Nos últimos estudos, embarcamos em uma jornada para conhecer a Deus. Vimos Sua revelação majestosa na criação e, de forma ainda mais clara, na Sua Palavra, a Bíblia. Aprendemos que a Escritura é a lente através da qual enxergamos o Criador com nitidez.
Agora, chegamos a uma questão crucial que decorre desse conhecimento: como devemos responder? Se Deus é o Criador glorioso e a Bíblia é Sua Palavra autoritativa, como, então, devemos servi-Lo?
A história da humanidade é um cemitério de religiões falsas, ídolos de todos os tipos e rituais vazios.
Como podemos garantir que nossa adoração é pura e agrada a Deus, em um mundo que constantemente nos oferece substitutos?
O conhecimento de Deus não é uma especulação fria; ele exige uma resposta. Ele nos convida a um serviço, a uma adoração.
Neste estudo, veremos que a Escritura não apenas nos apresenta o verdadeiro Deus, mas também estabelece um princípio fundamental sobre Ele: Deus se separa de todos os ídolos para que somente Ele seja servido.
Ele é um Rei que não divide Seu trono, um Deus que não compartilha Sua glória.
1. A verdadeira adoração é um serviço exclusivo, não uma especulação vazia
É fundamental repetir, como um resumo do que já vimos, que a verdadeira religião não é uma disputa de palavras, mas um chamado para que não atribuamos a nenhuma outra criatura aquilo que pertence exclusivamente a Deus. É aqui que vemos a diferença clara entre a religião pura e a superstição.
A palavra grega para piedade, eusébeia, significa um serviço ou culto bem ordenado. Isso mostra que até mesmo aqueles que andavam nas trevas do paganismo entendiam que deveria haver uma regra correta para honrar a Deus.
A religião, em sua essência, nos mantém dentro de certos limites, nos protegendo da licença excessiva de inventar o que quisermos. A superstição, por outro lado, nasce quando não nos contentamos com o que Deus ordenou e acrescentamos um monte de coisas vãs.
Embora todos concordem que a religião se corrompe quando misturada com falsidades, a ignorância humana é vasta.
As pessoas não se contentam com um só Deus e não se preocupam em descobrir como Ele deseja ser servido. Mas Deus, para manter Seu direito, declara que é zeloso.
Se Ele for misturado com outros deuses, Ele certamente se vingará. Seu verdadeiro serviço consiste em duas coisas: primeiro, que O tenhamos como nosso único Legislador; segundo, que O sirvamos de acordo com as regras que Ele estabeleceu em Sua vontade.
O profeta Elias confrontou essa mistura religiosa no Monte Carmelo. Ele não perguntou ao povo se Baal era o deus verdadeiro ou se o Senhor era. Ele perguntou algo mais fundamental: “Até quando vocês vão mancar para os dois lados?
Se o Senhor é Deus, sigam-no; mas, se Baal é Deus, sigam-no” (1 Reis 18:21). A questão não era apenas quem adorar, mas a exclusividade dessa adoração.
Aplicação
- Faça um inventário do seu coração. O que compete com Deus pelo primeiro lugar em sua vida? Pode não ser um ídolo de pedra, mas pode ser sua carreira, seu conforto, a aprovação dos outros, ou até mesmo sua família. A verdadeira adoração exige que Deus ocupe o trono sem concorrentes.
- Adoração é mais do que um sentimento; é serviço. Como sua rotina semanal reflete que você serve a Deus? A forma como você usa seu tempo, dinheiro e talentos demonstra que Ele é seu único Senhor?
- Simplifique sua fé. Desconfie de qualquer ensinamento que adicione complexidades desnecessárias à adoração que Deus pede na Bíblia. A verdadeira religião não é complicada; ela é focada, pura e centrada exclusivamente em Deus.
2. A superstição não substitui a Deus, ela o dilui com ídolos menores
A Lei de Deus foi dada como um freio para impedir que os homens caíssem em formas falsas de serviço.
É crucial entender a principal astúcia da superstição: ela raramente nos induz a abandonar completamente o Deus verdadeiro. Em vez disso, ela nos engana de uma forma mais sutil.
Ela deixa a Deus o lugar supremo, mas O rodeia com uma multidão de deuses menores, entre os quais ela distribui os ofícios que são próprios d'Ele.
Desta forma, de maneira dissimulada, a glória da divindade é dispersada, em vez de residir apenas em um.
Os idólatras do passado imaginavam um deus supremo, pai de todos, mas atribuíam o governo do mundo a uma infinidade de outras divindades que trabalhavam ao lado dele.
Exatamente o mesmo foi feito com os santos que morreram. Eles foram exaltados a ponto de se tornarem companheiros de Deus, sendo honrados, invocados e celebrados com festas como se fossem o próprio Deus.
Com essa abominação, a majestade divina não é apenas obscurecida, mas em grande parte suprimida. Resta apenas uma ideia fria e estéril do poder supremo de Deus, enquanto andamos, na prática, atrás de uma infinidade de ídolos.
