Para que ninguém perca o caminho para essa felicidade, o Senhor não apenas plantou em nós uma semente de religião, como vimos no último estudo, mas também Se revelou de forma espetacular na admirável obra do mundo.
Ele Se manifesta todos os dias de uma forma tão clara que é impossível abrir os olhos sem ser forçado a vê-Lo.
Imagine estar em um museu magnífico, repleto de obras de arte de tirar o fôlego. Cada pintura, cada escultura, revela o gênio, a paixão e a habilidade do artista.
Seria absurdo caminhar por esse lugar, admirar cada detalhe e, no final, concluir que as obras surgiram do nada ou que o artista não existe. As próprias obras gritam a existência de seu criador.
Da mesma forma, Deus inscreveu em cada uma de Suas obras as marcas de Sua glória. Sua essência é, de fato, incompreensível para nós, mas Suas virtudes estão estampadas em todo o universo.
Este estudo nos convida a abrir os olhos da alma para enxergar as digitais de Deus em dois grandes palcos: a criação do mundo e o Seu contínuo governo sobre ele.
1. A criação é o glorioso teatro de Deus
Não há um canto do universo, por menor que seja, onde não brilhem centelhas da glória de Deus.
Não podemos contemplar a vasta e bela arquitetura do mundo sem ficarmos atônitos com a imensidão de seu esplendor.
O autor de Hebreus chama o mundo de um “espetáculo das coisas invisíveis”, pois sua ordem e harmonia admiráveis nos servem como um espelho para ver o Deus que, de outro modo, é invisível (Hebreus 11:3).
Os céus, como diz o salmista, são como um palácio real. Deus se veste de luz, estende os céus como uma tenda, faz das nuvens Sua carruagem e cavalga sobre as asas do vento (Salmo 104:1-3).
Ele apresenta as criaturas celestiais em uma linguagem que todos entendem, dando um testemunho tão claro de Sua existência que ninguém, por mais rude que seja, pode alegar ignorância.
Essa revelação não está disponível apenas para os cientistas e estudiosos.
Embora os que estudam astronomia, medicina ou outras ciências possam penetrar mais fundo nos segredos da sabedoria divina, até o mais inculto dos homens, com a simples ajuda de seus olhos, não pode ignorar a excelência da obra de Deus.
Olhar para a ordem e a variedade do céu noturno é suficiente para nos encher de admiração pelo Criador.
Da mesma forma, não precisamos ser médicos para admirar a engenhosidade do corpo humano.
Os antigos filósofos chamavam o homem de microcosmo, ou seja, um “mundo em miniatura”, pois ele é uma rara e admirável amostra do poder, bondade e sabedoria de Deus.
Contém em si milagres suficientes para ocupar nossa mente se estivermos dispostos a considerá-los.
Salmos 19:1
Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos.
Deus não está longe de nós. Como o apóstolo Paulo pregou, “nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17:28).
Cada um de nós sente dentro de si a graça celestial que o sustenta. Que perdão merecerá a preguiça daquele que, para conhecer a Deus, se recusa a entrar em si mesmo?
Aplicação
- Desacelere e observe. Em um mundo acelerado, reserve um momento do seu dia para observar deliberadamente algo na criação: uma árvore, um pássaro, as nuvens. Deixe de lado o celular e permita que a beleza da obra de Deus fale ao seu coração.
- Transforme admiração em adoração. Ao se deparar com algo belo — um pôr do sol, uma paisagem montanhosa, o sorriso de uma criança — não pare no sentimento de admiração. Dê o próximo passo e transforme esse sentimento em uma oração de louvor: “Senhor, Tu és maravilhoso. Obrigado por criar isso.”
- Veja a si mesmo como uma obra-prima. Quando se sentir desvalorizado, lembre-se da complexidade do seu próprio corpo. Cada batida do coração, cada respiração, é um testemunho de um Criador engenhoso e detalhista. Você não é um acidente; você foi “formado de um modo assombrosamente maravilhoso” (Salmo 139:14).
2. O governo de Deus revela Seu caráter justo e bom
Além das obras da criação, Deus também se revela em Suas ações contínuas no mundo, especialmente no governo da humanidade.
Nesses atos, que muitas vezes ocorrem fora do curso comum da natureza, vemos testemunhos claros do Seu poder, bondade e justiça.
A providência de Deus se manifesta de inúmeras maneiras. Ele se mostra generoso e liberal para com todos, mas não deixa de dar provas diárias de Sua clemência para com os fiéis e de Sua severidade para com os ímpios.
Os castigos e vinganças que Ele executa contra os malfeitores não são ocultos, assim como Sua proteção e defesa dos inocentes são evidentes.
Isso não significa que a justiça de Deus seja sempre imediata ou óbvia para nós. Muitas vezes, vemos os ímpios prosperando e os justos sofrendo. Isso não deve nos fazer duvidar da justiça de Deus. Pelo contrário, devemos entender duas coisas:
Primeiro, quando Deus castiga visivelmente uma maldade, Ele está mostrando que abomina todo tipo de pecado.
Segundo, quando Ele permite que muitos pecados passem sem castigo nesta vida, é um sinal de que haverá um juízo final, para o qual esses atos estão reservados.
Da mesma forma, Sua misericórdia é imensa. Quantas vezes Ele socorre os necessitados, liberta os cativos, cura os enfermos e traz segurança aos que enfrentam perigos?
O salmista conclui que os acontecimentos que chamamos de “acaso” ou “sorte” são, na verdade, testemunhos da providência divina e, sobretudo, de Sua clemência paternal.
Cada um desses atos serve para alegrar os piedosos e para calar a boca dos ímpios. No entanto, como a maioria dos homens está atolada em seus erros, poucos realmente enxergam a beleza desse cenário.
Salmos 145:9
O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas.
Aplicação
- Reinterprete os “acasos” da sua vida. Pense em um evento passado que você considerou “sorte” ou “coincidência”. Tente enxergá-lo sob a ótica da providência de Deus. Como a mão d'Ele poderia estar agindo ali de uma forma que você não percebeu na época?
- Confie na justiça final de Deus. Quando você vir a injustiça prosperando no mundo, não se desespere. Lembre-se de que este mundo não é o fim da história. A aparente impunidade de hoje é uma evidência de que um Dia de Juízo virá, quando todas as contas serão acertadas.
- Procure a mão de Deus na crise. Em meio a uma dificuldade, em vez de focar apenas no problema, pergunte a Deus: “Senhor, como o Senhor está se revelando a mim mesmo nesta situação? O que o Teu caráter justo e bom me ensina neste momento?”.
3. Nossa cegueira transforma a revelação em condenação
Apesar de Deus Se apresentar com tanta clareza no espelho de Suas obras, nós somos tão rudes e ignorantes que ficamos atordoados e não aproveitamos esses testemunhos. Ao olharmos para a criação, quem de nós se lembra imediatamente do Criador? Não ficamos, na maioria das vezes, presos à contemplação das obras, sem fazer caso do Artífice?
Quando acontecem eventos extraordinários, nossa inclinação natural é atribuí-los à “roda da Fortuna”, cega e sem juízo, em vez de reconhecer a providência de Deus. E mesmo quando somos impulsionados a pensar em Deus, o sentimento que concebemos é passageiro e logo o corrompemos com nossas próprias vaidades.
Todos nós, do maior ao menor, nos afastamos do Deus verdadeiro e nos entregamos a desatinos monstruosos. A mente de cada um é como um labirinto, e não é de admirar que cada povo, e quase cada homem, tenha inventado seu próprio ídolo para adorar no lugar de Deus.
Essa triste realidade mostra que os brilhantes lampejos da glória de Deus na natureza, embora nos iluminem, são insuficientes para nos conduzir pelo caminho certo por si sós. Eles brilham, mas se apagam antes de nos dar a plena luz. A majestade divina se manifesta nesses espelhos, mas nós não temos olhos para vê-la se primeiro não formos iluminados interiormente pela fé.
A revelação de Deus na natureza não é suficiente para nos salvar, mas é suficiente para nos tornar indesculpáveis. Embora Deus não tenha Se deixado sem testemunho, atraindo docemente os homens a conhecê-Lo, todos seguiram seus próprios caminhos de erro.
A culpa por essa incapacidade de conhecer a Deus está inteiramente em nós. Não podemos alegar que nos faltaram ouvidos para ouvir a verdade, quando as próprias criaturas mudas a proclamam. Não podemos dizer que nos faltaram olhos, quando as criaturas que não os têm nos mostram o caminho. A semente do conhecimento que Deus plantou em nós é corrompida no momento em que a recebemos, pois, ao saborearmos algo da divindade, deixamos o Deus verdadeiro e erigimos as fantasias de nosso próprio cérebro em Seu lugar.
Romanos 1:20-21
Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis. Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o seu coração insensato se obscureceu.
Aplicação
- Reconheça a necessidade de lentes especiais. A criação é como um livro magnífico escrito por Deus, mas nossos olhos estão tão doentes pelo pecado que não conseguimos ler corretamente. A Bíblia e, acima de tudo, a pessoa de Jesus Cristo são as “lentes” que Deus nos dá para enxergá-Lo com clareza.
- Substitua a especulação pela revelação. Em vez de tentar “imaginar” como Deus é, mergulhe naquilo que Ele revelou sobre Si mesmo em Sua Palavra. A Bíblia nos protege de criar um deus à nossa imagem e semelhança.
- Responda ao testemunho da criação com humildade. A natureza não nos leva ao orgulho de “descobrir” Deus, mas à humildade de reconhecer que somos indesculpáveis por ignorá-Lo. Que essa constatação nos leve a clamar por misericórdia e pela luz que só Cristo pode dar.
Conclusão
Vimos que Deus não Se escondeu. Pelo contrário, Ele encheu o universo com testemunhos de Seu poder, sabedoria e bondade. A criação é um teatro deslumbrante que exibe Sua glória, e Seu governo contínuo sobre a história revela Seu caráter justo e misericordioso.
No entanto, a tragédia humana é que, mesmo diante de um palco tão iluminado, escolhemos viver na escuridão. Nossos corações pecaminosos distorcem, ignoram e corrompem essa revelação clara. Em vez de nos levar à adoração, a natureza acaba servindo como testemunha de nossa própria ingratidão e rebeldia.
Isso nos deixa em uma posição desesperadora. Se não podemos conhecer a Deus corretamente através de Sua mais clara revelação, o que nos resta? A resposta é que precisamos de uma luz maior. Precisamos que o próprio Artista entre em Seu teatro e nos fale diretamente. É por isso que, além da revelação na criação, Deus nos deu Sua Palavra e, supremamente, Seu Filho, Jesus, que é "a imagem do Deus invisível" (Colossenses 1:15).
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo V - "O poder de Deus resplandece na criação do mundo e em seu contínuo governo"
Lista de estudos da série
1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas