A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

No último estudo bíblico, vimos uma verdade profunda: Deus plantou em cada um de nós um “sentido da divindade”, uma consciência inata de que Ele existe. 

É como um GPS espiritual, projetado para nos guiar até Ele. Mas, se isso é verdade, por que o cenário religioso do mundo é tão confuso, corrupto e, muitas vezes, destrutivo?

Se todos temos essa semente divina dentro de nós, por que ela não floresce em uma piedade verdadeira e vibrante? 

Em vez disso, o que vemos ao longo da história é um jardim de superstições, ídolos bizarros, rebeldia orgulhosa e religiões baseadas no medo.

A experiência nos mostra que, de cada cem pessoas que guardam essa semente no coração, é difícil encontrar uma que a cultive para que ela dê frutos. E não se encontrará uma sequer em quem essa semente amadureça e atinja a perfeição. 

A realidade é que, seja por ignorância ou por malícia, todos nós nos desviamos do verdadeiro conhecimento de Deus.

A questão que precisamos responder é: Se Deus nos deu essa consciência de Si mesmo, o que acontece no coração humano que a enfraquece, corrompe e a transforma em algo que Deus jamais intencionou? 

Vamos explorar como a ignorância e a maldade humana tomam essa semente divina e a impedem de germinar.

1. Nossa arrogância nos impede de conhecer a Deus como Ele é

A experiência nos mostra que, embora a semente da religião esteja plantada em todos, ela raramente produz bons frutos. 

Alguns se perdem em suas próprias superstições, enquanto outros se afastam de Deus de forma maliciosa e intencional. 

O resultado é o mesmo: todos se desviam do verdadeiro conhecimento de Deus, e por isso não encontramos no mundo uma piedade genuína.

Essa falha não é um erro inocente. A ignorância que leva à superstição quase sempre vem acompanhada de presunção e orgulho

A vaidade humana se manifesta quando, em vez de nos elevarmos acima de nós mesmos para buscar a Deus em Seus termos, tentamos medir o divino pela capacidade limitada da nossa mente carnal.

Não nos preocupamos em buscar a Deus como Ele verdadeiramente é. Em vez disso, nossa curiosidade nos leva a especulações vãs. 

O resultado é que não conhecemos o Deus que se revela, mas sim um deus que fabricamos em nossa própria imaginação. Uma vez que criamos esse abismo, cada passo que damos nos afasta ainda mais d'Ele.

Todo o esforço para honrar e servir a esse "deus" imaginário é em vão, pois não estamos adorando ao Deus verdadeiro, mas a uma projeção de nossas próprias ideias. O apóstolo Paulo descreve essa tragédia com precisão:

Romanos 1.21-22
Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos.

Nossa loucura não é apenas fruto de uma curiosidade vã, mas de um desejo desordenado de saber mais do que nos é permitido, unido a uma falsa confiança em nossa própria capacidade de definir Deus.

Aplicação

  • Abandone o "Deus de bolso". Reflita honestamente: o Deus que você adora é o Deus da Bíblia em Sua totalidade, ou uma versão editada que se encaixa confortavelmente em seu estilo de vida? Você tem um "Deus de bolso" que você só consulta quando é conveniente?
  • Cuidado com os "filtros teológicos". Muitas vezes, lemos a Bíblia com filtros, aceitando as partes que amamos (Deus é amor, perdão) e ignorando as que nos desafiam (Deus é santo, justo, odeia o pecado). Peça a Deus que lhe dê coragem para conhecê-Lo como Ele é, e não como você gostaria que Ele fosse.
  • Cultive a humildade intelectual. A verdadeira sabedoria não está em ter todas as respostas, mas em se submeter Àquele que é a Resposta. Antes de estudar a Palavra, faça esta oração: "Senhor, ensina-me. Revela-te a mim, mesmo que isso desafie minhas ideias e meu conforto."

2. Nossa rebeldia nos leva a negar a Deus na prática

Quando o salmista Davi diz que "o insensato diz em seu coração: 'Não há Deus'" (Salmo 14:1), ele não está falando de um ateísmo filosófico. 

Ele se refere àqueles que, tendo apagado a luz da razão natural, se embrutecem de propósito.

Encontramos muitos que, após se endurecerem pelo hábito de pecar, removem furiosamente de si mesmos toda lembrança de Deus. No entanto, o sentimento natural da existência d'Ele permanece, pressionando suas consciências. 

Para tornar sua rebeldia ainda mais detestável, Davi diz que eles negam explicitamente a Deus. Não que eles neguem Sua essência, mas O despojam de Sua função como Juiz e Provedor, aprisionando-O no céu como se Ele não se importasse com nada.

Não há nada mais contrário à natureza de Deus do que remover d'Ele o governo do mundo. 

Portanto, qualquer um que vive sem temor do juízo divino, fazendo o que bem entende, está, na prática, negando que Deus existe. É um justo castigo de Deus que o coração dos ímpios se endureça a tal ponto que, "vendo, não vejam".

Eles podem até ser forçados a admitir que Deus existe, mas o despojam de Sua glória ao Lhe negarem Seu poder e soberania. 

Como Paulo diz, Deus "não pode negar-se a si mesmo" (2 Timóteo 2:13). Da mesma forma, aqueles que fingem que Deus é um ídolo morto e sem poder são justamente acusados de negar a Deus.

Ainda que lutem contra seus próprios sentimentos e desejem não apenas expulsar Deus de suas mentes, mas também destruí-Lo no céu, sua tolice nunca chega a tal ponto que Deus não os force, de vez em quando, a comparecer diante de Seu tribunal.

Aplicação

  • Faça uma auditoria de soberania. Existem áreas da sua vida (finanças, carreira, relacionamentos) onde você age como se Deus não estivesse no controle? Você vive uma vida "compartimentalizada", com uma área para Deus e outras que são "suas"?
  • Conecte a crença ao comportamento. Se você realmente crê que Deus é um Juiz justo e um Rei soberano, como isso deveria mudar suas decisões no trabalho amanhã? Ou a forma como você trata sua família hoje à noite? A verdadeira fé se manifesta na prática.
  • Cuidado com o pecado que endurece. A Bíblia adverte para não sermos endurecidos pelo engano do pecado (Hebreus 3:13). Cada vez que pecamos e ignoramos a convicção do Espírito Santo, estamos, na prática, dizendo: "Deus não vê ou não se importa". Isso cria um calo espiritual em nosso coração. Confesse rapidamente e mantenha um coração sensível a Ele.

3. Nosso medo nos leva a uma religião de aparências

Muitos tentam justificar suas superstições pensando que qualquer desejo de religião, mesmo que desordenado, é suficiente para servir a Deus. 

Eles não percebem que a verdadeira religião deve se conformar à vontade de Deus como sua regra infalível. Deus é sempre o mesmo; Ele não é um fantasma que se transforma segundo o capricho de cada um.

A superstição se enreda em mentiras e enganos ao tentar servir a Deus. Quase sempre, ela se ocupa com coisas que Deus declarou não ter importância, enquanto despreza ou rejeita abertamente aquilo que Ele ordena. 

Aqueles que servem a Deus com suas próprias invenções, na verdade, honram e adoram suas próprias ideias. Eles nunca se atreveriam a zombar de Deus dessa maneira se primeiro não tivessem imaginado um deus semelhante às suas próprias loucuras.

Há ainda outro mal: os homens raramente dão atenção a Deus, a menos que sejam forçados. E mesmo assim, o temor que sentem não é voluntário, nascido da reverência à Sua majestade divina. 

É um temor servil e forçado, causado pelo juízo de Deus, do qual sabem que não podem escapar. Eles não apenas temem, mas odeiam e detestam esse juízo.

Os ímpios, que abominam a justiça, gostariam de destruir o tribunal de Deus. Levados por esse desejo, eles lutam contra um Deus que não pode ser destronado. E assim, para não parecerem desprezar completamente Aquele cuja majestade os cerca, eles cumprem uma certa aparência de religião. 

Enquanto isso, não deixam de se contaminar com todo tipo de vício, violando a santa Lei de Deus e zombando d'Ele com seus pecados. Isso não é nada mais do que uma sombra vã e falaciosa de religião.

Aplicação

  • Examine sua motivação. Você serve a Deus por amor ou por medo do castigo? Você O busca porque O deseja, ou porque quer algo d'Ele (uma bênção, um livramento)? A verdadeira piedade nasce da gratidão e do amor, não da barganha.
  • Troque o ritualismo pelo relacionamento. É fácil cair na armadilha de cumprir "obrigações" religiosas (ir à igreja, ler a Bíblia, orar) de forma mecânica. Avalie seu coração: essas práticas estão aproximando você de Deus ou são apenas uma lista de tarefas para apaziguar sua consciência?
  • Aceite a adoção de Filho. O Evangelho nos liberta do temor servil. Em Cristo, não nos aproximamos de um Juiz carrasco, mas de um Pai amoroso. Como diz Romanos 8:15, não recebemos um espírito de escravidão para vivermos novamente com medo, mas recebemos o Espírito de adoção, pelo qual clamamos: "Aba, Pai". Viva como um filho amado, não como um escravo aterrorizado.

Conclusão

A semente do conhecimento de Deus, plantada por Ele em cada um de nós, é pura e boa. O problema não está na semente, mas no solo do nosso coração — um solo contaminado pela arrogância, endurecido pela rebeldia e envenenado pelo medo.

Nossa arrogância cria um deus à nossa imagem. Nossa rebeldia nega a autoridade do Deus verdadeiro em nossa vida diária.

E nosso medo nos leva a uma religião de aparências, vazia e hipócrita. Esses três fatores explicam por que a busca universal por Deus tantas vezes termina em frustração e engano.

Este diagnóstico não deve nos levar ao desespero, mas à humildade. Ele revela nossa total incapacidade de chegar a Deus por conta própria. 

Precisamos desesperadamente que o próprio Deus intervenha, que prepare o solo do nosso coração e que nos dê a verdadeira semente da Sua Palavra, que floresce para a vida eterna. 

A resposta para essa corrupção não está em tentar mais, mas em se render Àquele que veio nos mostrar o Pai: Jesus Cristo.

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo 4 - "O conhecimento de Deus é enfraquecido e corrompido, em parte pela ignorância dos homens e em parte por sua maldade"


Lista de estudos da série

1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

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