Já demonstramos que o conhecimento de Deus se manifesta claramente na criação e, de forma ainda mais aberta, em Sua Palavra.
Agora, precisamos considerar qual é a imagem de Deus que a Escritura nos apresenta. Não basta saber que a Bíblia é a nossa guia; precisamos entender para onde ela nos leva.
O objetivo deste estudo é resumir o que as Escrituras nos ensinam sobre Deus como Criador, para que possamos focá-lo de forma correta e evitar as distorções que levaram o mundo à superstição.
A Bíblia age como um holofote, iluminando o verdadeiro Deus e expondo a falsidade de todos os ídolos pagãos.
Veremos que o conhecimento que a Escritura nos oferece não é teórico e abstrato, mas vivo, prático e relacional. Ela não nos apresenta um conceito filosófico de "ser supremo", mas o Deus pessoal que age na história e se revela através de Suas virtudes.
1. A Bíblia revela Deus através de Suas ações e atributos
O conhecimento de Deus que encontramos na Bíblia é, antes de tudo, prático. Quando Moisés pede para ver a glória de Deus, o Senhor não lhe dá uma definição filosófica. Em vez disso, Ele proclama Suas virtudes em uma das passagens mais importantes de todo o Antigo Testamento:
Êxodo 34:6-7
“Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade, que mantém o seu amor a milhares e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado. Contudo, não deixa de punir o culpado; castiga os filhos e os netos pelo pecado dos pais, até a terceira e a quarta gerações.”
Nesta passagem, vemos que a revelação de Deus não é sobre Sua essência íntima (o que Ele é em Si mesmo), mas sobre Seus atributos em relação a nós.
O conhecimento que importa é o que nasce de uma experiência viva, não de especulações vãs. Deus se dá a conhecer através de Sua clemência, bondade, misericórdia, justiça, juízo e verdade.
Esses não são atributos abstratos, mas qualidades que vemos em ação tanto na criação quanto na história. Em Jeremias, Deus resume como Ele deseja ser conhecido:
Jeremias 9:24
“Mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado”, declara o Senhor.
Esses três pilares — misericórdia (lealdade), juízo e justiça (retidão) — são fundamentais para entendermos o Deus da Bíblia. Sua misericórdia é a base da nossa salvação.
Seu juízo é exercido diariamente contra o mal e reservado para um castigo final. E Sua justiça preserva e trata benignamente os Seus fiéis. E todas essas virtudes se baseiam em Seu caráter imutável, Sua verdade, poder, santidade e bondade.
Aplicação
- Busque uma experiência, não uma definição. Em sua vida de oração e estudo, não se contente em apenas aprender fatos sobre Deus. Peça a Ele que se revele a você através de Suas ações em sua vida. Onde você viu a misericórdia de Deus esta semana? Onde você viu Sua justiça?
- Equilibre os atributos de Deus. É fácil focar apenas nos atributos que mais nos agradam (como o amor e a misericórdia) e ignorar os que nos desafiam (como a justiça e a ira). Esforce-se para ter uma visão completa do caráter de Deus, como revelado em toda a Escritura. Isso produzirá uma fé madura e equilibrada.
- Deixe que o conhecimento de Deus transforme suas ações. Se Deus age com misericórdia, juízo e justiça, e nós somos feitos à Sua imagem, então nossas vidas devem refletir essas qualidades. Como você pode demonstrar mais misericórdia, discernimento (juízo) e justiça em seus relacionamentos hoje?
2. A Bíblia tem um propósito: levar-nos ao temor, à confiança e à obediência
O conhecimento de Deus que a Escritura nos propõe não é um fim em si mesmo. Ele tem um propósito prático e transformador, o mesmo que a revelação na natureza deveria ter, mas falhou em produzir em nós por causa do nosso pecado. Esse propósito pode ser resumido em três etapas:
a) Induzir-nos ao temor de Deus. O primeiro passo para um relacionamento correto com o Criador é a reverência. Ao compreendermos Sua majestade, poder e santidade, somos levados a um temor saudável que nos afasta do pecado e nos aproxima d'Ele em humildade.
b) Convidar-nos a confiar n'Ele. Em seguida, a revelação de Sua bondade, misericórdia e fidelidade nos convida a depositar n'Ele toda a nossa confiança. Aprendemos a depender d'Ele para todas as coisas, a buscar refúgio em Sua graça e a descansar em Sua providência soberana.
c) Aprender a servi-lo e honrá-lo. Por fim, o temor e a confiança florescem em uma vida de serviço e honra, caracterizada pela inocência e obediência sincera. Nosso maior desejo se torna agradar Àquele que nos criou e nos sustenta com Sua bondade.
Esse é o fluxo da verdadeira religião. Começa com a reverência, move-se para a confiança e culmina na obediência amorosa. Qualquer “conhecimento” de Deus que não produza esse fruto é, na melhor das hipóteses, incompleto e, na pior, inútil.
Salmos 111:10
O temor do Senhor é o princípio da sabedoria; todos os que cumprem os seus preceitos revelam bom senso. Ele será louvado para sempre!
Aplicação
- Faça um diagnóstico espiritual. Avalie sua vida à luz dessas três etapas. Sua fé tem produzido um temor crescente de Deus? Sua confiança n'Ele tem se aprofundado? Sua obediência tem se tornado mais alegre e consistente?
- Pregue o Evangelho completo. Ao compartilhar sua fé, certifique-se de apresentar o retrato completo de Deus. Falar apenas do amor de Deus sem Sua santidade pode produzir uma confiança sem temor. Falar apenas de Sua ira sem Sua misericórdia pode produzir um temor sem confiança.
- Lembre-se: o objetivo é o descanso. O resultado final de temer, confiar e obedecer a Deus não é o esgotamento, mas o descanso. Quando descansamos totalmente em Sua bondade, encontramos a paz que o mundo não pode dar.
3. A Bíblia insiste na verdade de que existe um só Deus verdadeiro
Para nos guiar ao verdadeiro Deus, a Escritura é enfática em rejeitar e excluir todos os deuses dos pagãos.
A religião foi profanada em quase todos os lugares e épocas pela idolatria. É verdade que mesmo aqueles que adoravam uma multidão de deuses, quando falavam a partir de um sentimento natural, frequentemente usavam o nome “Deus” no singular, como se confessassem um único Criador.
No entanto, essa centelha de conhecimento natural foi sufocada pela vaidade. Até os mais sábios dos filósofos se perderam em perplexidade, invocando um amontoado de deuses sem saber a qual recorrer. Eles não escaparam dos enganos de Satanás, corrompendo a verdade de Deus.
Por essa razão, o profeta Habacuque, depois de condenar todos os ídolos do mundo, nos direciona para o lugar certo onde encontrar o Deus verdadeiro:
Habacuque 2:20
Mas o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.
O “templo” aqui simboliza o lugar onde Deus Se revelou de forma especial: através de Sua Palavra. A mensagem é clara: para que os fiéis não admitam nenhum outro deus, eles devem se voltar exclusivamente para Aquele que se manifestou nas Escrituras. A Bíblia traça uma linha clara e intransponível entre o único Deus verdadeiro e todos os ídolos e falsificações.
Aplicação
- Abandone o sincretismo. Em uma cultura que promove a ideia de que “todos os caminhos levam a Deus”, mantenha-se firme na verdade exclusiva revelada na Bíblia. O Deus da Escritura não é compatível com os deuses de outras religiões.
- Seja específico em sua adoração. Não adore um “poder superior” genérico ou uma “força cósmica”. Adore o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, como Ele se revelou em Sua Palavra.
- Encontre Deus em Seu “templo”. Se você quer conhecer o verdadeiro Deus, passe tempo no lugar onde Ele prometeu se encontrar conosco: as páginas das Escrituras. É ali que Sua voz é ouvida com mais clareza e Sua face é vista com mais nitidez.
Conclusão
A Escritura não nos deixa com uma imagem vaga ou abstrata de Deus. Ela nos pinta um retrato vivo e detalhado, mostrando Suas virtudes em ação e nos chamando para um relacionamento dinâmico com Ele.
Ela nos ensina que o verdadeiro conhecimento de Deus é experimental, tem o propósito de nos transformar e é exclusivo, centrado no único Deus verdadeiro.
Ao extirpar a superstição e nos apresentar ao Criador como Ele realmente é, a Bíblia nos oferece um fundamento sólido para a vida.
Ela nos protege do erro, nos guia na verdade e nos convida a uma jornada de temor reverente, confiança inabalável e obediência amorosa. Que possamos nos dedicar a conhecer o Deus da Bíblia, pois somente n'Ele encontramos a vida e a verdade que nossas almas anseiam.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo X - "A Escritura, para extirpar a superstição, opõe exclusivamente o verdadeiro Deus aos deuses dos pagãos"
Lista de estudos da série
1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
