A beleza dos céus, a complexidade da vida e a ordem do cosmos são testemunhas poderosas do nosso Criador. Essa revelação na natureza é tão clara que nos deixa sem desculpa por ignorá-lo.
No entanto, se essa revelação é suficiente para nos condenar, será que ela é suficiente para nos salvar? A resposta da história humana é um retumbante “não”. Mesmo com toda essa evidência, a humanidade continua a vagar em confusão, criando deuses à sua própria imagem e perdendo-se em labirintos de superstição.
Para nos guiar ao conhecimento verdadeiro de Deus como Criador, precisamos de uma ajuda adicional, uma ferramenta mais precisa. É aqui que entra a luz da Palavra de Deus, as Sagradas Escrituras.
1. A Bíblia é como óculos para enxergar um Deus confuso
A revelação de Deus na criação é como um livro belíssimo com letras grandes e nítidas. No entanto, nossos olhos espirituais estão doentes e embaçados. Como uma pessoa idosa ou com a visão fraca, podemos ver que há algo escrito ali, mas não conseguimos ler mais do que duas palavras. Permanecemos confusos, incapazes de decifrar a mensagem claramente.
As Escrituras funcionam como um par de óculos. Ao colocá-las, elas corrigem nossa visão, reúnem o conhecimento de Deus que estava disperso em nossa mente e dissipam a escuridão. De repente, o que era confuso se torna claro, e passamos a enxergar o verdadeiro Deus com nitidez.
É um dom singular de Deus que, para ensinar a Igreja, Ele não se contentou em usar “mestres mudos” como a criação. Ele abriu Sua boca sagrada para falar conosco. Ele não apenas nos informa que existe “um deus” que deve ser adorado, mas nos revela quem Ele é, o único Deus verdadeiro.
Desde o princípio, Deus adotou este método com Seu povo. Além das evidências gerais na criação, Ele concedeu a Adão, Noé, Abraão e aos outros patriarcas a Sua Palavra.
Esse dom lhes proporcionou um conhecimento muito mais certo e íntimo de Deus, diferenciando-os dos incrédulos.
Salmos 19:1, 7
Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. [...] A lei do Senhor é perfeita e revigora a alma. Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança e tornam sábios os inexperientes.
O salmista começa exaltando a revelação de Deus na natureza, mas rapidamente transita para a superioridade e clareza da revelação na Palavra (a Lei).
Aplicação
- Não confie apenas na sua intuição. Sentimentos e experiências com a natureza podem apontar para Deus, mas eles são subjetivos e podem ser enganosos. Fundamente seu conhecimento de Deus na rocha objetiva das Escrituras.
- Use a Bíblia como seu guia interpretativo. Ao observar a criação, use o que você sabe da Bíblia para interpretar o que você vê. A beleza de uma montanha se torna mais profunda quando você a vê através das lentes do Salmo 90:2: “Antes que os montes nascessem [...], de eternidade a eternidade, tu és Deus.”
- Seja grato pelos seus “óculos”. Em vez de ver a Bíblia como um livro de regras, veja-a como um presente de graça. Agradeça a Deus por não nos ter deixado tateando no escuro, mas por ter nos dado um guia claro e confiável para conhecê-Lo.
2. A Palavra escrita preserva a verdade em um mundo instável
Deus sempre comunicou Sua verdade ao Seu povo, seja por meio de visões, revelações diretas ou pelo ministério de profetas.
No entanto, para garantir que essa verdade permanecesse pura e acessível ao longo do tempo, Ele quis que essas revelações fossem registradas publicamente. Primeiro, Ele promulgou a Lei por meio de Moisés, e depois acrescentou os Profetas como seus intérpretes.
Se considerarmos a fragilidade da mente humana, nossa propensão a esquecer de Deus, nossa inclinação para todo tipo de erro e nosso desejo insaciável de inventar novas religiões, veremos como foi necessário que Deus providenciasse um registro autêntico de Sua verdade.
As Escrituras servem para que a verdade não se perca no esquecimento, não se desvaneça pelo erro, nem seja corrompida pela presunção humana.
A Palavra de Deus nos revela o Criador do mundo de uma forma que o distingue claramente da multidão de falsos deuses.
Embora devamos levantar os olhos para contemplar as obras de Deus, é essencial que também inclinemos nossos ouvidos para ouvir a Sua Palavra. Sem essa orientação, até mesmo o espetáculo da criação se torna um enigma.
Não é de surpreender que os homens, nascidos em trevas, se endureçam em sua tolice. Pouquíssimos se sujeitam docilmente à Palavra de Deus. A maioria se deleita em sua própria vaidade.
Para sermos iluminados com a verdadeira religião, nosso ponto de partida deve ser a doutrina celestial encontrada nas Escrituras. Ninguém pode ter o menor gosto pela sã doutrina, a menos que se torne um discípulo da Bíblia.
Aplicação
- Estabeleça a autoridade final da Bíblia. Em um mundo com milhões de opiniões sobre espiritualidade, decida que a Escritura será a sua autoridade final. Quando uma ideia popular contradiz a Bíblia, fique com a Bíblia.
- Crie um “registro público” na sua própria vida. Anote o que Deus tem lhe ensinado através da Palavra. Manter um diário espiritual pode ajudá-lo a não esquecer as verdades que Ele lhe revelou e a combater a fragilidade da sua memória.
- Seja um aluno humilde. Aproxime-se da Bíblia não como um crítico, mas como um discípulo. Peça ao Espírito Santo que lhe ensine e esteja disposto a ter suas próprias ideias desafiadas e corrigidas pela Palavra de Deus.
3. Sem a Palavra, o brilho de Deus se torna um labirinto
Se desejamos contemplar a Deus perfeitamente, precisamos seguir o caminho da Sua Palavra. Se nos desviarmos dela, por mais rápido que corramos, estaremos indo na direção errada e nunca chegaremos ao nosso destino. O brilho da majestade divina é como um labirinto do qual não podemos escapar, a menos que sejamos guiados pelo fio da Palavra.
É melhor mancar no caminho certo do que correr velozmente fora dele. Por isso, Davi, ao ensinar que as superstições devem ser erradicadas para que a verdadeira religião floresça, frequentemente apresenta Deus “reinando”. Com o termo “reinar”, ele não se refere apenas ao poder de Deus sobre a criação, mas também à doutrina pela qual Ele estabelece Seu senhorio legítimo.
Os erros não podem ser arrancados do coração humano até que o verdadeiro conhecimento de Deus seja plantado nele. Como Jesus disse à mulher samaritana, seu povo adorava o que não conhecia (João 4:22). Porque a mente humana é fraca, ela não pode chegar a Deus sem a ajuda e elevação da Sua santa Palavra.
Era necessário que todos os homens, exceto os judeus que possuíam a Palavra, andassem perdidos e enganados no erro e na vaidade, pois buscavam a Deus sem o seu mapa. O conhecimento de Deus que obtemos apenas pela criação, sem a Palavra, é confuso e nos leva a adorar um “Deus desconhecido”.
Aplicação
- Priorize o estudo da Bíblia em sua rotina. Se a Bíblia é o mapa, não faz sentido começar a jornada do dia sem consultá-la. Dedique um tempo consistente para ler e meditar nas Escrituras.
- Não se contente com uma fé vaga. Muitos hoje se dizem “espirituais, mas não religiosos”, baseando sua fé em sentimentos e impressões. Embora sinceros, estão correndo fora do caminho. O verdadeiro conhecimento de Deus é específico e está revelado na Bíblia.
- Lembre-se: correr na direção errada não é progresso. Não se impressione com o entusiasmo ou a velocidade de movimentos espirituais que não estão firmados na Palavra. A direção é mais importante que a velocidade. É melhor caminhar lentamente com as Escrituras do que correr para o erro.
Conclusão
A criação aponta para Deus, mas a Escritura nos apresenta a Ele. A criação nos deixa sem desculpa, mas a Escritura nos oferece salvação. A criação mostra o poder e a divindade de Deus de forma geral, mas a Escritura nos revela Seu nome, Seu caráter e Seu plano redentor de forma específica.
A Palavra de Deus não anula a revelação na natureza; ela a ilumina e a interpreta corretamente. Juntas, elas nos dão um retrato completo do nosso Deus Criador. A criação é o teatro, mas a Escritura é o roteiro que nos explica a peça.
Que possamos, portanto, ser um povo que ama e valoriza a Bíblia. Que ela seja a lente através da qual vemos o mundo, o mapa que guia nossos passos e a voz que nos ensina a conhecer verdadeiramente o Deus que nos criou e que deseja Se relacionar conosco.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo VI - "Para conhecer a Deus como Criador, é necessário que a Escritura nos guie e dirija"
Lista de estudos da série
1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
