabilidades; apenas deverão ser os seus coordenadores na vida cotidiana da igreja.
Aplicação
Você tem aproveitado as oportunidades de pregar a Palavra de Deus às pessoas sem Cristo que estão ao seu alcance?
O que você tem feito de concreto de forma a exercer a responsabilidade cristã da assistência misericordiosa? Como você poderia cooperar com os ministérios da Palavra e da misericórdia em sua igreja?
Trace planos e propostas para envolver mais pessoas nos dois ministérios aqui estudados e ofereça-os à liderança da igreja.
Autor: Raimundo M. Montenegro Neto