A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Em nosso último estudo bíblico, descobrimos uma verdade fundamental: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos estão inseparavelmente ligados. Um ilumina o outro em uma jornada de descoberta espiritual. A partir de agora, aprofundaremos essa ideia, focando em uma pergunta crucial que define toda a vida cristã.

Vivemos em um mundo que valoriza o conhecimento. Acumulamos informações, buscamos diplomas e nos orgulhamos de "saber das coisas". 

Mas quando se trata da realidade mais importante do universo — a existência de Deus —, o que realmente significa "conhecê-lo"? É apenas ter a informação de que Ele existe? Ou é algo muito mais profundo, pessoal e transformador?

Muitos afirmam crer em Deus, mas essa crença não impacta suas vidas, suas decisões ou seus corações. É um conhecimento distante, como saber que existe uma estrela longínqua chamada Alpha Centauri. 

É interessante, mas não muda a forma como vivemos. A Bíblia, no entanto, nos chama para um tipo de conhecimento completamente diferente.

A pergunta que guiará nosso estudo é: O que significa, de fato, conhecer a Deus, e qual é o propósito transformador desse conhecimento em nossa vida? Vamos descobrir que conhecer a Deus não é um exercício intelectual, mas um encontro que redefine tudo sobre quem somos e como vivemos.

1. Conhecer a Deus é reconhecê-lo como a fonte de todo o bem

O ponto de partida para um conhecimento genuíno de Deus não é apenas saber que Ele existe, mas compreender o que é essencial saber sobre Ele para a Sua glória e para o nosso bem. Falando com clareza, não podemos dizer que conhecemos a Deus se não houver em nós nenhuma religião ou piedade.

Aqui, não estamos ainda falando do conhecimento específico de Deus como nosso Redentor em Jesus Cristo — isso trataremos mais adiante. Estamos falando do conhecimento primário e fundamental de Deus como nosso Criador. 

Mesmo que, por causa da nossa natureza caída, ninguém possa sentir Deus como um Pai ou Salvador sem a mediação de Cristo, ainda podemos e devemos reconhecê-lo como Aquele que nos criou, nos sustenta com Seu poder, nos governa com Sua providência e nos enche de incontáveis benefícios com Sua bondade.

É vital que estejamos convencidos de que Deus é a fonte de todos os bens, para que não busquemos nada fora d'Ele. Isso significa crer que Ele não apenas criou o mundo uma vez, mas que o sustenta ativamente com Seu poder, o governa com Sua sabedoria e o preserva com Sua bondade. 

Mais especificamente, Ele rege a humanidade com justiça, nos suporta com misericórdia e nos defende com Sua proteção.

Significa também crer que fora d'Ele não se encontra uma única gota de sabedoria, luz, justiça, poder ou verdade. Como todas essas coisas procedem d'Ele, e Ele é a única causa delas, aprendemos a esperá-las e a pedi-las a Ele, e, ao recebê-las, a creditar tudo à Sua graça com um coração grato.

Este reconhecimento da generosidade de Deus é o verdadeiro mestre que nos ensina a religião. O apóstolo Tiago captura essa verdade perfeitamente ao escrever:

Tiago 1.17
Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.

Quando entendemos isso, nossa perspectiva muda. Cada respiração, cada refeição, cada ideia criativa, cada momento de alegria não é um acaso do destino, mas um presente que flui diretamente das mãos de um Criador generoso.

Aplicação

  • Pratique a gratidão ativa. Termine seu dia listando três coisas boas que aconteceram e, conscientemente, reconheça cada uma delas como um presente de Deus. Isso treina seu coração a ver a mão d'Ele em todos os detalhes.
  • Reoriente suas orações de pedido. Antes de pedir algo a Deus, comece reconhecendo que Ele é a fonte de tudo o que você precisa. Por exemplo, em vez de apenas pedir por sabedoria, comece orando: "Senhor, Tu és a fonte de toda a sabedoria, e eu dependo de Ti para me guiar."
  • Combata a autossuficiência. Em sua área de maior competência (trabalho, estudos, hobbies), faça uma pausa e agradeça a Deus pelos talentos e oportunidades que Ele lhe deu. Reconhecer Sua soberania sobre nossos "pontos fortes" é um poderoso exercício de humildade.

2. O verdadeiro conhecimento de Deus gera piedade, não apenas informação

O que é, então, a piedade? Podemos defini-la como uma reverência unida a um profundo amor por Deus, um sentimento que nasce do verdadeiro conhecimento de Seus benefícios. 

Enquanto os homens não tiverem gravado em seus corações que devem tudo a Deus, que são nutridos por Seu cuidado paternal e que Ele é o autor de todos os bens, eles jamais se submeterão a Ele de todo o coração.

Muitos se dedicam a especulações vãs sobre "o que" Deus é, perdendo-se em debates filosóficos. No entanto, é muito mais importante para nós saber "como" Ele é e o que é apropriado à Sua natureza. 

De que adianta confessar que existe um Deus que, como o deus do filósofo Epicuro, vive em ócio e prazer, alheio ao mundo? De que serve conhecer um Deus com o qual não temos nada a ver?

O conhecimento que temos d'Ele deve, em primeiro lugar, nos instruir no temor e na reverência. Em segundo lugar, deve nos ensinar a buscar d'Ele todos os bens e a render-Lhe graças por eles. 

Como podemos pensar em Deus sem ao mesmo tempo pensar que, sendo nós obra de Suas mãos, estamos por direito natural sujeitos ao Seu domínio? Que nossa vida Lhe é devida? Que tudo o que fazemos deve ser referido a Ele?

