Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Nós servimos a um Deus que é, ao mesmo tempo, infinitamente maior do que nós e intimamente próximo a nós. A Bíblia o descreve com uma simplicidade que acalma e uma complexidade que nos humilha. Talvez o maior desses mistérios, o coração da fé cristã, seja a doutrina da Trindade.

Como pode Deus ser um e, ao mesmo tempo, três? A Escritura fala consistentemente de um único Deus. No entanto, ela também nos apresenta o Pai como Deus, o Filho como Deus e o Espírito Santo como Deus.

Essa não é uma contradição, mas uma revelação da natureza mais profunda do nosso Criador, que nos convida a ir além da lógica humana e a mergulhar na adoração.

Muitos, ao longo da história, tropeçaram neste ponto. Alguns, tentando simplificar, acabaram negando a divindade de Cristo. 

Outros, para preservar a unidade, acabaram dissolvendo as distinções entre as Pessoas. Mas a Escritura nos oferece um caminho equilibrado, ensinando-nos desde a criação que na única e indivisível essência de Deus existem três Pessoas distintas.

Este estudo nos guiará pelas Escrituras para entendermos, com sobriedade e reverência, como Deus se revela como Pai, Filho e Espírito Santo, um só Deus em uma gloriosa Trindade.

1. Deus se revela em uma linguagem que podemos entender

A primeira coisa que a Escritura nos ensina sobre a essência de Deus é que ela é infinita e espiritual. Essa verdade destrói tanto as ideias populares quanto as filosofias complexas. 

Um escritor antigo disse que “Deus é tudo o que vemos e também o que não vemos”, imaginando que a divindade estivesse espalhada por todo o mundo. A Bíblia, no entanto, nos corrige.

Para nos manter na sobriedade, a Palavra de Deus não entra em detalhes excessivos sobre Sua essência. Mas com os títulos que Ele usa para Si mesmo, como Javé (o EU SOU) e Elohim (Deus Poderoso), ela abate nossas especulações e reprime o atrevimento da nossa mente. 

A infinidade da Sua essência deve nos assombrar, de modo que não ousemos medi-la com nossos sentidos. Sua natureza espiritual nos proíbe de imaginar qualquer coisa carnal ou terrena a respeito d'Ele.

É por isso que a Bíblia frequentemente diz que a morada de Deus é no céu. Não porque Ele esteja limitado a um lugar, pois Ele preenche a terra, mas para nos despertar da nossa preguiça mental. Nossas mentes são lentas e tendem a ficar presas ao chão. Ao nos apontar para o céu, a Escritura nos eleva acima do mundo.

Nesse processo, a Bíblia muitas vezes usa uma linguagem que os teólogos chamam de antropomorfismo, atribuindo a Deus características humanas como boca, olhos, mãos e pés. Isso refuta aqueles que imaginam que Deus tem um corpo. 

Alguém com o mínimo de entendimento não percebe que Deus, por assim dizer, “balbucia” conosco, como uma babá fala com uma criança, para se acomodar à nossa capacidade?

Essas formas de falar não descrevem como Deus é em Si mesmo, mas se adaptam à nossa fraqueza para nos dar algum conhecimento d'Ele. A Escritura não pode fazer isso sem se rebaixar ao nosso nível, muito abaixo da majestade de Deus.

Isaías 55:9
“Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos.”

Aplicação

  • Abrace o mistério com humildade. É perfeitamente normal não compreender completamente a natureza de Deus. A verdadeira fé não exige entendimento total, mas confiança total n'Aquele que Se revela.
  • Seja grato pela “linguagem de bebê” de Deus. Agradeça a Deus por Ele não ter permanecido em silêncio em Sua majestade incompreensível. Ele se inclinou para falar conosco em termos que, mesmo sendo limitados, nos permitem conhecê-Lo e amá-Lo.
  • Foque no que foi revelado. Resista à tentação de especular sobre os aspectos de Deus que a Bíblia não revela. A curiosidade vã nos leva ao erro. A verdadeira sabedoria está em se aprofundar naquilo que Deus, em Sua graça, nos revelou em Sua Palavra.

2. A Bíblia revela um Deus em três Pessoas distintas

Ao mesmo tempo em que a Escritura nos apresenta um só Deus, ela também nos oferece uma distinção particular para melhor conhecê-Lo: Ele se revela em três Pessoas distintas. Se não prestarmos atenção a isso, teremos em nossa mente apenas um nome vazio de Deus, sem a riqueza de Sua realidade.

Para que ninguém imagine um “deus de três cabeças” ou pense que a essência divina se divide, é preciso usar a linguagem com cuidado. 

A palavra “Pessoa” foi adotada pelos pais da igreja para descrever essa realidade. Alguns rejeitam o termo por não estar explicitamente na Bíblia, mas ele se tornou necessário para defender a verdade contra as heresias.

Ário, por exemplo, confessava que Cristo é Deus, mas secretamente ensinava que Ele era uma criatura. Para combater essa mentira, os pais da igreja afirmaram que Cristo é “consubstancial” (*homoousios*) com o Pai, ou seja, da mesma essência. 

Sabelio, por outro lado, dizia que Pai, Filho e Espírito Santo eram apenas “títulos” ou “modos” diferentes do mesmo Deus, sem distinção real. Para refutá-lo, os pais da igreja afirmaram que há em Deus uma Trindade de Pessoas.

Esses termos não são invenções humanas, mas explicações necessárias da verdade bíblica. O livro de Hebreus chama o Filho de “a expressão exata do seu ser [do Pai]” (Hebreus 1:3). A palavra grega original é *hypostasis*, que pode ser traduzida como “subsistência”.

Isso nos mostra que há uma subsistência própria que pertence ao Pai e que resplandece no Filho, o que implica que o Filho também tem Sua própria subsistência, distinta da do Pai. O mesmo se aplica ao Espírito Santo.

Essa distinção, no entanto, não é na essência. Dividir a essência de Deus seria blasfêmia. Portanto, as Escrituras nos levam a confessar que em um só Deus há três “subsistências” ou “Pessoas”. É uma maldade condenar palavras que não fazem nada mais do que expressar o que a própria Bíblia afirma.

Aplicação

  • Valorize a doutrina correta. Palavras como “Trindade” e “Pessoa” não são pedras para tropeço, mas guardas de proteção que a Igreja, guiada pelo Espírito, estabeleceu para nos proteger de erros perigosos. Aprenda e use esses termos para articular sua fé com clareza.
  • Adore o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Em sua vida devocional, não ignore nenhuma das Pessoas da Trindade. Agradeça ao Pai pela eleição, ao Filho pela redenção e ao Espírito Santo pela selagem e santificação.
  • Defenda a verdade com humildade e firmeza. Quando encontrar ensinamentos que distorcem a natureza de Deus, esteja preparado para explicar, com base na Escritura, a verdade da Trindade, que é o coração do Evangelho.

3. O Filho e o Espírito Santo são plenamente Deus

A Escritura está repleta de testemunhos da divindade do Filho e do Espírito Santo. Esses não são meros títulos honoríficos, mas declarações sobre a sua própria essência.

A divindade do Filho (Jesus Cristo) é evidente desde a criação. Moisés relata que Deus criou o mundo por meio de Sua Palavra (“Haja luz...”). 

Os apóstolos deixam claro que essa Palavra não era um comando passageiro, mas o Filho eterno, por meio de quem “todas as coisas foram criadas” (Hebreus 1:2; João 1:3). 

Jesus mesmo afirma: “Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando” (João 5:17), declarando uma obra contínua e conjunta com o Pai desde o princípio do mundo.

O Antigo Testamento frequentemente atribui o nome Javé (SENHOR) a Cristo. Jeremias O chama de “SENHOR, Justiça Nossa” (Jeremias 23:6). O Salmo 45:6 se dirige ao rei messiânico, dizendo: “O teu trono, ó Deus, subsiste para todo o sempre”. 

Os apóstolos aplicam consistentemente a Jesus passagens do Antigo Testamento que se referem a Javé, provando que Ele é o Deus eterno cuja glória Isaías viu no templo (João 12:41; Isaías 6:1).

A divindade do Espírito Santo também é claramente ensinada. Em Gênesis 1:2, o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas, participando ativamente da criação. 

Ele é o autor da nossa regeneração para a vida eterna. As Escrituras O atribuem ofícios que pertencem somente a Deus: Ele sonda as profundezas de Deus (1 Coríntios 2:10), distribui dons “como lhe apraz” (1 Coríntios 12:11) e nos torna “templos de Deus” pela Sua habitação em nós (1 Coríntios 3:16-17).

Mentir para o Espírito Santo é mentir para Deus (Atos 5:3-4). A blasfêmia contra o Espírito Santo é um pecado imperdoável, o que indica Sua majestade divina (Mateus 12:31). 

A fórmula batismal dada por Jesus nos comanda a batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mateus 28:19), unindo os três em um único nome e uma única essência.

Aplicação

  • Adore a Jesus como seu Senhor e seu Deus. Como Tomé, confesse a divindade de Cristo sem reservas (João 20:28). Sua salvação depende do fato de que seu Salvador não é uma mera criatura, mas o próprio Deus que se fez carne.
  • Renda-se à soberania do Espírito Santo. Reconheça que o Espírito que habita em você não é uma força impessoal, mas o próprio Deus. Submeta-se à Sua liderança, dependa do Seu poder e não entristeça Aquele que o selou para o dia da redenção.
  • Veja a Trindade em ação na sua salvação. Reflita sobre a obra maravilhosa da Trindade em sua vida: o Pai o escolheu, o Filho o redimiu e o Espírito Santo o regenerou e o santifica. Isso deve encher seu coração de gratidão e adoração.

Conclusão

A doutrina da Trindade não é uma especulação desnecessária; é a forma como a Bíblia nos ensina a conhecer a Deus. Ela nos protege de diminuir a divindade de Cristo ou do Espírito Santo e nos guarda de dividir a essência de Deus.

Confessamos, com as Escrituras, que cremos em um só Deus. E sob este nome de Deus, entendemos uma única e simples essência na qual subsistem três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. 

O Pai, como a fonte; o Filho, como a sabedoria gerada do Pai; e o Espírito, como o poder que procede de ambos. Não são três deuses, mas um só Deus, em quem a unidade da essência não anula a distinção das Pessoas, e a distinção das Pessoas não divide a unidade da essência.

Este é o nosso Deus. Que possamos adorá-lo com a reverência e a sobriedade que um mistério tão profundo exige, maravilhados por Ele ter Se revelado a nós de uma forma tão rica e gloriosa.

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo XIII - "A Escritura nos ensina desde a criação do mundo que na única essência de Deus se contêm três Pessoas"


Lista de estudos da série

1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

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