Nós vivemos em um mundo intensamente visual. Somos bombardeados por imagens que moldam nossos desejos, informam nossas mentes e capturam nossa atenção.
Em muitos aspectos, a cultura moderna opera sob o lema: “ver para crer”. Queremos uma representação visual, uma prova tangível, algo que possamos ver e tocar.
Essa inclinação natural se infiltra em nossa vida espiritual. O desejo por uma imagem visível de Deus é uma das tentações mais antigas e persistentes da humanidade. Desde o início, temos tentado reduzir o Infinito a uma forma finita, o Criador a uma criatura, o Espírito à matéria.
No entanto, a Escritura é implacável em sua proibição contra essa prática. A Bíblia nos ensina que qualquer tentativa de representar a Deus com uma imagem visível não apenas falha em capturar Sua glória, mas a corrompe ativamente.
Veremos que esta não é uma questão de preferência artística, mas uma questão fundamental sobre a natureza de Deus e a pureza da nossa adoração.
1. A proibição divina: Deus não pode ser colocado em uma moldura
O ponto de partida da Escritura para distinguir o Deus verdadeiro dos falsos deuses é a Sua oposição aos ídolos. Essa não é uma aprovação da filosofia elegante, mas um meio de expor a loucura do mundo, que insiste em criar deuses que se pode ver.
Devemos ter como máxima que, sempre que Deus é representado em uma imagem visível, Sua glória é diminuída por uma grande mentira.
É por isso que, no Segundo Mandamento, logo após declarar que somente a Ele pertence a honra de ser Deus, Ele imediatamente acrescenta: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma...” (Êxodo 20:4). Com essas palavras, Ele freia nossa ousadia e nos proíbe de tentar representá-lo visualmente.
A razão para isso é simples, mas profunda. Como Moisés lembrou ao povo:
Deuteronômio 4:15
Tenham muito cuidado para que vocês não se corrompam, fazendo para si um ídolo, uma imagem de qualquer forma...
O versículo 12 nos dá o motivo: "O Senhor falou a vocês do meio do fogo. Vocês ouviram o som das palavras, mas não viram forma alguma; havia apenas uma voz".
Deus se revela por Sua voz (Sua Palavra), não por uma forma visível. O Deus verdadeiro é Aquele que fala; os ídolos são aqueles que têm boca, mas não falam (Salmo 115:5).
O profeta Isaías demonstra o absurdo de se tentar criar uma imagem de Deus:
Isaías 40:18
Com quem vocês compararão Deus? Como poderão representá-lo?
Qualquer imagem de Deus é, por definição, uma mentira. Ela retrata o Deus incorpóreo como um corpo, o Deus invisível como algo visível, o Espírito como matéria morta e o Deus infinito como algo contido em um pedaço de madeira ou pedra. Deus não proíbe apenas imagens "ruins" d'Ele; Ele proíbe todas, sem exceção, pois todas são inadequadas e falsas.
Aplicação
- Examine suas imagens mentais de Deus. A idolatria mais sutil não é feita de madeira, mas de pensamentos. Qual é a imagem mental que você tem de Deus? É a de um avô bonachão que ignora o pecado? Um juiz zangado que está sempre pronto a castigar? Um gênio cósmico que existe para realizar seus desejos? Deixe que a Palavra de Deus, e não sua imaginação, pinte o retrato de quem Ele é.
- Adore a Deus em espírito e em verdade. Jesus nos ensinou que a verdadeira adoração transcende o visual e o físico (João 4:24). Concentre-se em conhecer a Deus através de Sua Palavra (verdade) e em se conectar com Ele através da oração e da comunhão sincera (espírito).
- Celebre o mistério. Parte da beleza de Deus é que Ele é incompreensível e maior do que nossa mente pode conter. Em vez de tentar reduzi-lo a algo que você possa entender completamente, aprenda a adorar a Deus em Sua misteriosa e infinita majestade.
2. A desculpa humana: “Imagens são os livros dos ignorantes”
Uma das justificativas mais antigas e comuns para o uso de imagens na adoração é o ditado popular: "As imagens são os livros dos ignorantes". A ideia é que, para aqueles que não sabem ler, as imagens servem como uma ferramenta visual para aprender sobre Deus.
O Espírito Santo, no entanto, tem uma opinião muito diferente. O profeta Jeremias declara que “o madeiro é doutrina de vaidade” (Jeremias 10:8, KJA), e Habacuque afirma que “a imagem de fundição é mestre de mentiras” (Habacuque 2:18). A conclusão geral que devemos tirar disso é que tudo o que os homens aprendem sobre Deus a partir de imagens é vão e falso.
Se as imagens são "livros", elas são livros que ensinam mentiras. Elas nos ensinam que Deus tem um corpo, que Ele pode ser contido em um lugar e que Ele pode ser manipulado por rituais. Elas nos ensinam a focar no exterior em vez do interior, na aparência em vez da realidade espiritual.
