Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Todos nós, em algum momento, já nos pegamos jogando o perigoso jogo da comparação. Olhamos para a vida de um colega de trabalho, um vizinho ou até mesmo um irmão na fé e pensamos: "Bem, pelo menos não sou tão ruim quanto ele". 

Avaliamos nossas próprias obras, nossa moralidade, e concluímos que estamos em uma posição razoavelmente boa. Afinal, não matamos, não roubamos, e nos esforçamos para ser boas pessoas.

Essa autoavaliação, baseada no tribunal da opinião humana, pode nos dar uma falsa sensação de segurança e justiça. 

O problema é que estamos no tribunal errado. A questão fundamental da nossa existência não é como nossa vida se compara à dos outros, mas como ela se apresenta diante do tribunal do Juiz celestial.

No estudo bíblico anterior, definimos a justificação pela fé como o ato de Deus nos declarar justos por meio de Cristo. 

Agora, precisamos entender por que essa doutrina é tão absolutamente necessária. Isso só se torna claro quando deixamos de lado o tribunal dos homens e ousamos levantar nosso espírito ao tribunal de Deus.

Muitas vezes, a discussão sobre a justiça das obras parece teórica e distante. Mas quando nos colocamos diante da majestade de Deus, as conversas fiadas acabam. Ali, o assunto é tratado com a máxima seriedade. 

A pergunta que este estudo busca responder é: o que acontece quando avaliamos nossa justiça, não segundo nossa própria medida, mas diante do padrão do Juiz de toda a terra? E por que essa perspectiva é o único fundamento sólido para a nossa salvação?

1. A justiça humana é julgada no tribunal errado

É surpreendente ver a ousadia com que as pessoas falam sobre a justiça de suas próprias obras. Muitas vezes, aqueles que mais se orgulham de sua retidão são os que vivem publicamente em pecado ou carregam um coração cheio de vícios secretos. Isso acontece porque eles nunca pararam para refletir sobre a verdadeira justiça de Deus.

A justiça divina não é flexível nem relativa. Ela é perfeita. Não se agrada de nada que não seja totalmente íntegro e livre de toda mancha, algo que jamais se encontrou ou se encontrará em qualquer ser humano. 

Se quisermos investigar com seriedade a questão da verdadeira justiça, precisamos nos perguntar: como responderemos a este Juiz quando Ele nos chamar para prestar contas?

Devemos imaginá-Lo não como nossa mente o concebe, mas como a Sagrada Escritura o descreve. Sua glória é tão resplandecente que as estrelas se apagam em Sua presença. Sua santidade é tão pura que, em comparação, todas as coisas se tornam impuras. Sua justiça é tão perfeita que nem mesmo os anjos podem suportá-la sem falhas. O profeta pergunta:

Isaías 33.14
Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas?

A resposta que se segue é: "O que anda em justiça e fala o que é reto". Mas, em outro lugar, a Palavra nos confronta com uma voz terrível que nos faz tremer: "Se observares, SENHOR, iniquidades, quem subsistirá?" (Salmo 130.3). Se essa é a realidade, então todos nós pereceríamos.

O livro de Jó nos lembra que, diante de Deus, nem mesmo Seus santos são confiáveis, e os céus não são puros aos Seus olhos; quanto menos o homem, que "bebe a iniquidade como a água" (Jó 15.15-16).

 Portanto, toda a controvérsia sobre a justificação seria fria e inútil se cada um de nós não se sentisse culpado diante do Juiz celestial e, buscando a absolvição, não se humilhasse voluntariamente.

Aplicação

  • Mude o seu padrão de medida. Em vez de se comparar com as pessoas ao seu redor para se sentir melhor, passe tempo meditando na santidade de Deus revelada na Escritura (por exemplo, em Isaías 6 ou Apocalipse 4). Deixe que a visão da Sua perfeição reajuste a sua visão sobre si mesmo.
  • Leia a Lei como um espelho, não como um manual de autoajuda. Leia o Sermão do Monte (Mateus 5-7) não com o objetivo de tentar cumpri-lo perfeitamente por suas próprias forças, mas para entender a profundidade do padrão de Deus e a profundidade da sua necessidade de um Salvador.
  • Reconheça a seriedade do tribunal. Leve a sério a realidade do juízo de Deus. Isso não deve levar ao medo paralisante, mas a uma busca sóbria e urgente pela única solução que Deus providenciou: a justiça de Cristo.

2. A comparação com Deus esmaga nossa autoconfiança

É muito fácil nos enganarmos com uma vã confiança. Enquanto nos comparamos com outros homens, sempre encontraremos algum dom ou qualidade em nós que nos parece superior, alimentando nosso orgulho. 

Mas, assim que nosso pensamento se volta para Deus, toda essa confiança se desfaz e desaparece.

A relação da nossa alma com Deus é como a dos nossos olhos com o sol. Enquanto olhamos para as coisas ao nosso redor, na terra, nossa visão parece forte e penetrante. 

Mas, se levantamos os olhos e olhamos diretamente para o sol do meio-dia, ficamos tão ofuscados por seu brilho que somos forçados a admitir a enorme fraqueza de nossa visão.

Da mesma forma, enquanto julgamos a nós mesmos por nossos próprios padrões, nos justificamos e nos sentimos bem. Mas quando nos colocamos diante da majestade de Deus, somos confrontados com uma luz que expõe toda a nossa impureza. O que os homens consideram sublime, diante de Deus é abominação (Lucas 16.15).

Os verdadeiros servos de Deus, instruídos pelo Seu Espírito, entendem isso perfeitamente. Davi ora: "não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum vivente" (Salmo 143.2). Paulo, mesmo sabendo que tinha a consciência limpa, declarou: "ainda que de nada me sinta culpado, nem por isso me dou por justificado" (1 Coríntios 4.4). 

Ele entendia que a ausência de culpa diante de sua própria consciência não significava inocência diante do tribunal perfeito de Deus.

Aplicação

  • Pare de se comparar com os outros, para o bem ou para o mal. A comparação gera orgulho (quando nos sentimos superiores) ou inveja e desânimo (quando nos sentimos inferiores). Ambos são venenos para a alma. O único ponto de referência válido é Cristo.
  • Abrace a "abominação" da sua justiça própria. Peça a Deus que lhe mostre como até mesmo suas melhores obras são manchadas pelo egoísmo e pelo orgulho, e são como "trapo da imundícia" diante Dele (Isaías 64.6). Isso o levará a se apegar mais firmemente à justiça perfeita de Cristo.
  • Deixe que a visão de Deus o leve à adoração. Quando você vislumbrar a santidade de Deus e a sua própria pecaminosidade, não pare no desespero. Deixe que essa visão o impulsione para a adoração grata, maravilh-se com o fato de que um Deus tão santo amou e salvou um pecador como você.

3. Somente a humildade abre espaço para a misericórdia de Deus

Se todos os santos gemem sob o peso de sua carne corruptível e reconhecem sua miséria, qual é a sua única esperança? Como disse Agostinho, eles possuem um Mediador justo, Cristo Jesus, e é Ele a satisfação por seus pecados. Ao dizer que esta é a *única* esperança, ele não deixa lugar para nenhuma outra.

São Bernardo de Claraval expressa isso de forma bela:

Onde há um refúgio seguro e firme para os fracos, senão nas chagas do Salvador? [...] Meu mérito, portanto, é a misericórdia do Senhor. Certamente não sou desprovido de mérito enquanto Ele não for desprovido de misericórdia. [...] Cantarei minhas próprias justiças? Senhor, me lembrarei somente da tua justiça. Porque ela também é minha, pois tu foste feito para mim justiça da parte de Deus.

A verdadeira humildade não é apenas uma modéstia superficial. Não é ceder um pouco do nosso direito para parecermos humildes. 

A humildade bíblica é um aniquilamento de si mesmo, sem ficção, que procede de um coração que sentiu sua verdadeira miséria e pobreza. Deus diz, por meio de Isaías: "para esse olharei: para o pobre e abatido de espírito e que treme da minha palavra" (Isaías 66.2).

Nosso bom Mestre pintou um quadro perfeito da verdadeira humildade na parábola do fariseu e do publicano (Lucas 18.9-14). 

O fariseu, confiando em suas obras, se fez abominável a Deus. O publicano, reconhecendo sua iniquidade, foi justificado. Isso nos mostra que o coração não está apto a receber a misericórdia de Deus enquanto não estiver completamente esvaziado de toda presunção de sua própria dignidade. Se estiver ocupado com a justiça própria, a porta da graça de Deus se fecha.

Aplicação

  • Examine sua oração. Sua vida de oração se parece mais com a do fariseu (uma lista de seus méritos e realizações) ou com a do publicano (uma simples e humilde súplica por misericórdia)?
  • Despoje-se de toda arrogância. Se queremos dar lugar à chamada de Cristo, que veio "chamar pecadores ao arrependimento", precisamos nos despojar de toda a presunção de justiça própria. Jamais confiaremos em Cristo como devemos, se não desconfiarmos totalmente de nós mesmos.
  • Abrace as "chagas do Salvador". Faça das feridas de Cristo o seu refúgio. Quando se sentir acusado pelo pecado, corra para a cruz, onde a misericórdia de Deus flui abundantemente. Esse é o único lugar seguro para uma consciência culpada.

Conclusão

A verdade é esta: todas as nossas consciências, quando exercitadas no temor de Deus, veem que não há outro refúgio seguro senão o juízo divino. E quando nos colocamos ali, o que acontece? A inocência mais perfeita que podemos imaginar, quando comparada à pureza imaculada de Deus, se desfaz.

Diante desse espetáculo, toda hipocrisia, toda a pompa de nossas boas obras, cai por terra. Todas as obras dos homens, se estimadas por sua própria dignidade, não passam de imundície e lixo. 

O que comumente é tido por justiça, diante de Deus é pura iniquidade. O que é estimado como integridade, é impureza. O que é tido como glória, é simplesmente vergonha.

Esta não é uma verdade para nos levar ao desespero, mas para nos conduzir à única e verdadeira esperança. 

Para receber a graça de Cristo, é preciso renunciar a toda justiça própria. Devemos descer a nós mesmos e considerar honestamente o que somos, sem bajulação. E o que somos? Pobres, vazios de todo bem, necessitados da misericórdia de Deus.

Somente quando nosso coração está completamente esvaziado, não apenas da justiça — que é nula —, mas da vã opinião de justiça que nos engana, ele estará preparado para receber os frutos da misericórdia de Deus. Quanto mais você se apoia em si mesmo, maior o impedimento que você coloca à liberalidade de Deus.


Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo XII - "Como convém que levantemos nosso espírito ao tribunal de Deus, para que nos convençamos de verdade da justificação gratuita"

Lista de estudos da série

1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas

20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas

21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas

22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas

23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas

25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

Postar um comentário

O autor reserva o direito de publicar apenas os comentários que julgar relevantes e respeitosos.

Postagem Anterior Próxima Postagem
Ajuste a fonte: