Texto básico: 1 Coríntios 9.19-27
Introdução
Como compartilhar o evangelho com este mundo de realidade global, diversificada e plural em suas manifestações culturais e sociais?
São tantos os grupos humanos e tão distintos os valores e costumes presentes na sociedade, que os estudiosos falam em tribos urbanas, para identificar essas unidades de associação informal ou formal de pessoas que criam a sua própria cultura dentro da sociedade maior.
Em busca de uma orientação bíblica que lance luz estratégica para a evangelização dos centros urbanos, apesar de sua realidade diversificada e cosmopolita, analisaremos a atuação ministerial do apóstolo Paulo na cidade de Corinto.
Como veremos, a mesma já experimentava uma realidade semelhante naqueles dias do século II, dentro do internacional Império Romano.
I. Entendendo a sociedade urbana
Um fato importante está se confirmando em praticamente todo o mundo atual: o processo de urbanização. As populações estão se concentrando cada vez mais nos centros urbanos, e mais particularmente nas maiores cidades.
Como as pessoas vêm das partes mais diversas, das proximidades da cidade, de partes mais distantes do próprio estado ou região, de lugares mais distantes dentro do próprio país e, às vezes, até de outros países do mundo, cidades com grande diversidade cultural tem sido geradas.
Estas são chamadas de cidades cosmopolitas, nas quais um pouco do mundo todo pode ser achado. Isso se deve tanto ao movimento de grupos migratórios, os quais levam a sua língua, culinária, costumes, enfim, a sua cultura, quanto à globalização.
Esta última é o resultado dos meios de comunicação em massa, os quais têm difundido pelo mundo afora a diversidade cultural do nosso planeta promovendo um compartilhamento de dados entre os países como jamais ocorreu antes.
A TV, o rádio e a Internet transmitem imediatamente as novidades de quaisquer partes do mundo para todo o restante do planeta. Hoje acompanhamos um evento em um ponto qualquer do globo praticamente no mesmo instante em que ele ocorre devido à citada globalização.
Muitos fatores colaboram para esse fenômeno mundial.
O primeiro deles é a economia, que move grandes instituições. As grandes multinacionais têm filiais espalhadas pelo mundo todo e, juntamente consigo, transferem muitos funcionários pelo mundo afora possibilitando o intercâmbio cultural e a formação de uma aldeia global.
O entretenimento também se globalizou, pois filmes, seriados e eventos esportivos são compartilhados por todo o mundo. A Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas se tornaram verdadeiras festas internacionais, celebradas como se o planeta inteiro fosse um único país.
Enfim, percebemos que a realidade vista e vivenciada nos centros urbanos é diversificada na cultura, nos grupos sociais, nos costumes, nos gostos e nas condutas, ou seja, nas cidades se vive uma realidade plural e não um padrão único.
Se não precisamos ser destacados no conhecimento técnico, como o foram Daniel e os seus amigos nos seus dias (Dn 1.3,4), para que cumpramos bem o ministério evangelístico urbano, por outro lado, devemos ser conhecedores da nossa própria época como o foram os filhos de Issacar no tempo deles (ICr 12.32), os quais compuseram o vitorioso exército do rei Davi.
A. O pluralismo social - tribos humanas e minorias
Quando falamos sobre uma cidade, na verdade estamos falando sobre várias cidades, mesmo em um país continental como o nosso, onde se fala uma única língua. Tal diversidade acaba nos apresentando uma sociedade complexa, subdividida em vários grupos humanos, um verdadeiro pluralismo social.
Na sociedade na qual vivemos, vários grupos menores convivem simultaneamente tentando preservar um elo, uma unidade social na qual os seus componentes se sentem aceitos e que lhes confere uma identidade própria e particular.
Tais grupos não são fortes apenas entre os adolescentes, mas também entre muitos adultos, os quais se associam em torno das suas atividades profissionais, das suas convicções religiosas, das suas práticas esportivas, das suas preferências de entretenimento, dos times esportivos, das ideologias políticas ou sociais, das suas formações técnicas e educacionais, dos seus lugares de origem, das escolas onde estudam os seus filhos, das suas preferências musicais, etc.
Como pudemos ver, são vários os grupos aos quais as pessoas podem se associar e, em cada um deles, os níveis de importância e influência também são variados, mas não é incomum que um mesmo grupo de pessoas compartilhe muitos desses valores entre seus membros simultaneamente, o que produz uma unidade muito forte de ligação entre eles.
E quando se tornam verdadeiras tribos urbanas. De todos os grupos possíveis em uma sociedade, os de minorias étnicas permanecem sendo os mais fortes.
Eles possuem um conjunto de fatores que, somados, oferecem uma identidade cultural própria (em cujo coração está a língua nativa da pátria de origem), que vai sendo preservada pelos membros do grupo ao longo das gerações. Em nosso país temos vários desses grupos que, com o tempo, tendem a se misturar com o mais forte, nacional.
Nosso país tem historicamente absorvido tantos grupos étnicos e culturais distintos, que chegou ao ponto de possuir uma sociedade que, se não é homogênea, pelo menos mantém uma boa interação entre as suas partes, o que não ocorre na Índia, por exemplo, onde os diversos grupos estão fadados à quase absoluta e permanente distinção.
Em um caso ou no outro, importa que a eles seja anunciada a Palavra de Deus, pois é dentre os mais variados grupos que Deus chamará aqueles que comporão o seu povo (Ap 7.9,10).
B. O pluralismo religioso - muitos credos e crenças
A língua e a religião são elementos essenciais da identidade própria de um povo; daí a tendência de cultivá-las e preservá-las ao longo das gerações.
Esse princípio vem sendo seriamente considerado na obra missionária, especialmente na comunicação do evangelho a grupos de cultura diferente; daí o esforço missionário protestante de traduzir a Palavra de Deus para a língua nativa de uma nação, pois a maioria dos missiólogos a consideram a "língua do coração" do seu povo.
A realidade cosmopolita dos grandes centros urbanos nos impõe a necessidade de considerarmos não apenas a pluralidade linguística, mas principalmente a pluralidade religiosa.
Esta decorre não apenas das diversas correntes migratórias, que vieram a montar a diversidade cultural das grandes metrópoles, mas também da franca liberdade de expressão religiosa da qual normalmente se desfruta nos centros urbanos, onde o índice de mudança religiosa é comumente mais elevado do que em um centro urbano pequeno ou no meio rural, onde as barreiras a mudanças são mais efetivas.
É, portanto, recomendável àqueles que queiram desenvolver um ministério evangelístico urbano, que estejam atentos à diversidade religiosa. Isso é necessário para que o evangelho seja comunicado com clareza aos que professam outro credo, pois, dependendo da fé professada, a maneira de abordar e comunicar a mensagem será diferente (ICo 9.19,20).
O que não pode mudar é o evangelho em si, pois ele é o elemento eficiente na condução dos pecadores das falsas religiões à fé cristã bíblica e verdadeira (Rm 1.16; ITs 1.9).
II. Conhecendo o ministério coríntio
Paulo era um cidadão cosmopolita, pois nascera na cidade de Tarso, da região da Cilícia (At 21.39). Esta era uma cidade romana com destacados privilégios, o que outorgou a ele o direito de cidadania romana por nascimento (At 22.27,28).
Era uma verdadeira cidade cosmopolita romana, onde pessoas e culturas distintas conviviam sob a proteção, o poder e o domínio do maior império global então em vigor, o Romano.
Paulo possuía pelo menos duas fortes influências culturais em sua formação: a judaica, quanto à sua origem e instrução religiosa (At 22.3), e a romana, quanto à consciência dos seus privilégios (At 22.25,26) e da pluralidade do seu caldeirão cultural.
Isso transparece nos seus escritos, nos quais ele cita abundantes exemplos ilustrativos retirados principalmente da vida cotidiana de uma cidade cosmopolita como era Tarso (2Tm 2.4-6).
Observemos que as ilustrações do apóstolo aos gentios são bem distintas das usadas pelo nosso Senhor, que crescera na provinciana Nazaré. Cristo usava comumente quadros do cotidiano rural agropecuário ou marítimo por causa dos seus ouvintes, que, na sua maioria, vinham das regiões interioranas da Judéia, da Peréia ou da Galiléia.
O apóstolo Paulo estava habituado à realidade cosmopolita, pois convivia diariamente com pessoas de variados povos, línguas e culturas, como um autêntico cidadão romano, filho de um império global.
Essa habilidade para conviver com a diversidade o auxiliou no seu ministério apostólico entre os gentios e, por que não dizer que isso fora providencialmente preparado por Deus para a universalização do Cristianismo (At 9.15,16)?
Fato é que Paulo soube se utilizar dessa diversidade presente no Império Romano dos seus dias para favorecer a divulgação do evangelho. Agora vamos observar como esse entendimento esteve presente na sua prática ministerial na cosmopolita Corinto.
A. Entendendo a diversidade em Corinto
De acordo com estudiosos, Corinto era uma das maiores cidades do Império Romano e, devido ao seu fácil acesso marítimo, um centro comercial estratégico. Corinto era uma verdadeira cidade cosmopolita e de baixo nível moral, conforme a fama de seus habitantes. Sua população era composta de pessoas de variadas origens sociais e religiosas.
No texto básico, Paulo afirma que usou a sua liberdade para dedicar-se profundamente à tentativa de alcançar o maior número possível de pessoas, identificando-se com elas através do seu estilo de vida.
Ele expressou uma grande flexibilidade de atuação ministerial com o propósito claro de alcançar para Cristo quantos conseguisse (vs. 19-22).
Depois, Paulo afirmou ainda que fez de tudo por causa do evangelho, do qual se considerava colaborador e o qual se esforçava conscientemente para divulgar (vs.23,24).
Por último, ele ressaltou as suas solenes responsabilidades nessa atividade evangelística, tanto diante dos outros, aos quais anunciava o evangelho, quanto diante de si mesmo, o seu portador (vs.25-27).
Ainda em 1 Coríntios 9.19-27, percebemos que Paulo procurou alcançar cada um dos segmentos sócio-religiosos presentes, estabelecendo amizade com os mesmos, gerando pontos de contato que fossem biblicamente aceitáveis, ainda que culturalmente distintos.
Tal empenho de Paulo para alcançar os diversos grupos sócio-religiosos para Cristo não foi pequeno, nem fácil, mas foi verdadeiramente sensível às peculiaridades de cada um.
Ele ainda foi absolutamente fiel na comunicação do Cristo bíblico e profundamente contundente na apresentação do evangelho, pois o apóstolo dos gentios efetivamente procurava convencer os seus ouvintes acerca da verdade bíblica.
B. Desenvolvendo um ministério diversificado
Do exemplo do apóstolo Paulo na cidade de Corinto, aprendemos que é preciso flexibilidade para evangelizarmos um grupo, considerando as suas peculiaridades durante o processo das missões urbanas. Sendo assim, destacamos dois aspectos a serem observados na prática de transmissão da mensagem do evangelho nos grandes centros urbanos.
1. As oportunidades de atuação diversificadas
As igrejas que procuram alcançar especificamente um ou mais desses grupos presentes na sociedade cosmopolita, o fazem através de variadas atividades dirigidas especificamente aos respectivos grupos aos quais pretendem alcançar. Ouvimos falar sempre sobre esses trabalhos sob o título de ministérios.
São, portanto, ministérios com minorias étnicas, através dos quais normalmente são realizados cultos nas suas respectivas línguas nativas, o que inclui a interpretação simultânea do culto para a linguagem de sinais (para surdos e mudos).
Há também ministérios com faixas etárias específicas, o que em muitas igrejas são desenvolvidos através das suas sociedades internas.
É possível ainda o ministério com profissionais, através do qual encontros com palestras sobre temas específicos são realizados.
São necessárias prudência e coragem para se desenvolver trabalhos desse tipo. Prudência, para não se correr o risco de legitimar todo tipo de atividades, incluindo algumas inadequadas (como o ministério da dança, por exemplo, através do qual supostamente se redimiria o uso profano da dança, dando-lhe utilidades litúrgicas).
Coragem, ao se estabelecer trabalhos evangelísticos audaciosos tendo em vista os padrões convencionais das igrejas (como, por exemplo, um ministério de recuperação de drogados, através do qual se procura restaurar a imagem de Deus na vida de pessoas que estiveram sob a escravidão dos entorpecentes). É claro que muitos desafios acompanharão um trabalho evangelístico com esse perfil.
2. Os desafios para desenvolver a unidade
Uma crítica comum que se levanta contra esse tipo diversificado de trabalho é que ele acaba produzindo "pequenas igrejas" dentro da igreja, de acordo com o número de ministérios.
Essa crítica, entretanto, não é de todo verdadeira, pois existem atividades que são dirigidas apenas por e para um segmento, ainda em igrejas pequenas, como é o caso das sociedades internas.
A unidade da igreja pode ser trabalhada através da valorização das celebrações coletivas e da ênfase na unidade espiritual do corpo de Cristo. Além disso, podem ser promovidos encontros de integração entre dois ou mais grupos familiares.
Num certo sentido, a existência de pequenos grupos, ainda que informais, vai se tornando uma realidade cada vez maior à medida que a igreja local vai crescendo.
Conclusão
Os diversos grupos humanos presentes nos centros urbanos podem ser mais bem alcançados se tivermos atividades especificamente dirigidas a eles, desde cultos celebrados nas línguas próprias dos grupos étnicos aos quais queremos alcançar, até encontros direcionados a grupos específicos, como retiros religiosos para estudantes universitários, com debates sobre a relação entre a fé e a razão.
Devemos nos estimular a aproximar-nos dos diversos grupos da sociedade de diversas maneiras a fim de alcançá-los, segundo exemplo de Paulo, procurando depois integrá-los na igreja.
Aplicação
Quais grupos sociais a sua igreja local tem condições de alcançar? Quais seriam as estratégias mais apropriadas para alcançar esses grupos?
Verifique qual é o perfil das pessoas que estão mais próximas da sua igreja, mas que ainda não têm recebido a devida atenção evangelística.
Pense nos meios mais adequados para alcançá-las. Você está pronto para se engajar nessa missão?
Autor: Raimundo M. Montenegro Neto