A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Uma das acusações mais antigas e persistentes contra a doutrina da justificação somente pela fé é que ela abre as portas para a libertinagem. 

Os críticos, tanto no passado quanto hoje, argumentam: "Se somos salvos pela graça, sem o mérito de nossas obras, que incentivo temos para viver uma vida santa? Se o perdão é gratuito, isso não torna o pecado algo fácil e sem consequências?".

Essa é uma calúnia perigosa porque ataca o coração do Evangelho, pintando a mensagem da graça como inimiga da santidade. Ela nos acusa de condenar as boas obras e de criar um caminho largo e fácil para a justiça, que, segundo eles, atrai os homens para o pecado ao qual já são tão inclinados.

Já refutamos indiretamente essas acusações em estudos bíblicos anteriores, mas, devido à sua persistência e ao dano que causam, é necessário respondê-las de forma direta. 

Longe de ser um desincentivo, a doutrina da justificação gratuita, quando corretamente compreendida, é o único e mais poderoso fundamento para uma vida de verdadeira santidade.

A pergunta que nos guiará é crucial: a justificação pela fé destrói as boas obras ou, na verdade, as torna possíveis e necessárias? E o perdão gratuito nos convida a pecar, ou é o maior antídoto contra o pecado? 

Vamos desmascarar essas calúnias e ver como a graça de Deus não apenas nos salva, mas também nos santifica.

1. A justificação gratuita não destrói as boas obras, mas as estabelece

A primeira acusação é que, ao exaltarmos a fé, destruímos o valor das boas obras. A resposta a isso é simples, mas profunda.

 Nós não sonhamos com uma fé vazia e desprovida de boas obras, nem concebemos uma justificação que possa existir sem elas. 

A única diferença entre nós e nossos adversários está nisto: embora admitamos que a fé e as boas obras estão inseparavelmente unidas, colocamos a justificação na fé, e não nas obras.

Por que fazemos isso? A razão é clara se olharmos para Cristo, que é o objeto da nossa fé e de quem ela tira toda a sua força. 

Somos justificados pela fé porque, por meio dela, nos apropriamos da justiça de Cristo, pela qual somos reconciliados com Deus. 

Mas é impossível nos apropriarmos dessa justiça sem, ao mesmo tempo, nos apropriarmos da santificação. Como diz o apóstolo Paulo:

1 Coríntios 1.30
Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção.

Cristo não justifica ninguém sem, ao mesmo tempo, santificá-lo. Essas duas graças — justificação e santificação — estão sempre unidas. 

A quem Ele ilumina com Sua sabedoria, Ele redime. A quem Ele redime, Ele justifica. A quem Ele justifica, Ele santifica. Como o Senhor nunca nos concede esses benefícios separadamente, mas apenas ao se dar a Si mesmo a nós, Ele nos concede ambos juntos.

Cristo não pode ser dividido em pedaços. Portanto, se queremos alcançar a justiça em Cristo, devemos primeiro possuir a Cristo. E não podemos possuí-lo sem nos tornarmos participantes de Sua santificação. 

Assim, a verdade é que não somos justificados *sem* obras, mas também não somos justificados *pelas* obras. Nossa justificação e nossa santificação estão ambas contidas em nossa participação em Cristo.

Aplicação

  • Reconheça a união inseparável. Se você tem uma fé genuína em Cristo, a santificação não é opcional; é uma consequência inevitável. Se não há um desejo crescente por santidade em sua vida, examine a raiz de sua fé.
  • Distinguir sem separar. Aprenda a distinguir entre justificação (sua posição legal diante de Deus) e santificação (seu crescimento moral). Ambas vêm de Cristo, mas têm funções diferentes. Sua paz vem da justificação; sua caminhada é a santificação.
  • Busque a santidade em Cristo, não em seu esforço. A fonte do seu crescimento em santidade não é sua força de vontade, mas sua união contínua com Cristo. Permaneça Nele, e Ele produzirá fruto em você.

2. A graça de Deus é o mais poderoso incentivo para a santidade

A segunda acusação é que, ao removermos o mérito das obras, tiramos dos homens a motivação para fazer o bem. 

Eles argumentam que ninguém se esforçaria para viver retamente se não houvesse a promessa de uma recompensa merecida. Isso revela uma compreensão superficial da natureza humana e da obra de Deus.

Primeiro, se os homens servem a Deus apenas esperando uma recompensa, como mercenários, pouco se ganha com isso. O Senhor deseja ser amado e servido gratuitamente e sem interesse. Ele aprova o servo que, mesmo privado de toda esperança de salário, não deixa de servi-lo.

Segundo, não há incentivo mais poderoso para a santidade do que a contemplação do propósito da nossa redenção. A Palavra de Deus está repleta de exortações que fundamentam nosso chamado à santidade na graça que já recebemos:

  • Amamos a Deus porque Ele nos amou primeiro (1 João 4.19).
  • Servimos ao Deus vivo porque nossas consciências foram purificadas de obras mortas (Hebreus 9.14).
  • Fomos libertos do pecado para que possamos servir à justiça com um coração livre (Romanos 6.18).
  • Nosso velho homem foi crucificado com Cristo para que possamos andar em novidade de vida (Romanos 6.6).
  • Somos templos do Espírito Santo e não devemos profaná-los (1 Coríntios 3.16).

A lista é interminável. Os apóstolos estão cheios de exortações para uma vida santa, e fazem isso sem nunca mencionar o mérito. 

Pelo contrário, suas principais exortações derivam do fato de que nossa salvação não se baseia em nenhum mérito nosso, mas na pura misericórdia de Deus. A lembrança dos benefícios de Deus é o mais poderoso combustível para uma vida de gratidão e obediência.

Aplicação

  • Troque a motivação do "se" pela do "porque". Não diga: "SE eu viver de forma santa, Deus me amará". Diga: "PORQUE Deus me amou, eu viverei de forma santa". A motivação evangélica sempre flui da graça, não em direção a ela.
  • Medite no propósito da sua salvação. Quando sentir falta de motivação para a santidade, releia passagens como Tito 2.11-14. Lembre-se de que a graça de Deus apareceu não apenas para nos salvar, mas para nos ensinar a viver de modo sóbrio, justo e piedoso.
  • Deixe a misericórdia gerar reverência. O Salmo 130.4 diz: "Contigo, porém, está o perdão, para que te temam". A experiência da misericórdia de Deus não nos leva a tratá-Lo com leviandade, mas com a mais profunda reverência e desejo de agradá-Lo.

3. O perdão gratuito não barateia o pecado, mas revela seu verdadeiro custo

A terceira calúnia, e a mais insensata de todas, é que, ao ensinarmos a remissão gratuita dos pecados, convidamos as pessoas a pecar. Eles argumentam que, se o perdão é fácil, o pecado se torna trivial.

A nossa resposta é que, ao ensinarmos o perdão gratuito, não o estimamos de forma leviana. Afirmamos que ele jamais poderia ser alcançado se não nos fosse dado de graça. 

E dizemos que ele nos é dado gratuitamente, mas custou muito caro a Cristo: Seu preciosíssimo sangue, fora do qual não há preço suficiente para satisfazer o juízo de Deus.

Ao ensinarmos isso, advertimos os homens de que, sempre que pecam, são a causa do derramamento deste sangue sagrado. Longe de baratear o pecado, mostramos sua terrível sujeira, que só pôde ser lavada em uma fonte de sangue puríssimo. 

Para aqueles que ouvem isso, é possível conceber um horror maior pelo pecado do que se lhes disséssemos que podem lavá-lo com suas próprias boas obras?

A alma que verdadeiramente teme a Deus não sentirá horror em voltar a se sujar na lama do pecado, depois de ter sido purificada de uma vez por todas? 

A alma fiel diz em Cantares: "Já lavei os meus pés; como os tornaria a sujar?" (Cantares 5.3). Quem, então, está realmente diminuindo a dignidade do perdão e da justiça: nós, ou nossos adversários?

Eles insistem que Deus se aplaca com suas frívolas satisfações; nós afirmamos que a culpa do pecado é tão enorme que não pode ser expiada com ninharias, e que a ofensa a Deus é tão grave que essa honra pertence exclusivamente ao sangue de Cristo. 

Eles dizem que a justiça é restaurada por obras satisfatórias; nós afirmamos que ela tem tal valor que nenhuma obra pode adquiri-la, e que, para a recuperarmos, é preciso recorrer unicamente à misericórdia de Deus.

Aplicação

  • Veja o pecado à luz da cruz. A verdadeira medida da gravidade do seu pecado não é o dano que ele causa a você ou aos outros, mas o fato de que foi necessário o sacrifício do Filho de Deus para expiá-lo. Meditar nisso gera um santo horror pelo pecado.
  • Não confunda "perdão gratuito" com "perdão barato". A graça é gratuita para nós, mas custou tudo para Cristo. Guardar essa verdade em mente nos impede de tratar o pecado com leviandade.
  • Responda ao perdão com pureza. A resposta lógica a um perdão tão custoso não é a licença para pecar mais, mas um desejo profundo de viver uma vida de pureza que honre o sacrifício que foi feito por nós.

Conclusão

As calúnias contra a justificação pela fé se desfazem quando expostas à luz da Escritura. Longe de destruir as boas obras, a doutrina da graça as torna possíveis, fundamentando-as na nossa união inseparável com a santidade de Cristo. 

Longe de remover a motivação para a santidade, a gratidão pela graça imerecida se torna o combustível mais poderoso para uma vida de obediência. E longe de baratear o pecado, o perdão gratuito nos mostra seu preço infinito, pago pelo sangue de Cristo na cruz.

Portanto, podemos afirmar com confiança que a doutrina da justificação somente pela fé é o verdadeiro fundamento, não apenas da nossa paz com Deus, mas também de uma vida de santidade genuína. 

Que possamos abraçar essa verdade com todo o nosso coração, vivendo como pessoas que foram justificadas gratuitamente, para que possamos, por gratidão, produzir frutos de justiça para a glória de nosso Pai.


Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo XVI - "Refutação das calúnias com que os papistas procuram tornar esta doutrina odiosa"

Lista de estudos da série

1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas

20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas

21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas

22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas

23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas

25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

Postar um comentário

O autor reserva o direito de publicar apenas os comentários que julgar relevantes e respeitosos.

Postagem Anterior Próxima Postagem
Ajuste a fonte: