Dizer que Deus criou o mundo e depois o abandonou à própria sorte seria como elogiar um relojoeiro por construir um relógio magnífico e, em seguida, deixá-lo em uma gaveta sem nunca dar corda.
De que adiantaria a criação inicial se não houvesse uma manutenção contínua?
Muitos, ao olharem para o céu e a terra, são forçados a admitir a existência de um Criador.
No entanto, sua visão para por aí. Eles imaginam que Deus deu ao universo um “empurrão” inicial e agora o observa de longe, como um espectador passivo, enquanto a natureza segue seu curso por leis pré-estabelecidas.
A fé, no entanto, deve ir muito mais fundo. Ela nos ensina que o Deus que é o Criador também é o Governador perpétuo do mundo.
Ele não apenas acionou o motor do universo, mas está, a cada momento, com Suas mãos no volante.
Este estudo nos ajudará a entender a doutrina da providência: a verdade de que Deus não está distante, mas ativamente envolvido no governo de todas as Suas criaturas, desde a maior galáxia até o menor pássaro.
1. Deus não é um arquiteto ausente, mas um rei presente
Seria inútil e sem proveito pensar em Deus como um Criador momentâneo, que terminou Sua obra de uma vez por todas.
A fé nos diferencia dos pagãos precisamente neste ponto: ela considera o poder de Deus não menos presente no curso perpétuo do mundo do que em sua origem.
A fé reconhece que Deus não apenas acende o sol a cada manhã, mas também o governa em seu curso. Ela não apenas enche a terra de vida, mas também sustenta cada criatura a cada momento.
O salmista Davi, após celebrar a criação, imediatamente passa a celebrar a providência contínua de Deus:
Salmo 104:27-29
Todos esperam em ti que lhes dês o sustento a seu tempo. Tu lhes dás, e eles o recolhem; abres a tua mão, e eles se enchem de bens. Escondes o teu rosto, e eles se perturbam; se lhes tiras o fôlego, morrem e voltam ao pó.
Essa não é apenas uma força impessoal, mas um cuidado particular e paternal. Os filósofos podem concordar com Paulo que “nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17:28), mas eles não sentem o toque vivo da Sua graça.
A fé nos leva a reconhecer o favor paternal de Deus em cada bênção, um cuidado que a filosofia não consegue alcançar.
A mente natural se detém na potência demonstrada na criação. A fé, por outro lado, reconhece que o Criador é também o Governador perpétuo. Ele não apenas move a grande máquina do mundo, mas cuida de cada peça com uma providência particular.
Aplicação
- Procure a presença de Deus no cotidiano. O nascer do sol, a chuva que cai, o alimento em sua mesa – não são apenas "o jeito que as coisas são". São manifestações diárias do cuidado providencial de Deus. Reserve um momento hoje para agradecer a Deus por uma dessas bênçãos "comuns".
- Não separe o Criador do Mantenedor. Em suas orações, não agradeça a Deus apenas por ter criado o mundo, mas por estar sustentando o mundo (e você) neste exato momento. Isso transforma a doutrina da criação em uma fonte de conforto diário.
- Fale sobre Deus como um Rei ativo. Ao conversar com outros, evite usar uma linguagem que faça Deus parecer distante. Em vez de dizer “a natureza é sábia”, diga “Deus é sábio em Sua criação”. Dê a glória a quem ela pertence.
2. Deus governa os eventos que chamamos de sorte ou acaso
A doutrina da providência de Deus se opõe diretamente à ideia de sorte, acaso ou fortuna. Infelizmente, a crença de que as coisas acontecem “por acaso” está tão difundida que a verdade da providência divina é quase que completamente sepultada.
A razão carnal atribui à fortuna eventos como ser atacado por ladrões, perder-se em uma tempestade no mar, ou encontrar ajuda milagrosa em um deserto.
No entanto, aquele que aprendeu da boca de Cristo que até os cabelos de nossa cabeça estão contados (Mateus 10:30) buscará a causa em um lugar muito mais elevado e admitirá que tudo o que acontece é governado pelo desígnio secreto de Deus.
Isso se aplica também às coisas inanimadas. Elas não agem por um poder inerente, mas são instrumentos dirigidos pela mão de Deus.
O sol não nasce por um cego impulso da natureza; é Deus quem governa seu curso. A diversidade do clima – primavera, verão, outono, inverno – é governada por uma providência especial e nova a cada ano, cada mês e cada dia.
Um homem fiel não fará do sol a causa principal ou necessária das colheitas, mas o verá como um instrumento que Deus usa como quer.
A fertilidade de um ano é uma bênção singular de Deus; a esterilidade e a fome são Sua maldição. Nenhuma gota de chuva cai na terra sem um comando específico d'Ele.
Aplicação
- Elimine a palavra “sorte” do seu vocabulário. Tente, como um exercício espiritual, passar um dia inteiro sem usar palavras como “sorte”, “azar” ou “coincidência”. Substitua-as por “a providência de Deus permitiu...” ou “foi uma bênção de Deus que...”. Isso treinará sua mente a ver a mão d'Ele em tudo.
- Ore sobre as coisas “pequenas”. A doutrina da providência particular nos ensina que nada é pequeno demais para a atenção de Deus. Ore sobre os detalhes do seu dia, confiando que Ele está no controle de tudo, desde as grandes decisões até os pequenos encontros.
- Encontre descanso na soberania de Deus. Saber que nada acontece por acaso é uma fonte de imensa paz. Em meio à incerteza, você pode descansar no fato de que um Deus bom e todo-poderoso está governando cada detalhe da sua vida para o seu bem e para a glória d'Ele.
3. A providência de Deus não é mera presciência, mas governo ativo
É crucial entender que a providência de Deus não significa que Ele é um espectador ocioso que apenas prevê o que vai acontecer. Ele é o piloto da nave, que governa o leme para ordenar tudo o que deve ser feito.
A providência se estende tanto às Suas mãos quanto aos Seus olhos: Ele não apenas vê, mas ordena o que quer que aconteça.
Quando Abraão disse a Isaque, “Deus proverá” (Gênesis 22:8), ele não estava apenas dizendo que Deus sabia o que aconteceria. Ele estava colocando nas mãos de Deus o cuidado daquela situação desesperadora.
A providência de Deus não é apenas universal, mas também particular. É um erro grave limitar a providência de Deus a um impulso geral que move a máquina do mundo, sem levar em conta cada peça individualmente.
Deus não apenas governa o curso geral da natureza, mas também se importa com os movimentos particulares. Ele não apenas dá às mães a capacidade de amamentar, mas determina que umas tenham os seios cheios e outras os tenham secos.
O profeta proíbe os filhos de Deus de temerem as estrelas e os sinais do céu como os infiéis (Jeremias 10:2), pois nosso bem-estar não depende delas, mas da vontade de Deus.
Portanto, aquele que não quer cair na infidelidade deve sempre se lembrar de que o poder, a ação e o movimento de cada criatura não são aleatórios, mas governados pelo conselho secreto de Deus, de tal modo que nada acontece no mundo que Ele não tenha determinado e querido propositalmente.
Salmo 115:3
O nosso Deus está nos céus, e pode fazer tudo o que lhe agrada.
Aplicação
- Substitua o medo pela fé. Em vez de temer as circunstâncias, a economia, ou as ações de outras pessoas, tema unicamente a Deus. Lembre-se de que todas essas coisas estão sob o Seu controle soberano.
- Confie em Deus, não em um plano. Muitas vezes, nossa “confiança” em Deus é, na verdade, confiança em nosso próprio plano para o futuro. A verdadeira fé confia que, mesmo que nosso plano falhe, o plano soberano de Deus prevalecerá para o nosso bem.
- Ore com ousadia. Sabendo que Deus não é um espectador, mas um governador ativo, você pode orar com a confiança de que Ele tem o poder de intervir e mudar as situações de acordo com a Sua vontade.
Conclusão
Seria vão e inútil reconhecer a Deus como Criador se não O reconhecêssemos também como Governador perpétuo.
A fé não se contenta com a ideia de um "primeiro impulso", mas abraça a verdade de uma providência contínua, ativa e particular, que governa cada detalhe do universo.
Esta doutrina não é um fatalismo frio, mas uma fonte de imenso consolo. Ela nos ensina que nossa vida não está à mercê do acaso ou de forças cegas, mas firmemente nas mãos de um Pai celestial amoroso e todo-poderoso. Nada acontece que não tenha sido ordenado por Seu conselho sábio.
Que possamos, portanto, descansar nesta verdade. Que, em meio às tempestades da vida, possamos olhar para cima e ver não as nuvens do acaso, mas o rosto de um Pai que governa as ondas.
Que, em cada bênção e em cada desafio, possamos confessar com o salmista: “Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor” (Salmo 37:23).
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo XVI - "Deus, depois de criar com sua potência o mundo e tudo o que nele há, o governa e mantém tudo com sua providência"
Lista de estudos da série
1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas