Nossa cultura moderna tem uma obsessão: evitar o sofrimento a todo custo. Somos bombardeados com mensagens que prometem uma vida mais fácil, mais confortável e livre de dor. De aplicativos de bem-estar a filosofias de pensamento positivo, tudo parece gritar: "Você merece ser feliz e sem problemas!".
Essa mentalidade, infelizmente, infiltrou-se em muitas igrejas. A ideia de que uma vida de fé é uma vida de sucesso contínuo, saúde perfeita e ausência de dificuldades tornou-se popular.
Quando a adversidade bate à nossa porta — seja uma doença, uma perda financeira ou um conflito doloroso —, nossa primeira reação é pensar: "O que eu fiz de errado? Onde está Deus?".
No entanto, a Escritura nos apresenta um quadro radicalmente diferente. No último estudo bíblico, aprendemos que o resumo da vida cristã é a renúncia a nós mesmos.
Agora, o entendimento do crente precisa se elevar ainda mais, até o ponto em que Cristo convida seus discípulos: "tome a sua cruz e siga-me" (Mateus 16.24).
Aqueles a quem o Senhor adotou como filhos devem se preparar para uma vida que, por vezes, será dura, trabalhosa e cheia de aflições. Por quê? Porque a vontade do nosso Pai celestial é nos exercitar e nos provar.
A pergunta que nos guia hoje é: qual o propósito de Deus ao nos chamar para carregar uma cruz? Como o sofrimento, que parece tão adverso e mau, pode se tornar uma bênção em nossa jornada de salvação?
1. A cruz nos une a Cristo em seu sofrimento e em sua glória
Quando pensamos na vida de Jesus, nosso Primogênito, vemos um paradoxo impressionante. Embora fosse o Filho amado, em quem o Pai tinha todo o prazer, sua vida terrena não foi de facilidades e regalos. Pelo contrário, foi uma jornada de perpétua cruz e aflição.
O apóstolo nos diz que "convinha que, por sofrimentos, [Deus] aperfeiçoasse o Autor da salvação deles" e que Jesus "aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu" (Hebreus 2.10; 5.8).
Se Cristo, nossa Cabeça, teve necessariamente que se submeter a essa condição — e Ele o fez por nossa causa, para nos deixar um exemplo de paciência —, como poderíamos nós, seus membros, esperar ser isentos dela?
A Palavra de Deus estabelece como meta para todos os Seus filhos que sejamos "conformes à imagem de seu Filho" (Romanos 8.29). Portanto, o sofrimento não é um acidente de percurso na vida cristã; é parte do caminho.
Aqui, encontramos um consolo extraordinário. Ao sofrermos coisas que o mundo chama de "adversas e más", na verdade estamos comungando com a cruz de Cristo.
Assim como Ele, através de um labirinto de males, entrou em Sua glória celestial, também nós, "através de muitas tribulações, [entramos] no Reino de Deus" (Atos 14.22).
O apóstolo Paulo via isso como um privilégio. Ele desejava não apenas conhecer a Cristo, mas também "a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte" (Filipenses 3.10).
Quanto maiores as adversidades que enfrentamos, mais firme se torna a certeza de nossa comunhão com Cristo. Por meio dessa união, as próprias aflições se convertem em bênçãos que nos impulsionam em nossa salvação.
Aplicação
- Reinterprete suas dificuldades. Em vez de ver suas provações como um sinal do abandono de Deus, veja-as como um convite para uma comunhão mais profunda com Cristo. Você está trilhando o mesmo caminho que seu Salvador trilhou.
- Busque o propósito, não apenas o alívio. Em meio a uma provação, além de orar para que ela passe, ore perguntando: "Senhor, como posso me tornar mais parecido contigo através desta situação? O que esta cruz está me ensinando sobre a tua paciência e obediência?".
- Não compare sua cruz com a dos outros. Cada crente tem uma cruz designada por Deus para carregar. Comparar-se com os outros gera apenas orgulho ou inveja. Foque em carregar fielmente a cruz que Deus lhe deu.
2. A cruz quebra nosso orgulho e nos ensina a depender da graça de Deus
Por natureza, estamos perigosamente inclinados a nos exaltar. Se não formos confrontados de maneira irrefutável com nossa própria fraqueza, facilmente superestimamos nossa força. Confiamo em nossa carne, agindo com orgulho diante de Deus, como se nossas próprias faculdades fossem suficientes, sem a necessidade da Sua graça.
O melhor remédio de Deus para abater essa arrogância é nos mostrar, na prática, quão frágeis realmente somos. Ele nos aflige com humilhações, pobreza, doenças e perdas.
Sob o peso desses golpes, nossa autoconfiança desmorona. Ao nos vermos abatidos, aprendemos a invocar Sua força, a única capaz de nos manter firmes para não sucumbirmos.
Até os crentes mais santos precisam desse remédio. Davi, em um momento de honestidade brutal, confessa:
Salmo 30.6-7
Eu dizia na minha prosperidade: Jamais serei abalado. Tu, SENHOR, por teu favor, fizeste que a minha montanha permanecesse forte; ocultaste o rosto, e fiquei conturbado.
Na bonança, Davi se esqueceu de que sua segurança dependia inteiramente da graça de Deus e confiou em si mesmo.
