O profeta e a injustiça social: Por que Deus se importa tanto com os oprimidos? – Estudo Bíblico sobre Justiça Social

Texto central: Amós 2.6-16

Introdução

Mudam os tempos, os sistemas de governo e a estrutura econômica, mas a realidade permanece a mesma: a injustiça. O grande problema não está na forma de governo ou no sistema econômico adotado, o problema está no coração do ser humano.

A ambição, a cobiça, a busca desenfreada do poder, acabam gerando os grandes desequilíbrios sociais em qualquer povo de qualquer época e região.

A realidade enfrentada pelos profetas era composta de desigualdades sociais. Que disseram os profetas da situação social de seu tempo?

O problema não era ser rico, mas a maneira como a pessoa estava enriquecendo: roubando, falsificando, oprimindo. Não havia nenhuma virtude ou pecado em ser pobre. Os pobres eram defendidos por estarem sendo roubados, oprimidos, violentados e humilhados.

O profeta, como agente de Deus, observava essa realidade e denunciava o pecado da nação, especialmente dos detentores do poder, chamando-os à responsabilidade.

Como o profeta chegou a conclusão de que tal estilo de vida era contrário à vontade de Deus? Vamos buscar na experiência do ministério profético a resposta para nossa questão.

1. A compreensão de que Deus é justo

Os profetas tinham a plena percepção de que o Deus de Israel é um Deus extremamente justo. E os problemas sociais ocorreram em consequência da queda e da opção pela injustiça.

Foi Deus quem formou o povo de Israel, foi Ele quem chamou o povo em Abraão, Isaque e Jacó e lhes deu descendência. Foi Ele quem os tirou da terra do Egito e lhes deu uma legislação. Qual foi o objetivo de Deus ao fazer isso?

Proteger e dirigir o seu povo para que ele vivesse de modo a Lhe agradar, para lhes ser Deus, e eles o seu povo. Esta é a essência da Aliança (Gn 17.7-8; Lv 26.12).

Deus levantava seus profetas quando a nação, quer seja na realeza ou no meio do povo, deixava de lado as Suas leis. O que ocorre quando a lei começa a ser quebrada? Desigualdades, desordens, injustiças, ódio, adultério e assassinatos. E não há meios de se deter isso, uma vez que as leis não são obedecidas. Prevalece a lei do mais forte.

Deus estabeleceu leis para manter a estabilidade da nação e evitar a extrema pobreza (Lv 25.35-38); leis que determinavam a relação com os escravos (Lv 25.39-55); leis que pudessem manter os órfãos, viúvas e estrangeiros vivos e supridos.

Em caso de um pobre não ter colheita, os demais deixavam algo para ele, para que o mesmo não viesse a perecer (Lv 19.9,10; Dt 24.19- 22). Deus os faz lembrar de que eles haviam sido escravos no Egito e essa lembrança deveria fazê-los agir com solidariedade para com o seu próximo.

Deus também estabeleceu leis com respeito ao uso da terra (Lv 25.3-10). Os judeus entendiam que a terra pertencia a Deus. Deus era o único e verdadeiro dono da terra. Todas essas leis foram estabelecidas a fim de fazer prevalecer a justiça e proteger as pessoas, o trabalhador, o escravo, o pobre, o órfão, a viúva, o estrangeiro, etc...

Os profetas, movidos por Deus, entravam em ação quando percebiam que leis eram quebradas, esquecidas e deixadas de lado. Em lugar da fraternidade e justiça social, tremendos abusos começaram a ser cometidos.

Observe que Deus jamais condenou a riqueza, porém jamais tolerou o enriquecimento ilícito. A realidade é que, com o passar do tempo, alguns foram comprando terras, gente, casas, campos, etc.., às custas de opressão e injustiça (Is 5.8).

2. A opressão sem limites

Dentro do ideal divino, havia lugar para todos respeitando-se as regras de organização e conduta.

O grande problema é que começaram a acontecer, por desrespeito às leis de Deus, grandes desigualdades. O problema não era a desigualdade em si mesma. O que levou os profetas a tocarem na questão foram as injustiças.

Se Deus estabeleceu leis para proteger os pobres, viúvas, órfãos, escravos, estrangeiros, é porque haveria certas diferenças. Existem diferenças que são toleráveis e suportáveis, outras que são naturais e até mesmo necessárias.

O que não pode haver, e era exatamente a denúncia profética, é a opressão, o roubo, a indiferença, o desejo de adquirir tirando o que pertence ao outro através de suborno aos juízes, sacerdotes, falsos profetas, etc.

A partir de agora trataremos qual foi a palavra que o profeta trouxe da parte de Deus neste tempo de opressão social.

Isaías

Foi um dos profetas que clamaram contra a injustiça, o suborno, a maldade e a opressão destruidora contra o próximo. Isaías dizia que atos como aqueles eram ofensivos a Deus.

Quem tinha condições comprava a "justiça". Os juízes eram corruptos, os poderes oficiais se deixavam vender. Como poderia Deus tolerar semelhante coisa? Deixaria Deus impunes tais pessoas? Não pleitearia Deus a causa dos injustiçados? (Is 1.15-17,23; 5.8,23; 58.6,7).

Jeremias

O profeta Jeremias não poupou palavras para denunciar o enriquecimento ilícito e também a opressão contra pobres, viúvas e órfãos; também percebeu que a ambição tomava conta dos homens.

O profeta viu o rico comprando os tribunais, viu o perverso ser justificado e o justo condenado. Através do profeta, Deus, o justo, disse que iria castigar todo tipo de injustiça praticada pelo homem (Jr 5.26-29; 9.2-6; 22.13-17).

Amós

Foi outro que defendeu a causa dos oprimidos e injustiçados. Não se amedrontou diante das autoridades, acusou-as de conivência com as injustiças, denunciou o pecado de participarem de um sistema de vida que destruía os mais fracos, os humildes e os pobres da terra.

Amós era camponês de Tecoa (Am 1.1) e sentiu na pele a desigualdade social que, de forma brutal, aniquilava os pobres lavradores, não lhes deixando escolha a não ser trabalhar de graça, sendo vendidos e comprados como escravos.

Enquanto o império se expandia pelas mãos de Jeroboão II, os camponeses tinham que pagar o exército, o luxo e a suntuosidade da vida palaciana gerando uma desigualdade tão grande que causou repugnância aos olhos do profeta.

Amós trouxe a Palavra do Senhor denunciando a riqueza conseguida como fruto da violência e da exploração (Am 3.10). Os ricos tinham casas de verão, inverno, montanha, marfim e o casarão, enquanto os pobres passavam necessidade (Am 3.15).

Falou diante das finas damas, não poupando seu vocabulário, chamando-as de "vacas de Basă" (Am 4.1). Devido a todos os abusos cometidos contra os mais fracos, Deus irá tomar vingança, não poupará nenhum no dia do juízo (Am 4.2,3; 8.7-10).

Miquéias

Foi outro profeta que viveu no mesmo tempo de Amós, mas sua profecia se deu no reino do Sul, enquanto Amós profetizava no reino do Norte. Abusos que eram cometidos no norte, também aconteciam no sul.

A grande diferença entre a vida boa, regalada e luxuosa dos ricos com a vida miserável dos pobres era também sentida no sul. Miquéias se levantava, em obediência à voz de Deus, e clamava contra todos os abusos cometidos pelos detentores do poder. Ele sabia dos que passavam a noite planejando o mal, para o colocarem em prática à luz do dia (Mq 2.1,2).

Ele denunciava aquilo que era conquistado ilicitamente, às custas da mentira, da balança falsa e da opressão, e aqueles que se enchiam com o sangue dos outros (Mq 6.10-13). A liderança do país estava corrompida (Mq 7.3). Deus iria exercer vingança contra esta forma de vida corrupta.

Poderíamos citar outros que se colocaram em defesa dos oprimidos. De certa forma, todos os profetas vivenciaram um tempo de crises e foi exatamente em tempos de crise que Deus os convocou para anunciarem a sua Palavra.

Os profetas notaram a grande diferença, o grande abismo que se tinha aberto entre a riqueza adquirida pelo mal e a pobreza dos humildes e fracos da terra. Os profetas lastimaram ver os pobres, os fracos e humildes tão injustiçados em suas causas mais simples e ver os ricos se enriquecendo de maneira pecaminosa.

A situação era muito diferente do que Deus havia projetado, com leis que protegiam os pobres, as viúvas, os órfãos, etc. Os profetas foram chamados por Deus para denunciarem estas falhas tão gritantes.

3. Política sem Deus

Os profetas Samuel, Natã, Elias, Eliseu e Micaías, conhecidos como profetas anteriores, estiveram intimamente ligados à vida política de Israel, elevando os reis e, ao mesmo tempo, arrancando-os.

Os profetas interferiam em obediência aos comandos de Deus. Mas, quando os profetas falaram? Qual foi a atitude dos mesmos frente aos problemas políticos de Israel?

Samuel elevou Saul ao trono e se voltou contra ele por causa do seu afastamento de Deus; Natã disse que o reino de Davi seria eterno (2 Sm 7.16) mas, quando o mesmo se desviou do caminho do Senhor, não lhe poupou acusação, foi duro com o rei (2 Sm 12.1-5).

Como já vimos, para os profetas, o verdadeiro Rei é o Senhor. Deixar a Deus era caminhar para a desgraça. Quando os reis faziam o que era reto perante o Senhor (IRs 15.11; 2Rs 18.3; 22.2), as coisas caminhavam bem mas, quando se desviavam, tinham a capacidade de contaminar toda a nação e levá-la invariavelmente ao fracasso (2Rs 13.2,11; 15.17-20).

Pode-se notar que o grande problema era o desvio dos caminhos do Senhor, resultando em uma má administração política e, consequentemente, em injustiça. Usar o Estado como fonte de lucro, enriquecimento e fortalecimento pessoal, sem levar em consideração os desígnios de Deus, era loucura.

Os profetas tinham coragem e até mesmo audácia para denunciar somente porque estavam seguros em Deus.

Toda liderança política era confrontada pelos profetas. O rei, seus príncipes, ministros e juízes, todos eram corrigidos, censurados e criticados pelos profetas. A linha de ação do profeta sempre foi a Palavra. Eles pregavam e insistiam em sua pregação.

Como vimos no último estudo bíblico, usavam todos os meios para fazer com que a Palavra de Deus fosse entendida: encenavam, ilustravam, visualizavam, encarnavam em seus próprios corpos a mensagem de Deus seguindo o comando do próprio Deus.

Estas mensagens eram inesquecíveis e, mesmo que os líderes não as aceitassem, não poderiam deixar de lembrar daquelas palavras.

Os reis, em muitos casos, se mantinham longe do referencial divino, não governavam segundo o Espírito de Deus, não seguiam o conselho dos profetas verdadeiros e se apoiavam em alianças externas. Assim, deixavam o Senhor.

Os profetas se encontraram com a triste realidade de um governo sem Deus e, por isso mesmo, corrupto. Não titubearam em denunciar: Os juízes eram ladrões e amigos de ladrões, rebeldes, não pleiteavam a causa dos órfãos e das viúvas, invertiam os valores de Deus, diziam que o 'mal era bem e que o bem era mal, davam anistia aos perversos em troca de dinheiro, se vendiam e se deixavam comprar, afastando a justiça do meio de Israel, tornando a justiça em coisa amargosa.

Leis foram estabelecidas que mais oprimiam do que libertavam, que tornavam o poderoso mais poderoso e o pequeno ainda menor, que davam ao forte mais força e ao fraco enfraquecia ainda mais. O que fazer num tempo como esse? Segundo o mandado do Senhor, o profeta levantava sua voz, não se calava nem se conformava. (Is 1.23, 10:1-4; Jr 21.11-14; Am 5.7; Mq 3.9-10; Zc 7.9-10).

4. Política com Deus

Os profetas jamais perderam a esperança e, por isso, sempre estavam sonhando com um governo cujos padrões estivessem dentro da vontade de Deus.

O governo justo seria aquele em que Deus e Sua Palavra estariam acima de tudo e o desejo dos governantes seria fazer a vontade de Deus e não simplesmente usar o poder como uma forma de prosperidade pessoal.

Os profetas realmente sonhavam com uma política séria e com governantes dirigidos pelo Espírito do Senhor mas, o que é uma política séria? Segundo o que entendemos da palavra dos profetas, a política séria leva em consideração o seguinte:

1. A Palavra do Senhor

Com as qualidades essenciais como a direção do Espírito Santo, sabedoria e prudência, o líder político estaria dando ouvidos à Palavra do Senhor. Ele governaria tendo como instrumento de direção a própria Palavra de Deus.

A Palavra de Deus não faria parte apenas da tradição mas estaria moldando toda a maneira de se conduzir deste líder. O grande problema que os profetas presenciavam e denunciavam era o afastamento da Palavra.

Quanto mais o líder político se afastava, mais oprimia o povo. Estando firme na Palavra, perceberia que a forma de governo ideal incluía na lista de prioridades o próprio povo.

Não faria do governo um fim em si mesmo, mas um meio de alcançar os menos favorecidos com leis justas como as que o próprio Deus havia dado por meio de Moisés, que incluíam o dia para o culto e também de descanso, amparo para as viúvas, órfãos, estrangeiros, devedores, escravos, etc.

2. O caráter daquele que governa

Para se ter uma política séria, precisamos de governantes sérios, capazes e realmente vocacionados para a vida pública. Segundo os profetas, esse governante deveria ser: prudente, inteligente, sábio e, sobretudo, deveria ser guiado pelo Espírito Santo.

Assim, seria possível desenvolver um governo cujos fundamentos seriam a justiça, a retidão e o bem de todos. Fica óbvio que os profetas esperavam este líder na pessoa do Messias prometido (Is 9.1 -7; 11.3- 5; Jr 23.3-8; 33.14-16; Am 5.24; Mq 6.8).

3. As reais necessidades do povo

Como em parte já mencionamos e agora enfatizamos, uma política com Deus leva a sério as reais necessidades do povo.

No sonho e na imaginação profética haveriam tanta luz e conhecimento no meio do povo de Deus, que até os povos vizinhos e as demais nações ficariam perplexas e viriam buscar o conhecimento em Israel. Israel se transformaria na capital do conhecimento, na terra de onde emana toda sabedoria e a verdadeira luz.

Os profetas queriam fazer ver que a verdadeira força não está no poder econômico ou bélico mas em se confiar no Senhor Deus (Zc 8.20-23; Is 2.3-5).

Conclusão

Os profetas estiveram sempre presentes nas várias atividades da nação. Eles não deixaram de se envolver nas questões políticas da sua época. Foram fortes defensores de uma política que observasse a palavra de Deus e as reais necessidades do povo.

Eles defenderam a causa dos órfãos, das viúvas, dos pobres e todos os que, de uma forma ou outra, estavam sendo oprimidos, humilhados e destruídos pelo sistema político do seu tempo. Eles não se calaram, ao contrário, foram chamados também para esse mister.

Os profetas sabiam que o temor ao Senhor poderia acabar com a miséria, com a exploração e com a corrupção desenfreada. Sabiam que o Senhor é reto juiz. Eles imaginaram um país governado pelo próprio Deus. Não seria maravilhoso? Não seria extraordinário? Não seria feliz essa nação? (SI 33.12).

Infelizmente, as palavras dos profetas nem sempre foram ouvidas pelos líderes políticos. A liderança política em Israel se achava dona de si mesma e não se importava com a Palavra de Deus. Se dessem ouvidos à voz de Deus, teriam que corrigir suas vidas e, com certeza, perderiam os privilégios conseguidos às custas da exploração da minoria empobrecida.

A Palavra de Deus é sempre um convite ao endireitamento das nossas veredas, especialmente quando há evidências de uma vida arruinada.

Diante da resistência dos líderes políticos em face da corrupção generalizada, Deus decretou o juízo e os profetas não tinham dúvida de que ele viria. O desastre nacional era só uma questão de tempo. Cedo ou tarde eles cairiam em sua própria rede, pois assim o dizia a Palavra de Deus. O fracasso viria como consequência do pecado que estavam armazenando há tanto tempo.

Os profetas cumpriam a ordem de Deus, pregando a verdade. Diante dos fatos, das leis estabelecidas, da corrupção dominante, trouxeram a Palavra de Deus. Diante da opressão desmedida comunicaram a mensagem de condenação.

Os profetas falaram, criticaram, confrontaram, questionaram, chamaram a atenção da liderança, insistiram para que mudassem e buscassem o bem. Eles colocaram diante da nação o bem e o mal mas, infelizmente, a opção foi pelo mal.

Autor: Luiz Henrique Filho

Semeando Vida

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