Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Imagine-se em um tribunal, acusado de crimes que você sabe que cometeu. O Juiz é perfeitamente justo e conhece cada detalhe de suas ações e intenções. 

Do seu lado, você tem uma pilha de "boas obras", mas percebe que, para cada uma delas, há inúmeras falhas, motivos mistos e pecados ocultos. Enquanto aguarda o veredito, seu coração é consumido pela ansiedade. Haverá paz nesse cenário? Haverá segurança?

Esta é a situação de toda a humanidade diante de Deus. E é por isso que a doutrina da justificação é tão crucial. Não se trata apenas de uma questão teológica abstrata; trata-se da paz da nossa consciência e da glória de Deus. 

No último estudo bíblico, definimos a justificação como um veredito legal, não um processo moral. Agora, precisamos considerar dois aspectos fundamentais que devem estar sempre em nossa mente quando pensamos sobre este tema.

Ao discutirmos a justiça que nos aceita diante de Deus, duas coisas devem ser consideradas como prioridade máxima: primeiro, que a glória de Deus seja preservada intacta, sem qualquer diminuição. Segundo, que nossa consciência encontre um repouso tranquilo e uma segurança inabalável diante do Seu tribunal.

Qualquer doutrina que comprometa um desses dois pilares, por mais sofisticada que pareça, nos deixará ou com um Deus diminuído ou com uma alma atormentada. 

A verdadeira doutrina da justificação, como veremos, exalta a glória de Deus ao máximo e, ao mesmo tempo, oferece à nossa consciência a mais sólida e doce paz.

1. A justificação gratuita exalta a glória de Deus

A Escritura, com uma solicitude incansável, nos exorta a dar toda a glória somente a Deus, especialmente quando se trata de nossa justiça. 

O apóstolo Paulo afirma que o propósito de Deus ao nos conceder justiça em Cristo é "para demonstrar a sua justiça... para que ele seja justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus" (Romanos 3.26).

Pense nisso: a justiça de Deus é perfeitamente revelada quando Ele, e somente Ele, é reconhecido como justo e, ao mesmo tempo, concede o dom da justiça a quem não a merece.

É por isso que Paulo diz que "toda boca se cale, e todo o mundo seja culpável perante Deus" (Romanos 3.19). Por quê? Porque enquanto o homem tiver qualquer coisa em si mesmo para se defender ou se orgulhar, por menor que seja, a glória de Deus é, de alguma forma, diminuída.

Deus deixa claro, através do profeta Ezequiel, como Seu nome é glorificado. Ele diz que, quando nos lembrarmos de nossos maus caminhos e nos abominarmos por nossas iniquidades, então saberemos que Ele é o Senhor, pois Ele age por amor do Seu nome, e não segundo nossa maldade (Ezequiel 20.43-44). O verdadeiro conhecimento de Deus nos leva a entender que todo o bem que recebemos é imerecido.

Portanto, qualquer tentativa de roubar de Deus a mínima parte da glória de Sua livre graça é um grande mal para nós. 

Quando Jeremias clama: "não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR" (Jeremias 9.23-24), ele está nos ensinando que a glória humana se opõe à glória de Deus. Se nos gloriamos em nós mesmos, estamos nos gloriando contra Deus. 

A justificação gratuita nos despoja de toda a nossa glória para que possamos nos gloriar unicamente no Senhor.

Aplicação

  • Examine suas motivações para servir. Você serve a Deus e aos outros para construir uma reputação de "bom cristão" ou para que toda a glória seja Dele? A justificação gratuita nos liberta da necessidade de construir nossa própria glória.
  • Pratique a humildade radical. A verdadeira humildade não é apenas reconhecer alguns defeitos. É entender que, em nós mesmos, não há nada que mereça o favor de Deus. Essa percepção não nos leva ao desespero, mas à mais profunda gratidão pela graça.
  • Dê toda a glória a Deus em suas orações. Em vez de apresentar a Deus uma lista de seus méritos, aproxime-se Dele com uma confissão de sua total dependência e um louvor transbordante por Sua graça imerecida.

2. A justificação gratuita tranquiliza a consciência do pecador

Se agora voltarmos nossa atenção para o segundo pilar – a paz da nossa consciência –, não encontraremos outro caminho senão a justiça que nos é dada pela livre graça de Deus.

Lembre-se do que diz Salomão: "Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?" (Provérbios 20.9). A resposta é: ninguém.

Se nossa aceitação diante de Deus dependesse, mesmo que em parte, de nossas próprias obras, nossa consciência viveria em um estado de tormento perpétuo. 

Ao olhar para Deus, ela ou estaria segura em Seu juízo ou seria assediada pelos terrores do inferno. Não há meio-termo. Se nossa esperança repousa em nossos méritos, como poderíamos ter certeza de que satisfizemos plenamente a Lei de Deus?

Essa incerteza destrói a fé. Como diz Paulo, "se os da lei é que são os herdeiros, anula-se a fé e cancela-se a promessa" (Romanos 4.14). 

Por quê? Porque a fé, para ser fé, precisa de um fundamento sólido onde possa descansar. Confiar não é vacilar, duvidar ou desesperar. Confiar é ter o coração firme em uma certeza constante e uma segurança sólida.

Se o cumprimento da promessa de Deus dependesse de nossos méritos, jamais a alcançaríamos. Por isso, a herança nos é dada pela fé, "para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme" (Romanos 4.16). 

A promessa só é firme porque se apoia na única coisa que nunca falha: a pura misericórdia de Deus. A misericórdia de Deus e Sua verdade estão unidas por um laço indissolúvel. O que Ele misericordiosamente promete, Ele fielmente cumpre.

Assim, devemos colocar toda a nossa esperança e nos agarrar firmemente a esta verdade: não olhe para suas obras, não conte com elas para obter a salvação. Olhe unicamente para a misericórdia de Deus, manifestada na obra consumada de Jesus Cristo.

Aplicação

  • Busque a paz na promessa, não em seu desempenho. Sua segurança não vem de uma autoavaliação positiva, mas de se agarrar à promessa infalível de Deus de que Ele perdoa pecadores que confiam em Cristo.
  • Diagnostique a fonte de sua ansiedade espiritual. Se você vive com uma consciência inquieta, é provável que, em algum nível, ainda esteja tentando basear sua aceitação em suas próprias obras. Abandone essa busca fútil e descanse na obra de Cristo.
  • Entenda a relação entre fé e segurança. A verdadeira fé não é uma esperança vaga; ela produz segurança. Essa segurança não vem da nossa força, mas da fidelidade de Deus. É o Espírito Santo que testifica ao nosso coração que somos filhos de Deus (Romanos 8.16).

Conclusão

Quando consideramos a justificação gratuita, dois resultados gloriosos emergem. Primeiro, a glória de Deus é mantida intacta e exaltada ao máximo. Ele é o único Justo, e toda a justiça que possuímos é um dom imerecido de Sua graça. Isso nos despoja de todo orgulho e nos enche de adoração.

Segundo, nossa consciência, antes atormentada pela culpa e pelo medo, encontra uma paz e segurança inabaláveis.

Nossa esperança não repousa mais na areia movediça de nosso próprio desempenho, mas na rocha sólida da promessa misericordiosa de Deus. Isso nos liberta da ansiedade e nos permite invocar a Deus com a confiança de filhos amados, clamando "Aba, Pai".

Em suma, não devemos buscar nossa paz em nenhum outro lugar senão nos horrores da agonia de Cristo, nosso Redentor. 

É ao nos convencermos de que Deus foi aplacado pela única expiação que Cristo realizou, suportando o peso da Sua ira por nós, que encontramos a verdadeira paz. A justificação gratuita é o coração do Evangelho, a fonte da nossa esperança e o tema do nosso louvor eterno.


Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo XIII - "Duas coisas que devem ser consideradas na justificação gratuita"

Lista de estudos da série

1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas

20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas

21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas

22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas

23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas

25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

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