A tribulação foi o instrumento de Deus para lembrá-lo de sua total dependência. A cruz nos despoja da confiança tola na carne e nos leva a nos abrigarmos na graça de Deus. E, ao nos abrigarmos nela, experimentamos a presença de Seu poder divino, que é a nossa única e suficiente fortaleza.
Aplicação
- Identifique suas "montanhas fortes". Quais são as áreas de sua vida (carreira, finanças, talentos, relacionamentos) onde você se sente autossuficiente e menos dependente de Deus? Reconheça que mesmo essas áreas são sustentadas pela graça Dele.
- Transforme a fraqueza em oração. Quando se sentir fraco, abatido ou incapaz diante de uma provação, não veja isso como um fracasso total. Veja como uma oportunidade perfeita para clamar: "Senhor, não posso fazer isso. Preciso da tua força".
- Aprenda a lição da humildade. A cruz tem o propósito de nos manter humildes. Agradeça a Deus pelas experiências que o lembram de que você não é autossuficiente, pois é nessas lições que você aprende a verdadeira força.
3. A cruz nos treina na paciência, na esperança e na obediência
Deus tem ainda outro propósito ao nos afligir: provar nossa paciência e nos ensinar a obediência. Como um bom Pai, Ele não permite que as virtudes que Ele nos deu fiquem ociosas. Assim como o ouro é provado no fogo, nossa fé é provada pela tribulação (1 Pedro 1.7).
Esse processo produz uma corrente de graças em nós, como Paulo descreve em Romanos 5.3-4. A tribulação produz paciência.
E a paciência serve como uma prova (ou experiência), pois ao perseverarmos com a força de Deus, experimentamos a verdade de Suas promessas de socorro.
E essa experiência, por sua vez, confirma nossa esperança, pois seria uma grande ingratidão duvidar da fidelidade de Deus no futuro, depois de já a termos experimentado tantas vezes no passado.
Além disso, com a cruz somos ensinados a obedecer. Aprendemos a viver não segundo nosso capricho, mas de acordo com a vontade de Deus.
Sem as rédeas da disciplina, nossa carne, como um cavalo teimoso, se torna indomável e dá coices contra o Senhor que nos sustenta (Deuteronômio 32.15). A cruz é o remédio de Deus contra a nossa insolência, corrigindo nossas faltas passadas e nos mantendo no caminho da obediência.
Longe de ser um castigo para nossa destruição, a disciplina da cruz é um testemunho do amor imutável de Deus. "Porque o Senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a quem recebe" (Provérbios 3.12).
Ser disciplinado é um sinal de que somos filhos legítimos, não bastardos (Hebreus 12.8). A cruz é a ferramenta do nosso Pai celestial para nos moldar à Sua vontade.
Aplicação
- Veja a tribulação como um laboratório da fé. Cada provação é uma oportunidade de ver a promessa de Deus se tornar uma experiência em sua vida. Documente como Deus o ajudou em dificuldades passadas para fortalecer sua esperança para o futuro.
- Submeta sua vontade. A obediência é aprendida quando nossa vontade entra em conflito com a de Deus e escolhemos a Dele. Nas provações, pergunte: "Senhor, o que a Tua vontade está tentando me ensinar aqui que a minha própria vontade não quer aprender?".
- Receba a disciplina com gratidão. Embora dolorosa, a correção de Deus é uma de Suas maiores misericórdias. É melhor ser corrigido por um Pai amoroso do que ser abandonado à própria sorte. Agradeça a Ele por se importar o suficiente para nos disciplinar.
Conclusão
Sofrer pacientemente a cruz é, de fato, uma parte essencial da renúncia a nós mesmos. Contudo, essa paciência não é a insensibilidade fria dos filósofos estóicos.
O cristão não se torna uma pedra, incapaz de sentir dor ou tristeza. O próprio Cristo, nosso Mestre, gemeu, chorou e sentiu Sua alma "profundamente triste, até a morte" (Mateus 26.38).
A paciência cristã não é a ausência de dor, mas a presença de um consolo espiritual que a supera. É um combate constante em nosso coração.
A natureza sente a amargura da provação e recua, mas a fé, mesmo em meio à dor, se apega à vontade de Deus e encontra alegria. Estamos "atribulados em tudo, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos" (2 Coríntios 4.8-9).
Portanto, não nos desesperemos ao sentir a dor natural das aflições. Isso não é um sinal de falta de fé. A verdadeira vitória é, mesmo sentindo a amargura, resistir com a força que vem de Deus, encontrar paz no consolo do Espírito e submeter nossa vontade à do nosso Pai, concluindo sempre: "o SENHOR o quis assim; sigamos, pois, a sua vontade".
Que possamos ver a cruz em nossas vidas não como uma maldição, mas como o instrumento escolhido por Deus para nos unir a Cristo, quebrar nosso orgulho, treinar nossa obediência e nos encher de uma esperança inabalável, sabendo que todas as aflições deste tempo presente não podem se comparar com a glória que em nós há de ser revelada.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo VIII - "Sofrer pacientemente a cruz é uma parte da negação de nós mesmos"
Lista de estudos da série
1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas
20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas
21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas
22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas
23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas
25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas
