Por que a vida é tão difícil? Essa é uma pergunta que sussurramos em nossos momentos de dor, uma dúvida que ecoa no coração de quase todo ser humano. Temos uma inclinação natural para amar este mundo. Buscamos conforto, estabilidade e felicidade aqui e agora.
Quando a vida nos atinge com tribulações — seja uma doença, uma perda financeira, um conflito familiar ou uma decepção profunda —, nosso primeiro instinto é sentir que algo está terrivelmente errado.
Sentimo-nos como se estivéssemos sendo trapaceados pelo universo. Ansiamos por uma vida de paz e repouso, mas o que encontramos é, muitas vezes, uma batalha contínua.
Essa dissonância entre nosso desejo por uma felicidade terrena e a realidade de um mundo caído pode nos levar ao desânimo e até mesmo à amargura.
No último estudo bíblico, aprendemos que a vida cristã se resume em renunciar a nós mesmos. Agora, o Senhor nos convida a dar um passo adiante e entender o propósito por trás das dificuldades que Ele permite em nossa jornada.
Qual é o fim de toda tribulação? É nos ensinar a menospreciar esta vida presente para que sejamos incitados a meditar e a desejar a vida futura.
O Senhor sabe quão cega e brutalmente amamos este mundo. Por isso, Ele usa o meio mais eficaz para nos despertar de nossa preguiça e nos impedir de nos apegarmos excessivamente a esta vida.
A pergunta que nos guia é: como podemos aprender a ver as dificuldades desta vida não como uma maldição, mas como a ferramenta de Deus para calibrar nossos corações para a eternidade?
1. Deus usa as dificuldades desta vida para despertar nosso desejo pelo céu
Nenhum de nós admitiria não desejar a imortalidade celestial. Sentimos vergonha de não sermos em nada superiores aos animais brutos, cuja condição seria igual à nossa se não tivéssemos a esperança de uma vida incorruptível após a morte.
No entanto, se examinarmos honestamente nossos planos, projetos e ações, veremos que eles estão quase inteiramente focados na terra.
Essa contradição surge porque nossa mente é ofuscada pelo brilho enganoso das riquezas, do poder e das honras. Nosso coração, cheio de cobiça e ambição, se apega a essas coisas e não consegue olhar para o alto.
Nossa alma, enredada pelos prazeres da carne, busca sua felicidade na terra. Para nos curar dessa miopia espiritual, o Senhor nos mostra a vaidade da vida presente através de tribulações contínuas.
Para que não sonhemos com uma paz e um repouso duradouros neste mundo, Ele permite que sejamos afligidos por guerras, tumultos e outras adversidades. Para que não nos apaixonemos por riquezas passageiras,
Ele nos torna pobres ou nos mantém em uma condição de mediocridade. Para que não nos entreguemos excessivamente aos prazeres do casamento, Ele nos dá cônjuges difíceis ou filhos rebeldes.
Ele nos lembra constantemente, através de perigos, doenças e perdas, que todos os bens desta vida são instáveis, passageiros e misturados com muitos males.
O grande propósito da disciplina da cruz é nos ensinar que esta vida, por si só, é cheia de inquietação e infelicidade.
Ao aprendermos isso, concluímos que nossa única esperança de vitória e recompensa não está aqui, mas nos céus. Nosso coração jamais se moverá para desejar a vida futura, sem que antes tenha aprendido a menospreciar a vida presente.
Aplicação
- Reinterprete suas provações. Em vez de ver uma dificuldade como um obstáculo à sua felicidade, comece a vê-la como um "despertador" divino, um lembrete de que sua verdadeira casa não é aqui. Agradeça a Deus por Ele não permitir que você se acomode demais neste mundo.
- Faça um "inventário de apegos". Quais são as coisas terrenas (conforto, reputação, segurança financeira, relacionamentos) que você mais teme perder? Essas são as áreas onde Deus pode estar usando a cruz para libertar seu coração.
- Converse com cristãos mais velhos e experientes. Peça-lhes que compartilhem como Deus usou as dificuldades em suas vidas para aumentar seu anseio pelo céu. A sabedoria deles pode encorajar você em sua própria jornada.
2. Menosprezar esta vida não significa odiá-la, mas reconhecê-la como um dom temporário
É crucial que o menosprezo pela vida presente não gere ódio por ela ou ingratidão para com Deus. Esta vida, por mais cheia de misérias que seja, ainda se conta entre as bênçãos de Deus que não devemos desprezar. Se não reconhecermos nela um benefício do Senhor, nos tornamos culpados de uma enorme ingratidão para com Ele.
Para o crente, esta vida serve como um testemunho especial da boa vontade de Deus, pois ela é inteiramente destinada a promover a nossa salvação.
Antes de nos revelar abertamente a herança da glória eterna, o Senhor nos demonstra Seu amor paternal em coisas menores, nos benefícios que Ele nos distribui a cada dia. Esta vida é o campo de treinamento para a glória celestial.
O Senhor determinou que aqueles que serão coroados no céu primeiro lutem na terra. O objetivo é que não triunfem antes de terem superado as dificuldades da batalha.
Além disso, é aqui que começamos a provar a doçura da benignidade de Deus, a fim de que nossa esperança e nosso desejo pela revelação completa dessa benignidade sejam aguçados.
Portanto, quando reconhecemos que viver nesta vida é um dom da clemência divina e que lhe devemos gratidão, então é o momento apropriado de considerar sua condição miserável, para que possamos nos desprender do amor excessivo por ela.
A relação correta com esta vida é um equilíbrio delicado: recebê-la com gratidão como um dom, mas anelando pela vida futura como nosso bem supremo.
Aplicação
- Pratique a gratidão diária. Separe um tempo todos os dias para agradecer a Deus pelos dons específicos que Ele lhe deu nesta vida — desde o alimento e a saúde até a beleza da criação e os relacionamentos. Isso combate o desprezo ingrato.
- Veja cada tarefa como treinamento. Entenda que a forma como você lida com suas responsabilidades, relacionamentos e desafios hoje é parte da sua preparação para a eternidade. Isso infunde propósito divino no ordinário.
- Desfrute dos dons sem ser escravizado por eles. Aprecie uma boa refeição, a companhia de amigos, o sucesso no trabalho. Mas mantenha sempre a perspectiva de que essas são bênçãos passageiras que apontam para a alegria permanente que nos espera.
3. O cristão não deve temer a morte, mas desejar a ressurreição
É uma coisa monstruosa e antinatural que muitos que se dizem cristãos sintam um pavor tão grande da morte, que tremem só de ouvir mencioná-la.
É claro que o sentimento natural recua diante da separação entre corpo e alma. No entanto, é inaceitável que não haja no coração do cristão uma luz da fé que, com um consolo maior, vença e domine esse medo.
Se considerarmos que este nosso corpo — este tabernáculo instável, corruptível e frágil — é destruído para ser restaurado em uma glória perfeita, permanente e incorruptível, como a fé não nos levaria a desejar ardentemente o que a natureza teme?
Se considerarmos que pela morte somos libertados de um exílio para habitarmos em nossa verdadeira pátria, a glória celestial, isso não nos traria um imenso consolo?
Se o céu é a nossa pátria, o que é a terra senão um lugar de desterro? Se partir deste mundo é entrar na vida, o que é o mundo senão um sepulcro?
Se ser liberto do corpo é ser posto em perfeita liberdade, o que é o corpo senão uma prisão? Como diz Paulo, "enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor" (2 Coríntios 5.6). Portanto, se compararmos a vida terrena com a celestial, a primeira deve ser facilmente menosprezada.
Devemos sentir um certo fastio desta vida, desejando que ela termine. Mas devemos estar preparados para viver nela todo o tempo que agradar ao Senhor.
A vida é como um posto de sentinela onde Deus nos colocou, e devemos permanecer ali até que Ele nos chame. Mas nosso desejo contínuo deve ser o de morrer, meditando na morte, a fim de menosprezar esta vida mortal em comparação com a imortalidade futura.
Aplicação
- Medite sobre a natureza da morte para o crente. Para o cristão, a morte não é uma punição ou um fim, mas uma porta. É a libertação do pecado, a entrada na presença de Cristo e o início da glória. Meditar nessas verdades diminui o poder do medo.
- Leia biografias de cristãos que enfrentaram a morte com fé. A história da Igreja está repleta de testemunhos de homens e mulheres que encararam a morte não com terror, mas com uma alegria triunfante. Suas histórias podem fortalecer sua própria fé.
- Transforme o "medo de morrer" no "anseio por viver". A melhor maneira de combater o medo da morte é cultivar um desejo profundo pela vida que vem depois dela. Estude o que a Bíblia diz sobre o céu e a ressurreição, e peça a Deus que encha seu coração de anseio por sua pátria celestial.
Conclusão
Seja qual for a tribulação que nos aflija, devemos sempre ter este fim em mente: aprender a menospreciar a vida presente para sermos incitados a meditar na vida futura. Viver com os olhos na eternidade não nos torna inúteis ou desconectados da realidade presente. Pelo contrário, nos liberta.
Liberta-nos da tirania de buscar nossa felicidade em coisas instáveis e passageiras. Liberta-nos da amargura quando as coisas não saem como planejamos. Liberta-nos do medo paralisante da morte. Quando o crente levanta sua cabeça acima das coisas terrenas, ele ganha uma perspectiva divina.
Ele pode olhar para as riquezas e honras dos ímpios sem inveja, sabendo que o Senhor um dia enxugará todas as suas lágrimas e o vestirá com um manto de glória. Este é nosso único e verdadeiro consolo. Se o perdermos, ou desfaleceremos ou buscaremos refúgios vãos que nos levarão à ruína.
Em resumo, a cruz de Cristo triunfa verdadeiramente no coração dos crentes contra o Diabo, a carne e o pecado, quando eles desviam seus olhos das coisas visíveis deste mundo para contemplar o poder da Sua ressurreição e a glória da vida que está por vir.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo IX - "A meditação sobre a vida futura"
Lista de estudos da série
1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas
20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas
21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas
22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas
23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas
25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas
