A estratégia de Paulo no supermercado da fé - Estudo Bíblico sobre Evangelismo e Missões

Atos 17.16-35

Introdução

É sabido que nossa sociedade vive um momento histórico de transição. Estamos saindo de uma fase moderna para uma pós-moderna. A Igreja Evangélica Brasileira está dentro desse período de transição e não estamos imunes às transformações. Somos influenciados por esse novo tecido social que vai sendo formado em nossa cultura.

O texto de Atos nos informa que Paulo teve o privilégio de chegar a Atenas. Era a principal cidade da Grécia. Era um grande centro intelectual, cultural, artístico e religioso, a metrópole intelectual do Império. Atenas tinha o direito de ser cidade livre, embora seu governo não estivesse sob autoridade do povo, mas de um concílio chamado Areópago.

O verso 16 evidencia a clara perplexidade do apóstolo ante a multiplicidade religiosa existente na cidade. Atenas vivia um grande pluralismo religioso.

Vejamos as principais lições que podemos extrair do tema a partir do texto básico:

1. Percepção do mundo ao seu redor (V. 16)

Antes de falar é fundamental conhecer o nosso tempo. Conhecer o nosso tecido cultural e religioso. Paulo primeiramente viu, olhou, contemplou, percebeu. Pregar o evangelho sem conhecer o mundo e o homem que nele vive é correr o risco do "suicídio evangelístico".

O sentido do verso 16 era de uma cidade que vivia sob o domínio dos ídolos. O verso 22 vai nos dizer também que Paulo os vê "acentuadamente religiosos". Havia mais deuses em Atenas do que em toda a Grécia.

Paulo, primeiramente, ficou impressionado com a idolatria da cidade. Ele não teve tempo nem mesmo de apreciar a beleza da cidade. Havia em Atenas muitos templos, santuários, estátuas e altares. Na verdade, todo o panteão grego estava ali presente. Todos os deuses do Olimpo.

Olhando para o nosso tempo, numa dimensão religiosa, não é mais Deus quem nos escolhe; nós é que o "selecionamos" na prateleira do supermercado religioso.

E assim, à medida que cresce no homem a necessidade de experimentar o maior número possível de opções, a pluralidade vai tornando tudo por demais superficial, a ponto de valores como constância, fidelidade, permanência, transformarem-se em verdadeiras relíquias.

E nessa perspectiva que somos desafiados a atentar para um fenômeno "novo" que tem ocorrido em nossos dias: uma tremenda efervescência religiosa. O misticismo buscando, com toda força, retomar o seu lugar, ora perdido.

O Brasil vive esta realidade de forma muito intensa. O problema do homem moderno, portanto, não é a falta de religião, o ateísmo e o secularismo, mas, ao contrário, a super oferta de sentido religioso que o cerca por todos os lados.

Um dos grandes problemas da modernidade e da pós-modernidade, é a rotação paradigmática. Ou seja, onde Deus era o centro, o paradigma, agora o homem governa. Nesse sentido, vive-se uma realidade antropocêntrica (o homem é o centro): a fé torna-se cativa no reino da razão.

Um dos grandes paradigmas desse nosso tempo é a pluralização, ou seja, vive-se um mundo repleto de opções, em todos os sentidos, inclusive o religioso. Nascem fontes autônomas, capazes de gerar sentido de vida. A consequência natural é que o Cristianismo torna-se apenas mais um item ao lado de outros.

Como diz um teólogo católico, prof. França Miranda, em um artigo "A salvação cristã na modernidade": "com a emancipação dos vários setores da cultura e da sociedade (política, ciência, economia, arte, etc.) fragmenta-se o universo simbólico unitário do passado de cunho eminentemente cristão.

Os diversos setores socioculturais tornam-se autônomos, gozando de inteligibilidade e normatividade próprias e apresentando cada um deles sua interpretação da realidade, seu universo simbólico respectivo, simplesmente ignorando ou prescindindo dos princípios cristãos".

Nasce a consciência de absoluta liberdade de escolha. O homem agora é livre para escolher tudo, inclusive sua própria religião. Não só escolher, mas fazer sua própria síntese religiosa. Ele passa a ser um sincrético, ou seja, na construção de sua espiritualidade ele apanha elementos de várias religiões. Nesse mundo das opções, a vida torna-se absolutamente superficial. O homem é um incansável ser em busca de novas experiências e se revela extremamente fragilizado em suas convicções.

O homem do nosso tempo carrega em si a marca do utilitarismo. No campo religioso surge a teologia da prosperidade que, dentre outras coisas, ensina que o homem pode tirar o máximo proveito de Deus e da religião. Deus é quem está a serviço do homem e não o contrário.

Outra grande marca desse nosso tempo é o individualismo exacerbado. O homem atual perdeu o senso comunitário. Tornou-se também um consumista da religião. A religião tradicional vive uma tremenda crise, cedendo espaço para milhares de pequenos grupos religiosos, do zen-budista às pirâmides de cristais. Ainda dentro desse aspecto, como se não bastasse, o homem fundamenta toda a sua vida apenas nas emoções, no sentir, no ter experiência.

A religiosidade pós-moderna está centrada no afetivo-religioso, onde a doutrina não tem valor, pois o que importa é o que se sente, se experimenta. O homem entra numa roda viva atrás de novas sensações, tornando-se um andarilho da fé. Nada o satisfaz. Isso se dá porque não há limite para as emoções.

2. Pregação genuína da Palavra de Deus (VS. 17,18)

O verso 17 é enfático em afirmar que, em face ao pluralismo religioso, Paulo sente-se constrangido a pregar acerca de Jesus e da ressurreição. Ele não abre mão da Palavra. Foi a partir de sua percepção que nasceu a necessidade do anúncio. Paulo não negociou a Palavra. Não abriu mão dos pressupostos da fé cristã.

Interessante que o tempo parece se repetir. Paulo em Atenas percebe a mesma situação de hoje em dia, ou seja, a liberdade de expressão. Os altares eram muitos, porque muitos eram os deuses. Conteúdo é um elemento muito pequeno diante da insaciável necessidade de se expressar. O conteúdo torna-se irrelevante nesses nossos dias.

Paulo reagiu àquela situação e passou a discorrer sobre os fundamentos de sua fé. Ele compartilhou o evangelho. Aproveitou a oportunidade. Não basta percebermos a realidade do mundo. É preciso agir. Da mesma forma Jesus Cristo pregava a Palavra de Deus no poder do Espírito Santo (Mc 1.14-20; Lc 4.14-30).

O grande desafio para a Igreja, hoje, é desenvolver novas formas viáveis de evangelização, de missão cristã e de presença no mundo secular moderno. Há aí toda uma responsabilidade de repensar nossos conceitos sobre evangelização e nossas próprias estruturas, por vezes transformadas em grandes obstáculos ao agir da Comunidade.

Pregação genuína do evangelho tem a ver com uma ação evangelizadora que atinja todas as dimensões da existência humana. Devemos tratar de corrigir a tendência, consciente ou inconsciente, da prática evangelística do passado, que separava a proclamação verbal dos atos, as preocupações espirituais das temporais, o testemunho do serviço, reflexo de um conceito idealista da realidade, e não de um conceito bíblico.

No Novo Testamento, a proclamação do Evangelho encontra sua expressão na obediência concreta, pois não há boas obras sem vida em Cristo (At 1.8; 2.14-41; 8.1-8, 26-40).

A Igreja não pode jamais se esquivar dessa responsabilidade. Jesus Cristo disse aos apóstolos: "recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra" (At 1.8).

É no seguimento de Jesus de Nazaré que a Igreja torna-se a Igreja do caminho, onde a pregação das Boas Novas tem que ser pregada onde estamos e além fronteiras. Geograficamente a igreja precisa ser a Igreja das ruas. A missão da Igreja é a razão de ser da sua existência. É a sua vocação especial. Portanto, a Igreja tem um caráter genuinamente missionário ou deixa de ser igreja.

3. Preparo para aceitar os desafios de uma cidade plurirreligiosa (VS. 18-21)

Digno de nota é o fato de que Paulo pregou o evangelho a todos ali em Atenas. Falou nas sinagogas. Depois ia ao centro da cidade, na praça, onde pregava àqueles que por ali passavam. Por último, ele começou a debater com os filósofos epicureus e estoicos. Paulo era um homem preparado.

Essa questão do preparo é interessante pelo fato de que, no verso 18, os filósofos o chamam de tagarela, numa alusão àqueles que eram "zelosos catadores de coisas usadas de segunda classe". Em outras palavras, diziam: "de onde vem esse plagiador ignorante", "esse charlatão", etc.

Estas duas correntes filosóficas eram materialistas. O epicurismo, fundado por Epicuro (morto em 170 a.C.), acreditava nos deuses, mas muito distantes, sem qualquer interesse pelas questões humanas.

O mundo estava ao acaso. Os epicureus eram os filósofos do jardim. Já os estoicos, eram os filósofos do pórtico. O Estoicismo foi fundado por Zenão (336-264 a C). Eram panteístas. Criam num mundo determinado pelo destino. Resumindo, os epicureus tinham a marca do acaso, a fuga e o prazer; os estoicos enfatizavam a fatalidade e a capacidade em suportar a dor.

Paulo tinha conhecimento dessas filosofias. Não foi enganado por nenhum sofisma filosófico-religioso. Da mesma forma a Igreja e cada um de nós deve estar preparada para responder aos desafios do mundo. Sabemos, infelizmente, de pessoas que estavam em igrejas e passaram a frequentar seitas como Testemunhas de Jeová. Isso é falta de conhecimento da Palavra.

4. Capacidade de inculturar-se para transmitir o evangelho (VS. 22-31)

Paulo prega o evangelho a partir da própria cultura religiosa de Atenas. E a partir de dentro do próprio tecido religioso que Paulo acha pontes para proclamar as Boas Novas de salvação. Ele percebe também um "altar ao Deus desconhecido". Este foi o gancho a partir do qual Paulo começa todo um processo de evangelização.

Paulo, então, começa a falar acerca de Deus como criador do universo (v.24); fala de sua providência (v.25), como aquele que mantém todas as coisas; fala da soberania e do governo de Deus (vs. 26,27); diz que o homem está separado de Deus (v.27); anuncia nossa total dependência de Deus (v.28); faz crítica veemente a idolatria reinante na cidade (v.29); fala do juízo de Deus, que chama o homem ao arrependimento (vs.30,31).

Alguns comentaristas dizem que Paulo não foi muito feliz em sua pregação. Outros afirmam que ele usou os métodos corretos de anúncio da Palavra naquele contexto específico. Prefiro ficar com o segundo grupo, posto que não podemos avaliar o conteúdo de uma mensagem a partir de seus resultados aparentes (vs. 32-34).

Um dos grandes desafios da Igreja de Atos sempre foi articular sua fé com as culturas onde esta fé chegava, buscando, mesmo sem conhecer técnica e cientificamente a questão da Inculturação da Fé, uma assimilação da mensagem evangélica e partir de dentro mesmo da cultura que a recebe pela evangelização e a compreende e traduz segundo o seu modo próprio cultural de ser, de atuar e de comunicar-se."

Paulo era criativo. Em Atenas sua estratégia era dinâmica, usava as sinagogas para falar aos religiosos, usava praças para pregar a quem interessasse, a quem passasse, e usava o teatro universitário e o Areópago, o lugar dos grandes oradores, na dinamicidade da implantação da Igreja de Jesus naquele lugar.

Portanto, percebemos com clareza que esta estratégia missionária estava presente em toda a ação missionária de Paulo. Sem dúvida, um dos fatores preponderantes do seu sucesso missionário foi evangelizar a partir das culturas existentes.

O apóstolo Paulo usou uma estratégia basicamente simples, ou seja, consciente de que só tinha uma vida, e estava decidido a usá-la o máximo possível, tirando dela o melhor proveito no serviço de Jesus Cristo.

O fato é que o termo inculturação possui uma ligação bastante estreita com a teologia da "Encarnação". A inculturação significa a íntima transformação dos valores culturais autênticos, pela sua integração no Cristianismo, e o enraizamento do Cristianismo nas várias culturas.

Em outras palavras, é o processo pelo qual a Igreja encarna o Evangelho nas diversas culturas e simultaneamente introduz os povos com as suas culturas na sua própria comunidade, transmitindo-lhes os seus próprios valores, assumindo o que de bom existe, e renovando-as a partir de dentro.

A inculturação do Evangelho é, assim, um trabalho que se realiza no projeto de cada povo, fortalecendo sua identidade e libertando-o dos poderes da morte.

Medo é algo que não podemos ter no que diz respeito ao desafio de contextualizar-nos aos novos tempos sem, contudo, perder nossos referenciais bíblicos, históricos e reformados. O sucesso da Igreja começa na Palavra de Deus. O grande problema do nosso povo não é de falta de Bíblia, mas da Palavra no seu coração.

A dinâmica de viver ancorado na Palavra, mas acompanhando o compasso dos tempos, significa que a Igreja não pode negociar os valores do Reino. As verdades bíblicas precisam ser vividas e pregadas em amor e o amor precisa ser vivido e anunciado sempre em verdade (Ef 4.15).

No equilíbrio da verdade da Palavra e do amor à verdade da Palavra é que conseguiremos ser e fazer a diferença em nossos dias. Só assim é que a mensagem do Evangelho alcançará, de fato, os corações do homem moderno. Que seja assim em nome de Jesus!

Aplicação

Como tem sido o seu testemunho diante do mundo? Qual tem sido o seu interesse por evangelização? De que forma você pode evangelizar?


Lista de estudos da série

Fundamentos da Missão: Por que Evangelizar?

1. Novo nascimento: o evangelho que transforma tudo – Estudo Bíblico 

Estratégias de Evangelismo: Métodos e Abordagens

14. A estratégia de Paulo no supermercado da fé – Estudo Bíblico sobre Atos 17 

Semeando Vida

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