A história de Israel após o exílio da Babilônia, registrada em 2 Reis 17, ilustra perfeitamente essa diluição.
Os novos habitantes de Samaria “adoravam o Senhor, mas também serviam aos seus próprios deuses” (2 Reis 17:33). Eles não rejeitaram a Deus, mas o tornaram apenas mais um no panteão de suas vidas. Essa mistura é abominável para o Senhor.
Aplicação
- Identifique os “deuses menores”. Você recorre a amuletos da sorte, astrologia ou outras superstições “só por via das dúvidas”? Isso é um sinal de que a glória de Deus está sendo diluída em sua vida com outros poderes nos quais você deposita uma parte da sua confiança.
- Vá diretamente à Fonte. A Bíblia ensina que há “um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus” (1 Timóteo 2:5). Não precisamos de santos ou anjos como intermediários. A superstição cria uma hierarquia desnecessária que nos distancia do acesso direto que temos a Deus através de Cristo.
- Dê todo o crédito a Deus. Quando algo bom acontece, a quem você dá o crédito? A Deus somente, ou você o divide com a “sorte”, o “universo”, ou o “pensamento positivo”? Dar a glória que pertence a Deus a qualquer outra coisa é uma forma de idolatria.
3. Toda a glória pertence a Deus, e Ele não a compartilha com ninguém
Para tentar justificar a honra dada a anjos e santos, foi inventada a distinção entre *latria* e *dulia*. A ideia é que *latria* (adoração) pertence somente a Deus, enquanto *dulia* (serviço ou veneração) pode ser dada a criaturas. Mas isso é apenas um jogo de palavras para esconder uma realidade grave.
O apóstolo Paulo, ao se dirigir aos gálatas, não usa a palavra *latria*, mas diz que, antes de conhecerem a Deus, eles serviam (*dulia*) “aos que por natureza não são deuses” (Gálatas 4:8). Ele condena a superstição deles usando a mesma palavra que outros usam para justificá-la.
Quando Satanás tentou a Cristo no deserto, ele não pediu *latria*, mas apenas um ato de reverência (*proskynesis*). A resposta de Jesus foi definitiva: “Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto’” (Mateus 4:10). O culto, o serviço exclusivo, pertence somente a Deus.
Quando o apóstolo João se prostrou diante do anjo, ele foi imediatamente repreendido: “Não faça isso! Sou um servo como você... Adore a Deus!” (Apocalipse 19:10).
João certamente não era tolo a ponto de querer dar ao anjo a honra que só pertence a Deus. Mas qualquer ato de devoção religiosa a uma criatura inevitavelmente rouba parte da glória de Deus.
O mesmo acontece com Cornélio e Pedro. Cornélio se ajoelhou diante de Pedro, que o impediu, dizendo: “Levante-se, eu também sou homem” (Atos 10:25-26).
Pedro entendeu que os seres humanos não conseguem distinguir claramente a honra civil da honra religiosa, e que qualquer gesto de adoração a uma criatura é perigoso.
Portanto, se queremos ter um só Deus, devemos lembrar que não se pode tirar a mínima parte de Sua glória. Tudo o que Lhe pertence deve ser dado a Ele. Como diz o profeta Zacarias sobre o dia da redenção da Igreja, não apenas haverá um só Senhor, mas "o seu nome será o único nome" (Zacarias 14:9).
Aplicação
- Direcione toda a sua adoração a Deus. Em suas orações, canções e pensamentos, dirija sua devoção exclusivamente ao Deus Triúno: Pai, Filho e Espírito Santo.
- Honre, mas não adore. Nós devemos honrar nossos pais, líderes e os heróis da fé que vieram antes de nós. Mas essa é uma honra de respeito e gratidão, que é categoricamente diferente da devoção religiosa, que pertence somente a Deus.
- Zele pela glória de Deus. Peça a Deus um coração que seja zeloso por Sua honra. Fique sensível a qualquer ensino ou prática, em sua vida ou na igreja, que sutilmente desvie a adoração, a confiança ou a glória que pertencem somente a Ele.
Conclusão
A mensagem da Escritura é clara e intransigente: há um só Deus, e Ele exige um serviço exclusivo.
A verdadeira religião consiste em dar a Ele toda a honra, sem dividi-la ou diluí-la com qualquer outra criatura, ideia ou poder. A superstição, em todas as suas formas, é uma tentativa de roubar um pouco da glória que pertence somente a Ele.
Deus nos deu Sua Lei não como uma prisão, mas como uma proteção para nossa adoração. Ele estabeleceu as regras para que não nos perdêssemos em nossas próprias invenções.
Que possamos abraçar essa verdade com alegria, limpando o altar de nossos corações de todos os ídolos menores e reservando o trono para o único Rei que é digno de todo o nosso serviço, toda a nossa confiança e toda a nossa adoração.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo XII - "Deus se separa dos ídolos a fim de que somente Ele seja servido"
Lista de estudos da série
1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
