Talvez uma das perguntas mais comuns e angustiantes na jornada cristã seja: "o que é a fé?". Muitos de nós crescemos ouvindo que a salvação é "pela fé", que devemos "viver pela fé" e que "sem fé é impossível agradar a Deus".
No entanto, quando tentamos definir o que essa fé realmente é, as respostas muitas vezes se tornam vagas e confusas.
Para alguns, a fé parece um salto no escuro, uma decisão de acreditar em algo sem nenhuma evidência. Para outros, é um sentimento de confiança que vai e vem com as marés das circunstâncias. Em momentos de dificuldade, essa fé frágil pode parecer uma base de areia, incapaz de sustentar o peso de nossas dúvidas e medos.
No estudo bíblico anterior, vimos que a obra de Cristo só se torna nossa pela ação do Espírito Santo. Agora, precisamos entender o instrumento que o Espírito usa para nos conectar a Cristo: a fé. Mas não qualquer tipo de fé. A Palavra de Deus nos convida a algo muito mais profundo do que uma simples opinião ou uma convicção superficial.
Neste estudo, mergulharemos no coração do que significa crer verdadeiramente. Descobriremos que a fé bíblica não é um sentimento instável nem uma crença cega, mas um conhecimento firme e certo.
Qual é a natureza dessa fé que nos une a Cristo e nos dá posse do Reino Celestial? Como podemos sair de uma fé baseada em suposições para uma fé ancorada na certeza?
1. A verdadeira fé sempre olha para Jesus Cristo
Imagine tentar entender um rei poderoso e glorioso estudando apenas as leis e a geografia de seu reino. Você poderia acumular muitos fatos, mas nunca conheceria o coração do rei, seu caráter, sua misericórdia ou seu amor. O conhecimento seria frio, distante e talvez até assustador.
Da mesma forma, a fé que salva não é uma crença genérica em um "Deus" abstrato. Deus, em Sua majestade, habita em "luz inacessível" (1 Timóteo 6.16).
Tentar se aproximar Dele apenas com base em nosso próprio raciocínio ou mérito é como tentar olhar diretamente para o sol; o resultado não é iluminação, mas cegueira e confusão.
Por isso, o único alvo da fé verdadeira é Jesus Cristo. Ele é a imagem visível do Deus invisível, o resplendor da Sua glória (Hebreus 1.3).
Deus Pai depositou tudo o que Ele é e tudo o que Ele tem em Seu Filho, para que, ao olharmos para Cristo, possamos ver o Pai. Jesus mesmo declarou: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim" (João 14.6).
Cristo é a ponte entre a majestade inacessível de Deus e nossa fragilidade humana. Ele é a "luz do mundo" (João 8.12) que ilumina nosso caminho para Deus. Sem Ele, estaríamos perdidos em labirintos de especulação e medo.
O apóstolo Paulo entendeu isso tão profundamente que afirmou não ter se proposto a saber coisa alguma entre os coríntios, "senão a Jesus Cristo e este crucificado" (1 Coríntios 2.2). A fé não olha para dentro de si mesma nem para as circunstâncias ao redor; ela fixa seus olhos em Cristo.
Como disse Agostinho, um antigo pai da igreja, para guiar nossa fé corretamente, precisamos saber para onde vamos e por onde vamos. Cristo é ambos: Ele é Deus, o destino para o qual vamos, e Ele é homem, o caminho pelo qual vamos. Ambos os aspectos se encontram unicamente Nele.
Aplicação
- Simplifique seu foco espiritual. Em vez de se perder em complexas questões teológicas abstratas, volte sempre ao centro: a pessoa e a obra de Jesus Cristo, conforme reveladas nos Evangelhos. O que Ele disse? O que Ele fez? Como Ele demonstrou o amor do Pai?
- Quando orar, faça-o através de Cristo. Lembre-se de que seu acesso ao Pai não se baseia em seus méritos, mas na mediação de Jesus. Isso transforma a oração de um ritual ansioso em um diálogo confiante.
- Fundamente sua segurança Nele. Sua esperança de salvação não deve repousar em uma vaga ideia de um "ser superior" benevolente, mas na obra específica de Cristo na cruz e em Sua ressurreição. A fé se apega a essa realidade histórica.
2. A fé não é um salto no escuro, mas um conhecimento iluminado
Um dos enganos mais perigosos sobre a fé é a ideia de que ela consiste em ignorância, em uma submissão cega à autoridade de uma igreja ou de uma tradição, sem qualquer entendimento pessoal. Essa noção transforma a fé em um ato de credulidade, não de conhecimento. Mas as Escrituras ensinam o oposto: crer não é não compreender nada; a fé é, em sua essência, um tipo de conhecimento.
Mas conhecimento de quê? Não é apenas o conhecimento de que Deus existe, ou o conhecimento dos fatos históricos do Evangelho.
A fé é, fundamentalmente, o conhecimento da boa vontade de Deus para conosco. É conhecer, de forma pessoal e convicta, que Deus é nosso Pai benevolente, por causa da reconciliação que Jesus Cristo realizou por nós.
A fé não é alcançada por submeter nosso entendimento a uma instituição, mas por conhecer que em Cristo temos justiça, santificação e vida.
É este conhecimento que nos dá entrada no Reino dos Céus. Quando o apóstolo diz que "com o coração se crê para a justiça" (Romanos 10.10), ele está exigindo um conhecimento explícito e claro da bondade de Deus, no qual nossa justiça se apoia.
A vida eterna, segundo Jesus, é exatamente isso: "que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17.3).
A fé, portanto, está inseparavelmente ligada à Palavra de Deus, pois é através da Palavra que esse conhecimento nos é revelado. Como diz o salmista: "Ouve, povo meu, e eu falarei" (Salmo 50.7). Onde não há a Palavra do Evangelho, não pode haver a fé que salva; sobra apenas um erro vacilante da mente.
Aplicação
- Alimente sua fé com conhecimento. Não se contente com uma fé baseada apenas em experiências emocionais ou tradições herdadas. Mergulhe nas Escrituras para entender profundamente o caráter de Deus, a obra de Cristo e as promessas do Evangelho.
- Questione a "fé implícita". Cuidado com a tendência de terceirizar sua vida espiritual, deixando que outros pensem e decidam por você. A fé genuína é pessoal e requer um engajamento ativo com a verdade de Deus.
- Em tempos de dúvida, recorra à Palavra. A resposta para a incerteza não é tentar "sentir" mais fé. É voltar à fonte do conhecimento: a Palavra de Deus. Releia as promessas de Deus sobre Seu amor e perdão em Cristo até que elas se tornem mais reais para você do que suas dúvidas.
3. A fé verdadeira luta com a dúvida, mas não é dominada por ela
Se a fé é um conhecimento "firme e certo", como podemos lidar com as dúvidas e medos que tantas vezes nos assaltam?
A vida cristã raramente se parece com um mar de tranquilidade. Pelo contrário, muitas vezes ela é uma batalha feroz contra a incredulidade que brota de nossos próprios corações. O exemplo do rei Davi nos mostra isso de forma vívida.
Em seus Salmos, Davi expressa uma confiança inabalável em Deus. Mas, em outros momentos, ele clama em agonia: "Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas em mim?" (Salmo 42.5).
Ele chega a sentir como se Deus o tivesse abandonado. Isso significa que Davi não tinha uma fé verdadeira? De modo algum. Isso mostra que a fé verdadeira não é a ausência de luta, mas a perseverança na luta.
A fé, como uma palmeira que, mesmo sob grande peso, se curva mas não quebra e continua a crescer para o alto, é constantemente pressionada pela dúvida, mas nunca é esmagada por ela.
O crente vive em uma tensão: por um lado, ele se alegra no conhecimento da bondade de Deus; por outro, ele treme ao sentir sua própria miséria e pecado. Por um lado, descansa na promessa do Evangelho; por outro, estremece diante do testemunho de sua própria maldade.
Essa batalha vem da imperfeição de nossa fé nesta vida. A desconfiança que habita em nossa natureza caída se levanta constantemente para atacar e tentar destruir a fé que o Espírito plantou em nós. No entanto, o resultado final dessa batalha é sempre a vitória da fé. A fé supera as dificuldades que, ao assediá-la, parecem colocá-la em perigo.
A incredulidade não reina no coração do fiel, mas o ataca de fora. Ela pode feri-lo, mas as feridas não são mortais, pois a fé age como um escudo que, mesmo arranhado, protege o coração (Efésios 6.16). Portanto, o crente fiel, mesmo afligido e atormentado, no final supera todas as dificuldades, pois sua confiança na misericórdia de Deus nunca é arrancada de seu coração.
