Texto básico: Mateus 25.31-46
Introdução
Uma questão ainda difícil na igreja moderna é com respeito à sua atuação no serviço social.
Qual o lugar que a ação social pode ocupar no cumprimento da vocação missionária da igreja? Como poderíamos, especificamente nos centros urbanos, relacionar a ação social às estratégias evangelísticas para alcançar a nossa cidade para Cristo?
Neste estudo, vamos abordar essa questão a partir do grande julgamento registrado por Mateus. A compreensão dessa passagem poderá oferecer orientação para o cristão que deseja cumprir efetivamente a sua missão diante de uma sociedade problemática e desigual.
I. O grande julgamento em Mateus
O Senhor Jesus afirmou que o grande julgamento final ocorrerá em seguida à sua volta majestosa, quando ele virá acompanhado de todos os seus anjos e "se assentará no trono da sua glória" (v.31).
Todas as nações estarão reunidas diante dele e aqueles que são seus serão separados dos que não são, indo para lados opostos (vs.32,33). Cristo, o Rei, então, chamará os salvos para a glória eterna que lhes está reservada "desde a fundação do mundo" (v.34). Estes gozarão tal benefício porque o haviam assistido em circunstâncias de adversidade (VS.35,36).
Quando for indagado pelos redimidos sobre quando eles o haviam socorrido daquela maneira (vs.37-39), o Senhor Jesus lhes responderá que isso ocorreu todas as vezes que tais atos foram dirigidos a um dos seus pequeninos irmãos (v.40).
A partir do versículo 41, o quadro se repete; só que agora Cristo afastará da sua presença aqueles que não lhe prestaram os auxílios acima descritos. Quando o interrogarem sobre as circunstâncias de tais omissões, ouvirão dele palavras semelhantes àquelas da situação anterior, porém justificando a condenação destes. A sentença contra a sua omissão vem como uma clara demonstração da impiedade deles (vs.40-45).
O nosso Senhor concluiu afirmando que os desobedientes irão para fogo eterno, ao passo que os obedientes entrarão na posse do reino eterno (v.46). Foi com essa solene advertência que o Filho de Deus terminou a descrição do grande julgamento.
No coração dessa descrição está o recado de que os julgamentos pressupõem as responsabilidades pessoais dos indivíduos para com os seus atos. As sentenças, por sua vez, estão relacionadas às ações propriamente ditas, qualificantes de cada uma.
Tais aspectos estão presentes em todos os julgamentos, os quais não versarão sobre o mérito das pessoas, nem sobre o resultado da diferença entre os seus atos bons e os maus, correspondendo o destino final dos homens ao valor resultante dessa conta.
Se fosse assim, mais atos de bondade dariam direito à salvação e atos impiedosos selariam a sua condenação eterna, mas todos nós sabemos que a salvação é apenas pela graça de Deus (Ef 2.8,9).
Como vamos, contudo, harmonizar esta doutrina com o evidente final do livro de Apocalipse, que não deixa dúvidas sobre o fato de que o critério usado para o julgamento é mesmo o das obras (Ap 22.12,13)?
Só há uma resposta evidente a ser procurada: a que explique uma íntima relação entre a operação da graça de Deus e a realização de obras pelos cristãos.
II. As evidências da fé verdadeira
Há uma relação entre a salvação pela graça somente e a necessidade da apresentação de boas obras por parte daqueles que aspiram à vida eterna, que não é mero discurso forçosamente construído por quem costuma assumir a postura de buscar agradar a "gregos e troianos", mas sim uma relação biblicamente sustentável e praticamente responsável.
Essa relação é aquela que afirma que as boas obras devem acompanhar a fé verdadeira como uma das suas evidências, também como uma expressão da continuidade da operação da graça de Deus na vida dos pecadores.
Entenda-se boas obras como atos de consciente obediência bíblica visando à glória de Deus. João Batista já anunciava a necessidade da evidência dos frutos para que se confirmasse a genuína experiência espiritual (Mt 3.7-10), pois desde os seus dias até os atuais existem pessoas equivocadas quanto à sua real situação espiritual.
As atitudes bíblicas são marcas e frutos legítimos e necessários da verdadeira fé salvadora, ambos concedidos pela graça de Deus.
Tais boas obras devem estar presentes na vida de todos aqueles que são cristãos, pois Deus continua a trabalhar na vida daqueles nos quais começou a sua obra e o fará até que ela esteja completa (Fp 1.6).
Os salvos, por sua vez, devem se esforçar por mostrar crescente evidência da sua vocação (Fp 3.12-14) e, ao perseguirem esse projeto, vão manifestando ao mundo que verdadeiramente foram alcançados por Deus através das suas atitudes.
Sendo assim, o texto básico parte do conceito bíblico de que é tão certo que os verdadeiros cristãos haverão de manifestar boas obras através das quais Deus será glorificado (IPe 2.12), que os atos de cada pessoa serão o critério usado para o grande julgamento final, a ponto de ser uma demonstração da verdadeira fé e religião (IJo 3.7; Tg 1.22,26,27).
A relação que há entre a salvação graciosa pela fé somente e as boas obras praticadas pelos cristãos é a de causa e efeito, sendo as obras a consequência esperada da salvação pela graça, assim como se espera frutos bons de árvores boas (Mt 7.19,20).
A perspectiva bíblica adequada a este respeito, portanto, afirma que, depois de ter sido regenerado pelo Espírito Santo, o qual atua interna e espiritualmente no coração do pecador (Jo 3.3-7), este não apenas vem a receber a fé salvadora e o perdão purificador de pecados pela graça, mas também por ter tido o seu coração e o rumo da sua vida transformados (Ez 36.25-27), devido à sua união espiritual com Cristo (2Co 5.17).
O pecador regenerado tem em Cristo o poder, a saúde e o vigor espirituais necessários para frutificar para a glória de Deus (Jo 15.1,2,5). Tal capacidade vem exatamente dessa união espiritual com Cristo, sem a qual o salvo não teria condições de fazer nada.
Uma vez ativa na vida de um pecador, porém, a obra de Cristo acabará por se evidenciar através de frutos permanentes decorrentes da soberana graça divina (Jo 15.16).
III. Expressões de amor ao próximo
Quanto ao assunto em pauta, a verdadeira religião deverá se manifestar também numa sensibilidade espiritual para com aqueles que estão carentes e se encontram precariamente assistidos pelas estruturas sociais presentes em nosso subcontinente latino-americano.
É aqui que existem os mais elevados índices de desigualdade social do mundo e onde não basta comodamente professarmos uma fé teologicamente correta; é preciso evidenciá-la através de obras (Tg 2.18). Estas confirmarão que temos um novo coração, mais sensível e atuante, pronto para socorrer os que estão tão carentes em nosso meio.
Não devemos reduzir a piedade cristã à nossa conduta individual, como se não tivéssemos nenhuma responsabilidade para com os tantos carentes em nosso meio.
Não se trata apenas de comida, mas também de atenção, paciência, capacitação, oportunidades e outros recursos que lhes possibilite sair da situação de carência extrema na qual se encontram.
Esses recursos são as obras necessárias para o bem dos menos favorecidos, como evidências de uma fé verdadeira, que mobiliza o nosso coração para nos dirigirmos às pessoas procurando ajudá-las a serem promovidas desse estado de miséria no qual se encontravam. Em circunstâncias assim, quais seriam as boas obras as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas (Ef 2.10)?
A. A carência e a responsabilidade social
As graves diferenças sociais presentes em nossa sociedade latino-americana trazem sérias responsabilidades aos cristãos. Não se trata de prestarmos um mero assistencialismo, pois o mesmo não ajuda as pessoas a saírem do seu estado de miséria e dependência exclusiva das esmolas alheias ou institucionais.
É preciso que socorramos essas pessoas nas suas necessidades e as ajudemos a superarem as barreiras que se levantam entre elas e os recursos que lhes proporcionarão melhor perspectiva de vida, tais como: educação, qualificação profissional, condições de sobrevivência e responsabilidades pessoais.
A carência dessas pessoas é também um campo de atuação para a igreja cristã, a qual deve evidenciar concretamente que a graça de Deus não lhe fora manifesta apenas para a redenção da sua alma, mas também para mostrar a glória de Deus através de atitudes concretas (Tt 1.16; 2.14; 3.8).
O episódio do encontro de Zaqueu com Cristo nos ensina: quando a soberana graça providencia um encontro salvador de um pecador com o Filho de Deus, a fé salvadora decorrente desse encontro se manifesta ao menos na sincera disposição de dar-se a outros (Lc 19.8-10).
B. A expressão real de amor ao próximo
De acordo com João, quando um pecador se toma verdadeiramente um cristão, ele deverá manifestar que foi salvo por Deus através do amor fraterno (para com outros irmãos na fé especialmente, mas não exclusivamente).
Esse nobre sentimento é evidenciado por atos de dedicação e cuidado para com o próximo, que é o amor de fato e de verdade, e não apenas da boca para fora (1 Jo 3.18).
Porque, assim como Deus, nós também devemos dar provas do verdadeiro amor através de atos de sacrifício em benefício daqueles aos quais afirmamos amar (Jo 3.16; Rm 5.8).
Conclusão
Embora tenha havido uma espécie de dissociação entre sã doutrina e ação social nos últimos séculos, nós não devemos nos esquivar da tentativa de estabelecer uma boa relação entre as duas coisas.
Porque a nossa omissão não apenas pode nos privar de uma excelente oportunidade para testemunharmos sobre o evangelho de Cristo de forma relevante, mas também depõe contra nós apontando falta de amor ao próximo.
Ainda mais porque vivemos perto de tantas pessoas carentes dos mais diversos recursos que lhes possibilitem condições de vida melhores.
Aplicação
Diante do quadro social reinante nos centros urbanos da América Latina, quais seriam os atos mais adequados para demonstrarmos que o amor de Deus foi derramado em nossos corações (Rm 5.5)?
Quais as principais necessidades das pessoas que estão próximas a nós e como podemos ser úteis para ajudá-las a supri-las? Proponha à sua classe uma visita evangelística a um presídio para depois compartilharem a impressão de vocês quanto ao que ela significou para os presos.
Autor: Raimundo M. Montenegro Neto