Deus ordenou uma maneira muito diferente de ensinar os cristãos em Seus templos. Ele instituiu uma doutrina comum a todos: a pregação de Sua Palavra e a administração de Seus sacramentos. Aqueles que vagam de um lado para o outro olhando imagens mostram que não têm muito apreço por essa doutrina divina.
A verdadeira pregação do Evangelho pinta um quadro muito mais vivo e poderoso do que qualquer crucifixo de pedra ou madeira. Como Paulo diz aos Gálatas, através de sua pregação, Jesus Cristo foi "claramente retratado como crucificado" diante de seus olhos (Gálatas 3:1). O ensino fiel da Palavra pode nos levar a um conhecimento muito mais profundo do que mil imagens.
Aplicação
- Priorize a Palavra sobre o visual. Em sua busca por conhecer a Deus, dê prioridade máxima ao estudo da Bíblia e à pregação fiel. Reconheça que estas são as ferramentas primárias que Deus escolheu para se revelar.
- Seja um aluno da doutrina correta. A razão pela qual muitas pessoas se sentem "ignorantes" e buscam imagens é porque foram privadas do ensino sólido da Palavra. Comprometa-se a aprender a sã doutrina, que é o único antídoto contra a ignorância espiritual.
- Discirna o uso da arte. A arte (pintura, escultura, etc.) pode ser um dom de Deus, útil para ilustrar histórias e expressar beleza. No entanto, ela se torna um ídolo no momento em que é usada como um meio de representar ou adorar o próprio Deus. Aprecie a arte, mas adore o Artista.
3. A raiz do problema: a mente humana é uma fábrica de ídolos
De onde vem essa inclinação quase universal para a idolatria? O problema não começa com as mãos que esculpem, mas com a mente que imagina.
O intelecto humano, cheio de soberba e ignorância, não consegue conceber a Deus como Ele é. Em vez disso, ele imagina Deus conforme sua própria capacidade limitada, gerando vaidade e fantasmas.
A este mal, junta-se outro: o homem deseja ver exteriormente o deus que ele concebeu em sua mente. Assim, a mente humana engendra o ídolo, e a mão lhe dá forma. Esta é a fonte da idolatria: os homens não acreditam que Deus está perto deles, a menos que possam sentir Sua presença fisicamente.
O exemplo do povo de Israel com o bezerro de ouro é instrutivo. Eles sabiam que era Deus quem os havia libertado do Egito. Eles não eram tão insensatos a ponto de pensar que um bezerro era seu redentor.
No entanto, eles não criam que Deus estivesse com eles, a menos que vissem uma figura corporal que servisse de testemunho de Sua liderança. Eles queriam, em resumo, conhecer a Deus através de uma imagem que ia adiante deles (Êxodo 32:1).
A carne está sempre inquieta até que obtenha alguma representação para se consolar, como se fosse uma imagem de Deus.
Essa imaginação leva a uma devoção desenfreada, pois os homens, pensando que veem a Deus na imagem, também O adoram nela. No fim, seus sentidos ficam tão presos à imagem que eles se embrutecem, acreditando que alguma divindade reside nela.
Aplicação
- Reconheça a idolatria do coração. Mesmo que você não se curve a uma estátua, pergunte-se: o que eu exijo "ver" para acreditar que Deus está comigo? Um sentimento específico? Um sinal milagroso? Prosperidade financeira? Sucesso no ministério? Essas coisas podem se tornar nossos bezerros de ouro.
- Encontre segurança na promessa, não na presença física. A fé madura aprende a confiar nas promessas da Palavra de Deus, mesmo quando não "sentimos" Sua presença. A nossa segurança não está em ver um sinal, mas em crer no que o Deus invisível disse.
- Vigie constantemente sua mente. Sabendo que sua mente é uma "fábrica de ídolos", esteja sempre alerta. Submeta seus pensamentos sobre Deus à autoridade da Escritura. Quando sua imaginação começar a criar um deus que não é o da Bíblia, arrependa-se e volte para a verdade.
Conclusão
Tentar representar o Deus invisível com uma forma visível é uma abominação. É uma tentativa de diminuir Sua glória, distorcer Sua natureza e desobedecer ao Seu mandamento claro. Todos que erigem imagens ou ídolos, por mais bem-intencionados que sejam, se afastam do Deus verdadeiro.
A proibição de Deus não visa nos privar, mas nos proteger. Ela nos protege de uma adoração superficial, de uma teologia falsa e de um Deus feito à nossa imagem. Ele nos chama para uma adoração mais profunda e verdadeira: uma adoração “em espírito e em verdade”.
Onde, então, podemos ver a Deus? Ele não nos deixou sem uma "imagem". A Bíblia declara que Jesus Cristo é "a imagem do Deus invisível" (Colossenses 1:15).
Se queremos ver como Deus é, não devemos olhar para esculturas de pedra ou pinturas em uma parede, mas para a pessoa e a obra de Jesus Cristo, revelado nas páginas da Escritura. Nele, e somente nEle, a glória do Deus invisível se tornou visível para nós.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo XI - "É uma abominação atribuir a Deus uma forma visível, e todos
Lista de estudos da série
1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas