O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Talvez nenhuma doutrina cristã cause tanto desconforto e debate quanto a da eleição e predestinação. Para muitos, a ideia de que Deus, em Sua soberania, escolheu uns para a salvação e deixou outros em perdição parece arbitrária, injusta e até mesmo cruel. 

Essa dificuldade faz com que muitos prefiram simplesmente evitar o assunto, tratando-o como um segredo perigoso que é melhor não investigar.

No entanto, ao ignorarmos o que a Bíblia ensina sobre este tema, perdemos um dos frutos mais doces e um dos alicerces mais firmes da nossa fé. Sem a doutrina da eleição, jamais entenderemos plenamente que nossa salvação vem inteiramente da pura misericórdia de Deus. 

Acabamos sempre pensando que, de alguma forma, contribuímos para nossa salvação, o que diminui a glória de Deus e nos rouba a verdadeira humildade.

Este estudo é um convite para olharmos para este tema não com medo ou com uma curiosidade presunçosa, mas com a reverência de filhos que desejam entender melhor o coração de seu Pai. 

A pergunta que nos guiará não é "Como posso desvendar este mistério?", mas sim: "Por que um Deus amoroso nos revelou esta doutrina e como ela pode fortalecer nossa fé e nos dar uma paz inabalável?".

1. A eleição nos ensina que a salvação é um presente, não uma conquista

O primeiro e mais importante fruto de se compreender a eleição é que ela destrói nosso orgulho pela raiz e nos ensina a verdadeira humildade. 

A ignorância sobre este tema nos leva a crer que nossa salvação depende, de alguma forma, de uma decisão nossa, de uma bondade inata ou de obras que praticamos. 

A eleição nos mostra que a história da nossa salvação começou muito antes de nós: ela começou na mente e no coração de Deus, antes da fundação do mundo.

A eleição nos força a confrontar a verdade de que a causa de nossa salvação está inteiramente em Deus, e não em nós. Ele não nos escolheu porque previu que teríamos fé ou que faríamos boas obras. Pelo contrário, Ele nos escolheu para que pudéssemos ter fé e fazer boas obras. 

Como diz o apóstolo Paulo, a escolha de Deus é "pela graça", e se é pela graça, "já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça" (Romanos 11.5-6).

Quando entendemos que a salvação flui unicamente da fonte da gratuita misericórdia de Deus, nossa perspectiva muda completamente. 

Deixamos de nos ver como parceiros de Deus na salvação e passamos a nos ver como receptores de um presente totalmente imerecido. Isso diminui a glória humana a nada e exalta a glória de Deus ao máximo.

Fechar a porta para esta doutrina, portanto, não é apenas um desserviço a Deus, mas também a nós mesmos, pois nada nos humilha de forma tão eficaz e nos enche de uma gratidão tão profunda.

Aplicação

  • Transforme sua oração. Em vez de se aproximar de Deus com uma lista de méritos ou tentando provar seu valor, aproxime-se com um coração transbordante de gratidão. Agradeça a Ele não apenas pelo que Ele fez, mas por Ele ter tomado a iniciativa de escolhê-lo antes mesmo de você existir.
  • Reavalie sua motivação para as boas obras. Se você entende que suas obras não são a causa de sua salvação, você fica livre para servir a Deus não por medo ou para ganhar pontos, mas por pura alegria e gratidão pelo presente que recebeu.
  • Cultive a verdadeira humildade. A humildade bíblica não é ter uma baixa autoestima. É ter uma visão correta de Deus e de si mesmo. É reconhecer que tudo o que você tem, incluindo sua salvação, é um dom imerecido da graça de Deus.

2. Um mistério a ser abraçado com reverência, não com curiosidade

A doutrina da predestinação é, em si mesma, um tema profundo. A curiosidade humana, no entanto, a torna perigosa. 

Muitos, ao se depararem com este assunto, tentam penetrar no santuário secreto da sabedoria divina, querendo entender o "porquê" por trás das escolhas de Deus. Essa atitude é como tentar entrar em um labirinto sem saída.

A Escritura nos chama para uma postura diferente. Precisamos nos lembrar de duas coisas. Primeiro, a curiosidade arrogante. Não é justo que o homem tente, sem reverência, desvendar os segredos que o Senhor quis manter ocultos. 

Devemos adorar a profundidade da sabedoria de Deus, não tentar dissecá-la. Segundo, a timidez incrédula.

Outros, para evitar o perigo da curiosidade, tentam sepultar toda a menção à predestinação. Agem como se fosse um assunto perigoso do qual não se deve falar. Essa atitude, embora pareça modesta, acaba por acusar o Espírito Santo de ter revelado algo prejudicial à Igreja.

O caminho seguro é o da sobriedade bíblica. Como diz Agostinho, "Chegamos ao caminho da fé; permaneçamos constantemente nele". 

A Palavra de Deus é o único caminho que nos leva a investigar o que nos é lícito saber sobre Deus, e a única luz que nos ilumina para ver o que nos convém. Atravessar os limites da Escritura é como andar em trevas e fora do caminho. 

O que a Bíblia revela sobre a eleição é útil e necessário; o que ela não revela é secreto e não nos cabe investigar.

Aplicação

  • Deixe a Bíblia ser seu guia e seu limite. Ao estudar este tema, concentre-se no que a Escritura claramente ensina (por exemplo, em Romanos 9 e Efésios 1) e resista à especulação sobre o que ela não diz.
  • Aprenda a dizer "eu não sei". Quando confrontado com perguntas sobre os decretos secretos de Deus (como "Por que Deus escolheu a mim e não ao meu vizinho?"), tenha a humildade de admitir que isso pertence às "coisas encobertas" do Senhor (Deuteronômio 29.29).
  • Transforme a curiosidade em adoração. Em vez de se frustrar com o que você não entende, use o mistério da eleição como um motivo para adorar a Deus por Sua soberania, sabedoria e graça insondáveis.

3. A eleição é a fonte da nossa segurança inabalável

Além de nos humilhar e nos ensinar a reverência, a doutrina da eleição nos oferece um fruto extremamente doce: a segurança inabalável da nossa salvação. Se nossa salvação dependesse de nossa fé vacilante, de nossas obras imperfeitas ou de nossa perseverança frágil, viveríamos em um estado de medo contínuo.

No entanto, o Senhor Jesus nos dá uma promessa poderosa que está diretamente ligada a esta doutrina:

João 10.28-29
Dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.

Nossa segurança não está em quão firmemente nós seguramos a mão de Deus, mas no fato de que Ele nos segura firmemente em Sua mão. A certeza da nossa perseverança final não se baseia em nossa força, mas na fidelidade do Deus que nos escolheu e nos confiou ao Seu Filho.

Portanto, a doutrina da eleição, longe de ser uma fonte de ansiedade, é o único fundamento sólido para a nossa confiança. Ela nos assegura que nossa salvação não é um acidente, mas parte de um plano eterno. 

Ela nos livra do medo em meio aos perigos e tentações deste mundo, pois nos promete que Aquele que nos escolheu é poderoso para nos guardar até o fim. Todos aqueles que ignoram ou rejeitam este fundamento, por mais que pensem ser fiéis, vivem em um estado de temor contínuo.

Aplicação

  • Pregue esta verdade para sua alma em momentos de dúvida. Quando sua fé estiver fraca e você se sentir inseguro, lembre-se de que sua salvação não começou com você e, portanto, não depende de você para ser mantida. Ela está segura nas mãos de Deus.
  • Enfrente as tentações com confiança. Saber que você é um eleito de Deus não o torna imune à tentação, mas lhe dá a certeza de que Deus lhe dará a força para vencer e não o deixará perecer.
  • Veja seu chamado como uma evidência da eleição. O fato de você ter sido chamado pelo Evangelho, ter recebido a fé e ter sido justificado são as marcas visíveis de que você foi escolhido por Deus em Seu conselho eterno e secreto. Descanse nessas evidências.

Conclusão

A doutrina da eleição, embora misteriosa, é uma das verdades mais práticas e consoladoras da fé cristã. Quando abordada com humildade e reverência, ela produz três frutos maravilhosos. 

Primeiro, ela nos esvazia de todo orgulho e nos enche de uma gratidão profunda, pois nos ensina que nossa salvação é um dom totalmente gratuito.

Segundo, ela nos ensina a nos contentarmos com o que a Palavra de Deus revela, refreando nossa curiosidade e nos levando a adorar a Deus em Seu mistério. E terceiro, ela nos dá uma segurança inabalável, ancorando nossa esperança não em nossa fragilidade, mas na escolha eterna e imutável de nosso Pai celestial.

Em resumo, como a Escritura demonstra, Deus designou de uma vez por todas, em seu conselho eterno e imutável, aqueles a quem Ele quis salvar e aqueles a quem Ele quis deixar em sua justa condenação. Para os eleitos, esta escolha se baseia em Sua pura misericórdia, sem qualquer consideração pela dignidade humana. 

Que possamos, portanto, não rejeitar esta doutrina, mas recebê-la com fé, encontrando nela a mais profunda humildade, a mais sincera reverência e a mais doce paz.


Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo XXI - "A eleição eterna, pela qual Deus predestinou uns para a salvação e outros para a perdição"

Lista de estudos da série

1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas

20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas

21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas

22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas

23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas

25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

Postar um comentário

O autor reserva o direito de publicar apenas os comentários que julgar relevantes e respeitosos.

Postagem Anterior Próxima Postagem
Ajuste a fonte: