Atos 1.6-11
Introdução
Por vezes se ouve a argumentação: se Deus predestinou os salvos, acontecerá inevitavelmente aquilo que ele determinou. Assim, evangelizar não faz sentido, pois Deus salvará a quem quer, como quer e sem a interferência humana.
Tal raciocínio é falacioso e, escondendo-se atrás do que julga ser a "soberania de Deus", exime-se daquilo que o próprio Deus determinou, soberanamente, fosse feito e realizado.
A pregação do Evangelho é ordem dada por Cristo à Igreja. Tal pregação é o único instrumento escolhido por Deus para salvar os eleitos a quem destinou para si, desde antes da fundação do mundo.
Se de um lado a eleição é incondicional e determinada por ato livre e soberano de Deus, de outro, também, por igual modo soberano, determinou Deus que o instrumento de realizar este seu querer seria a pregação do Evangelho pela Igreja.
Assim, Deus determinou salvação e evangelização, sendo esta o instrumento divino de realizar a soberana vontade divina de salvar aos que predestinou, desde antes da fundação do mundo.
1. SALVAÇÃO É ATO SOBERANO DE DEUS (V.7)
A queda do ser humano o tornou incapaz de crer no Evangelho, ou seja, crer para a salvação. O pecador está morto, cego e surdo para as coisas de Deus. Diz o profeta que "enganoso é o coração e desesperadamente corrupto" (Jr 17.9), pois a vontade não é livre, está escravizada à sua natureza pecaminosa.
Como quem é escravo realiza a vontade de seu senhor, o ser humano, escravo do pecado, não está apto a realizar o bem, muito menos escolher o bem. Esta é a conclusão de Paulo: "eu sou carnal, vendido à escravidão do pecado, pois não faço o bem que prefiro, mas o mal que detesto. Eu sei que em mim não habita bem nenhum; pois o querer o bem está em mim, não porém o efetuá-lo. Vejo em mim uma outra lei que, guerreando conta a lei de minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado. Desgraçado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?"
Salvação desta morte é algo que vem de fora do ser humano. Se alguém não o libertar ele morrerá, pois escolheu o pecado, tornando-se, por natureza, herança de Adão, escravo (ou seja, sem livre vontade) do pecado.
Deus, por isso, livremente, resolveu salvar alguns dos seres humanos, exclusivamente por sua graça e misericórdia. A salvação é, pois, ato livre e soberano de Deus que destinou aqueles que ele quis para a salvação que ele realiza.
Este ato "o Pai reservou para sua exclusiva autoridade".
2. A VONTADE SALVÍFICA DE DEUS REALIZA-SE PELA PREGAÇÃO DO EVANGELHO (V.8)
Certo é que a vontade de Deus, sendo soberana, haverá de realizar-se, única e exclusivamente porque Deus assim a determinou. No caso da salvação dos eleitos, esta vontade realizar-se-á por meio do instrumento instituído por Deus para tal. Determinou, pois, Deus, na sua soberana vontade "salvar aos que creem pela loucura da pregação", ensina Paulo.
O instrumento escolhido por Deus para salvar os que ele mesmo elegeu para a salvação é a pregação do Evangelho. O que significa dizer que se não há quem pregue, não há como se crer.
Não é outro o argumento de Paulo ao repetir Isaías e falar da formosura dos que pregam as Boas-Novas. Deus separa e envia os que escolheu para pregarem o Evangelho, afim de que sua soberana vontade realize-se e aqueles a quem predestinou creiam para a salvação.
Realizando a vontade do Pai, Cristo ordenou à Igreja que pregasse o Evangelho para que os que viessem a crer, segundo o desígnio de Deus, fossem salvos (Mt 28.18-20).
A ninguém mais foi dada tal ordem e determinação, mas à Igreja, no poder do Espírito. Como à Igreja compete ser testemunha de Cristo, pelo poder do Espírito, deve ela cumprir sua tarefa de evangelizar.
Como não sabe ela quem são os eleitos, somente o Pai, cumpre a ela anunciar o Evangelho em todos os tempos, épocas, lugares, a todos os povos e gentes (At 1.8). A Igreja que evangeliza submete-se à soberana vontade de Deus que determinou salvar aos que crêem por meio da pregação do Evangelho.
3. O DEUS SOBERANO: DÁ OS MEIOS PARA A SALVAÇÃO E SALVA O PECADOR
Veja o que dizem os teólogos David N. Steele e Curtis C. Thomas:
"a escolha divina de certos indivíduos para a salvação, antes da fundação do mundo, repousou tão somente na sua (de Deus) soberana vontade. A escolha de determinados pecadores feita por Deus não foi baseada em qualquer resposta ou obediência prevista da parte destes, tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, é Deus quem dá a fé e o arrependimento a cada pessoa a quem ele selecionou. Esses atos são o resultado e não a causa da escolha divina. A eleição, portanto, não foi determinada nem condicionada por qualquer qualidade ou ato previsto no homem. Aqueles a quem Deus soberanamente elegeu, ele os traz, através do poder do Espírito, a uma voluntária aceitação de Cristo. Dessa forma, a causa última da salvação não é a escolha que o pecador faz de Cristo, mas a escolha que Deus faz do pecador."
Deus é quem dá os meios para a salvação. Ora, ninguém se salva sem fé na graça de Deus realizada em Cristo, e a fé é dom de Deus (Ef 2.8). Mas esta fé, por determinação divina, vem exclusivamente pela pregação do Evangelho: há que se ouvir para se crer (Rm 10.8-15).
Assim, Deus, para fazer cumprir sua vontade de conceder a fé em Cristo aos eleitos, estabeleceu que a Igreja deve pregar o Evangelho a fim de que os que predestinou, sejam salvos, por este instrumento.
Deus, assim, dá os meios para a salvação que são a pregação e a fé, fazendo crer em Cristo, que é a graça de Deus, aqueles a quem ele destinou à salvação.
Conclusão
Não sem motivo diz o apóstolo: "Estou plenamente certo de que aquele que começou em vós boa obra há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus" (Fp 1.6). A boa obra de Deus na vida do ser humano é a salvação. Deus é quem a inicia, quem a realiza e quem a completa na vida dos que destinou à salvação. Esta é a certeza de que persevera até o fim aquele que Deus destinou à salvação.
Porém, o instrumento pelo qual Deus realiza esta vontade está em outra vocação: a de pregar o Evangelho. Essa vocação o Senhor deu à Igreja. Por isso, evangelizar é cumprir a vontade divina para a vida da Igreja, na vida do crente e na vida dos eleitos que hão de crer.
Contrapor a soberania de Deus à evangelização é não entender nem uma coisa nem outra. Por isso compete à Igreja pregar o Evangelho e, a cada crente, anunciar a salvação que há em Jesus Cristo. E dever da Igreja, e do crente, anunciar a graça de Deus em Cristo, fazendo isso quer seja oportuno, quer não. Assim fazendo, encontra-se a Igreja como um todo e o crente individualmente dentro da soberana vontade de Deus.
Esta é uma determinação, mas é também um privilégio não dado a todos os seres humanos. Não existe, neste caso, quem não tenha "jeito" de falar do amor de Deus que está em Cristo Jesus. Não é uma questão de "habilidade", pois o Deus que chama e vocaciona é o mesmo que cria os meios e condições de realizar a obra que nos destinou fazer.
Por este motivo diz Jesus aos seus discípulos: "não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falei; porque não sois vós que falais, mas o Espírito Santo" (Mc 13.11).
Aplicação
Procure evangelizar sem ficar se perguntado: "Será que este é um escolhido?" O convite ao evangelho deve ser sempre sincero. Para aqueles que recusam o convite, a Palavra lhes serve para julgamento, mas para os que a aceitam - vida eterna.
Evangelize!