Aplicação
- Não confunda a batalha da fé com a ausência de fé. Sentir dúvidas não faz de você um incrédulo. A verdadeira questão é: para onde você corre em meio às suas dúvidas? Você corre para longe de Deus ou corre para Ele, como Davi, clamando em meio à sua angústia?
- Use a Palavra como sua arma. Quando a tentação lhe disser que Deus é seu inimigo porque você está sofrendo, a fé se defende com a verdade de que a disciplina de Deus vem do amor, não da ira. Quando a consciência o acusar por seus pecados, a fé responde que a misericórdia de Deus é maior do que todos eles.
- Encontre descanso na certeza de Deus, não na sua. Sua segurança não se baseia na força da sua fé, mas na fidelidade dAquele em quem você crê. A promessa de Deus é a rocha firme, mesmo quando as ondas de seus sentimentos estão agitadas.
Conclusão
Ao final desta jornada, podemos definir a fé de uma maneira mais clara e robusta:
A fé é um conhecimento firme e certo da vontade de Deus em relação a nós, fundado na verdade da promessa gratuita feita em Jesus Cristo, revelada à nossa mente e selada em nosso coração pelo Espírito Santo.
Essa definição nos mostra que a fé não é uma emoção passageira nem uma crença cega. Ela é um conhecimento, pois se baseia na revelação da Palavra de Deus. É um conhecimento firme e certo, pois é selado em nós pelo Espírito Santo. Seu foco exclusivo é Jesus Cristo, pois é Nele que todas as promessas de Deus encontram seu "Sim".
E, embora lute constantemente contra a dúvida, ela sempre emerge vitoriosa, pois se agarra não à nossa própria força, mas à imutável misericórdia de nosso Pai celestial.
Que possamos abandonar as caricaturas de fé que o mundo nos oferece e abraçar esta fé viva e robusta. Uma fé que não ignora a razão, mas a ilumina.
Uma fé que não nega a realidade da luta, mas a vence. Uma fé que nos une a Cristo e nos dá a segurança inabalável de que somos filhos amados de Deus, agora e para sempre.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro III - Capítulo II - "Da fé. Sua definição e exposição de suas propriedades"
Lista de estudos da série
1. A Conexão Secreta: Como a obra do Espírito Santo nos une a Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O Conhecimento Que Salva: A fé como certeza, não como um salto no escuro – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O Fruto da Fé: O que é o verdadeiro arrependimento que transforma a vida – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Labirinto da Culpa: A liberdade do perdão em contraste com rituais humanos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. A Afronta à Cruz: Por que a obra de Cristo não precisa de suplementos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. O Mapa da Santidade: Como viver uma vida que realmente honra a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. O Paradoxo da Vida: Por que negar a si mesmo é o caminho para a liberdade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. A Bênção Disfarçada: O propósito divino de carregar a nossa cruz – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Bússola da Alma: Vivendo nesta vida com os olhos fixos na eternidade – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. A Alegria Equilibrada: Como usar os dons de Deus com gratidão e moderação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. O Veredito da Graça: O que significa ser justificado somente pela fé – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Diante do Trono: A única perspectiva que revela nossa necessidade da graça – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Os Dois Pilares da Fé: Como a justificação glorifica a Deus e pacifica a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Obra da Graça: O valor das boas obras na vida do crente justificado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Jogo do Mérito: Desconstruindo a confiança nas obras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Graça que Santifica: Por que a justificação gratuita produz uma vida santa – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. A Harmonia da Graça: Como as promessas da Lei se cumprem no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Presente da Recompensa: Entendendo a motivação por trás das boas obras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. O Antídoto Duplo: Como a liberdade cristã nos protege do legalismo e da licença – Estudo Bíblico sobre as Institutas
20. A Chave do Tesouro: Descobrindo o poder e o propósito da oração – Estudo Bíblico sobre as Institutas
21. O Mistério da Escolha: A doutrina da eleição como fonte de humildade e segurança – Estudo Bíblico sobre as Institutas
22. A Soberania que Salva: Como a escolha de Deus se revela na história bíblica – Estudo Bíblico sobre as Institutas
23. A Graça que Incomoda: Respondendo às objeções sobre a eleição e a reprovação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
24. O Selo da Salvação: Como o chamado de Deus confirma Sua escolha eterna – Estudo Bíblico sobre as Institutas
25. A Esperança que Sustenta: Meditando na ressurreição final para viver hoje – Estudo Bíblico sobre as Institutas