Se isso é verdade, nossa vida está miseravelmente corrompida se não for ordenada para o Seu serviço, pois a Sua vontade deve ser a regra e a lei de nossa vida. 

Ver claramente a Deus implica, necessariamente, reconhecê-Lo como a fonte de todas as coisas boas. Isso deveria nos mover a nos apegarmos a Ele e a colocar toda a nossa confiança n'Ele, se a nossa maldade natural não nos desviasse desse caminho.

Os fariseus nos tempos de Jesus são o exemplo perfeito de quem tinha muita informação sobre Deus, mas nenhuma piedade. Eles conheciam as Escrituras de cor, mas seus corações estavam distantes d'Ele (Mateus 15:8). O conhecimento deles era uma arma para o orgulho, não uma ponte para a adoração.

Aplicação

  • Faça um "check-up" do seu coração. Ao ler a Bíblia ou ouvir um sermão, pergunte-se: "Isso está apenas aumentando meu conhecimento intelectual ou está aquecendo meu coração de amor e reverência por Deus?".
  • Transforme informação em adoração. Quando aprender algo novo sobre o caráter de Deus (Sua santidade, misericórdia, fidelidade), pare por um momento e transforme esse aprendizado em uma oração de louvor. Diga a Ele o que você admira n'Ele.
  • Conecte o "quê" com o "para quê". O conhecimento de Deus não é um fim em si mesmo. Seu propósito é nos levar a uma vida de confiança e obediência. Ao aprender uma verdade bíblica, sempre se pergunte: "Como essa verdade deve mudar a forma como eu vivo hoje?".

3. Conhecer a Deus como soberano nos leva à confiança e à obediência

Quando uma alma entende que Deus governa todas as coisas, ela naturalmente confia estar sob Sua proteção e se coloca inteiramente sob Sua guarda, sabendo que Ele é o autor de todo o bem. Se alguma aflição ou necessidade surge, ela imediatamente se volta para Ele, esperando Seu socorro.

Porque está persuadida de que Ele é bom e misericordioso, ela repousa n'Ele com plena confiança, não duvidando de que, em Sua clemência, sempre haverá um remédio preparado para suas aflições. Porque O reconhece como Senhor e Pai, conclui que é justo reverenciar Sua majestade, buscar Sua glória e obedecer aos Seus mandamentos.

Porque O vê como um Juiz justo, armado com severidade para punir os malfeitores, ela sempre tem diante dos olhos o Seu tribunal e, pelo temor, se detém para não provocar Sua ira. 

Contudo, ela não se aterroriza com Seu juízo a ponto de querer se afastar d'Ele. Pelo contrário, ela O abraça como o vingador dos maus e o benfeitor dos bons, entendendo que tanto o castigo dos ímpios quanto a recompensa dos justos pertencem à glória de Deus.

Além disso, o que a impede de pecar não é apenas o medo do castigo. É porque ela ama e reverencia a Deus como Pai e O honra como Senhor. 

Mesmo que não houvesse inferno, ela teria horror de ofendê-Lo. Esta é a essência da verdadeira religião: uma fé unida a um sincero temor de Deus, de modo que o temor carregue consigo uma reverência voluntária e conduza a um serviço que esteja de acordo com a Sua Lei.

A história de José no Egito ilustra isso perfeitamente. Traído por seus irmãos e vendido como escravo, ele poderia ter se enchido de amargura. No entanto, seu conhecimento do Deus soberano o levou a dizer: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem" (Gênesis 50:20). Esse conhecimento gerou confiança em meio à dor e uma obediência fiel, mesmo na prisão.

Aplicação

  • Entregue sua ansiedade à soberania d'Ele. Quando se sentir ansioso sobre o futuro, lembre-se de que o Deus que é seu Pai amoroso também é o Rei soberano que governa todas as coisas. Ore especificamente, entregando o controle da situação a Ele.
  • Veja a obediência como um ato de amor. Em vez de ver os mandamentos de Deus como regras restritivas, veja-os como um convite para honrar e agradar a um Pai que o ama. Essa perspectiva transforma o dever em deleite.
  • Cultive o temor reverente. Em um mundo que trata tudo com casualidade, recupere o senso de admiração e espanto pela santidade de Deus. Lembre-se de que, embora possamos nos aproximar d'Ele com confiança por meio de Cristo, estamos nos aproximando do Criador do universo. Isso produz humildade e adoração sincera.

Conclusão

Conhecer a Deus, portanto, é muito mais do que saber fatos sobre Ele. É um conhecimento vivo, dinâmico e relacional que transforma tudo.

Começa com o reconhecimento de que Ele é o Criador e a fonte de todo o bem, o que nos enche de gratidão. Esse reconhecimento, por sua vez, floresce em piedade — um coração que O ama e reverencia. E, finalmente, essa piedade nos conduz a uma vida de confiança inabalável e obediência alegre, pois sabemos que estamos nas mãos de um Pai soberano e bom.

Que possamos abandonar a busca por um conhecimento estéril e meramente intelectual. Em vez disso, que nosso desejo seja conhecer a Deus de tal forma que nossos corações sejam cativados, nossas vidas sejam transformadas e nossa maior alegria seja viver para a glória d'Aquele que nos criou e nos sustenta a cada momento.

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo 2 - "Em que consiste conhecer a Deus e qual é a finalidade deste conhecimento"


Lista de estudos da série

1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

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