Talvez a pergunta mais importante e angustiante que uma alma humana pode fazer seja: "Como posso ser justo diante de um Deus santo?".
No fundo do nosso ser, mesmo nos nossos melhores dias, sabemos que somos falhos. Lutamos com o pecado, tropeçamos em nossas fraquezas e vivemos com uma sensação incômoda de que não somos bons o suficiente.
Essa realidade nos deixa em uma posição precária. Se não entendermos como Deus nos vê e qual é a nossa posição diante Dele, toda a nossa vida espiritual fica sem fundamento.
Nossa adoração será motivada pelo medo, nossa religião se tornará uma tentativa desesperada de ganhar o favor de Deus, e nossa salvação parecerá sempre incerta, dependendo do nosso desempenho flutuante.
Nos estudos bíblicos anteriores, vimos que Cristo nos é apresentado pela bondade do Pai e que nós o recebemos pela fé.
Através dessa união, recebemos uma dupla graça: a regeneração (ou santificação), pela qual somos progressivamente transformados à imagem de Cristo, e a justificação, pela qual somos reconciliados com Deus.
Já falamos sobre a regeneração, mostrando que a fé verdadeira nunca está ociosa, mas sempre produz boas obras.
Agora, precisamos mergulhar de cabeça no tema da justificação pela fé. Este não é um detalhe teológico secundário; é o artigo principal da religião cristã. A pergunta que nos guiará é: o que a Bíblia realmente quer dizer quando fala em "ser justificado"?
É um processo de melhoria moral ou um veredito legal? Compreender isso corretamente é a chave para destravar a paz, a segurança e a liberdade que Cristo conquistou para nós.
1. Justificação é um veredito legal, não um processo de aperfeiçoamento
Para não tropeçarmos desde o início, precisamos definir nossos termos com clareza. Na linguagem bíblica, ser "justificado diante de Deus" não significa ser transformado em uma pessoa moralmente perfeita. É um termo legal, retirado do tribunal de Deus.
Ser justificado é ser considerado justo no julgamento divino e, portanto, aceito em Sua presença. Como Deus abomina a iniquidade, um pecador, enquanto visto como pecador, não pode encontrar graça diante Dele.
Onde há pecado, há a ira e o juízo de Deus. Portanto, ser justificado é o oposto de ser condenado. É ser removido da categoria dos pecadores e ser colocado na categoria dos justos, aparecendo diante do tribunal de Deus não mais como um réu culpado, mas como alguém que foi absolvido.
Pense em um tribunal humano. Quando um homem inocente é acusado e, após o julgamento, o juiz o declara "justo", ele não está infundindo uma qualidade de justiça nele; ele está emitindo um veredito sobre sua condição legal.
Da mesma forma, quando Deus nos justifica, Ele está nos declarando justos, nos absolvendo da condenação que nossa impiedade merecia.
O apóstolo Paulo torna isso explícito em Romanos 8:
Romanos 8.33-34
Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós.
A justificação se opõe diretamente à acusação e à condenação. Portanto, justificar não é nada mais do que absolver o acusado, como se sua inocência tivesse sido provada.
Consequentemente, quando dizemos que somos justificados pela fé, afirmamos que, excluídos da justiça das obras, nos apropriamos da justiça de Cristo pela fé, de modo que, vestidos com ela, aparecemos diante de Deus não como pecadores, mas como justos.
Aplicação
- Descanse no veredito de Deus. Sua paz não depende de como você se sente a respeito de si mesmo, mas do que Deus declarou a seu respeito em Cristo. Ele já bateu o martelo e o declarou "justo". Aceite e descanse neste veredito imutável.
- Separe sua identidade de seu comportamento. Sua identidade em Cristo é "justo". Seu comportamento ainda é imperfeito. Quando você pecar, não permita que o seu comportamento redefina a sua identidade. Em vez disso, deixe que a sua identidade em Cristo o motive a mudar seu comportamento.
- Silencie a voz do acusador com a voz do Juiz. Quando Satanás ou sua própria consciência o acusarem, lembre-se de que a opinião deles não importa. A única opinião que conta é a do Juiz Supremo, e Ele já o absolveu por causa de Cristo.
2. A justiça que recebemos está em Cristo, não em nós
Se a justificação é ser declarado justo, de onde vem essa justiça? A resposta bíblica é clara: ela não vem de dentro de nós, mas de fora de nós. Ela é a justiça de Cristo, que nos é creditada, ou imputada, pela fé.
No estudo anterior, vimos como alguns teólogos, como Osiander, erraram ao confundir justificação com santificação.
Eles imaginaram que ser justificado significava ter a "essência" de Deus infundida em nós, tornando-nos substancialmente justos. Essa visão, embora pareça espiritual, na verdade destrói a obra do Mediador e nos deixa sem esperança.
A Bíblia ensina que a justiça e a santificação são inseparáveis, mas distintas. Assim como a luz e o calor do sol são inseparáveis, não dizemos que a terra é aquecida pela luz ou iluminada pelo calor; cada um tem sua função própria.
Da mesma forma, todo aquele que é justificado também é santificado, mas a base de sua aceitação diante de Deus (justificação) é diferente de sua transformação moral (santificação).
Nossa justiça é encontrada unicamente na obediência de Cristo. Paulo diz que, "por meio dele, se vos anuncia a remissão dos pecados; e de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por meio dele é justificado todo o que crê" (Atos 13.38-39). A justificação é colocada como uma absolvição, um benefício de Cristo alcançado pela fé.
A melhor ilustração para isso é a história de Jacó recebendo a bênção de Isaque. Jacó, por si mesmo, não tinha direito à primogenitura. No entanto, vestindo as roupas de seu irmão Esaú, ele se apresentou a seu pai e recebeu a bênção não por ser quem era, mas por causa da identidade que ele assumiu.
Da mesma forma, nós, por nós mesmos, não temos mérito algum. Mas, ocultos sob a pureza de Cristo, nosso Irmão primogênito, nos apresentamos confiantemente diante do Pai para obter o testemunho de Sua justiça.
Aplicação
- Glorie-se em uma justiça que não é sua. Isso destrói o orgulho, pois a justiça pela qual você é aceito não foi produzida por você. Ao mesmo tempo, destrói o desespero, pois sua aceitação não depende de seu desempenho imperfeito.
- Entenda o papel da fé. A fé não é a "coisa" que nos torna justos. A fé é como um vaso vazio. Ela não tem valor em si mesma; seu valor está naquilo que ela contém: Cristo e Sua justiça. A fé é a mão que recebe o dom.
- Vista-se de Cristo todos os dias. Ao orar e se apresentar diante de Deus, faça-o conscientemente "vestido" da justiça de Cristo. Isso muda nossa postura de um servo temeroso para um filho amado e aceito.
3. A justificação é somente pela fé, excluindo todas as obras
Talvez a maior controvérsia em torno da justificação seja a relação entre fé e obras. A Escritura é enfática ao afirmar que somos justificados somente pela fé, independentemente de qualquer obra.
A maioria dos homens se imagina uma fé composta de fé e obras. No entanto, a Bíblia nos mostra que a justiça da fé e a justiça das obras são mutuamente exclusivas. Se uma se estabelece, a outra é necessariamente destruída.
Paulo argumenta que a razão da ruína dos judeus foi que, "desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus" (Romanos 10.3).
Se estabelecer nossa própria justiça (pelas obras) nos faz rejeitar a justiça de Deus (pela fé), então as duas não podem coexistir como base de nossa salvação. Onde quer que haja um pingo de justiça das obras, haverá motivo para se gloriar.
Mas Paulo afirma que a fé exclui toda a jactância (Romanos 3.27). Portanto, a justiça das obras não pode, de forma alguma, estar associada à justiça da fé.
Mesmo as boas obras que fazemos como crentes, pelo poder do Espírito Santo, não contribuem em nada para a nossa justificação.
Embora a vida de Abraão tenha sido espiritual e quase angélica, Paulo afirma que os méritos de suas obras não foram suficientes para que ele alcançasse a justiça diante de Deus (Romanos 4.2). Sua justificação se baseou unicamente na fé que abraçou a promessa da misericórdia de Deus.
Aplicação
- Examine seu coração em busca de "justiça própria". Você se orgulha secretamente de suas disciplinas espirituais, de seu serviço na igreja ou de sua moralidade, pensando que isso o torna mais aceitável a Deus do que outros? Isso é um sinal de que você está confiando em sua própria justiça.
- Entenda a liberdade do Evangelho. A justificação somente pela fé nos liberta da pressão esmagadora de ter que ser perfeitos. Somos livres para servir a Deus não por medo, para ganhar nosso lugar no céu, mas por amor e gratidão, sabendo que nosso lugar já está garantido em Cristo.
- Viva a partir da aceitação, não para a aceitação. Porque você já foi plenamente aceito em Cristo, agora você pode viver uma vida de santidade. As boas obras não são a causa da sua justificação, mas o resultado inevitável dela.
Conclusão
A doutrina da justificação pela fé é a doce notícia de que a nossa reconciliação com Deus consiste unicamente na remissão dos nossos pecados. Deus nos recebe em Sua graça não porque sejamos bons, mas porque Ele é misericordioso.
Ele nos considera justos não por alguma virtude que tenhamos, mas porque Ele nos imputa, ou credita, a perfeita justiça de Cristo.
Somos justificados quando, pela fé, compreendemos que Ele é nosso Pai clemente, e não um juiz que nos condena.
Somos justificados quando abraçamos a Cristo, que foi feito para nós "sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção" (1 Coríntios 1.30). Essa justiça não está em nós, mas em Cristo. Não a merecemos por nossas obras, mas a recebemos gratuitamente pela fé.
Este é o fundamento inabalável da nossa salvação e a única fonte de verdadeira paz para a alma. Que possamos descansar nesta verdade, abandonando toda confiança em nós mesmos e nos gloriando unicamente na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem somos considerados justos diante de Deus.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo XI - "A justificação pela fé: definição nominal e real"Lista de estudos da série
1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas
20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas
21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas
22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas
23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas
25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas
