O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas

No último estudo, mergulhamos na verdade de que Deus não é um Criador distante, mas um Governador ativo e presente, que sustenta e dirige cada detalhe do universo. Esta é uma das doutrinas mais profundas e, ao mesmo tempo, mais difíceis de compreender.

A mente humana, com facilidade, se desvia para especulações vazias diante de um mistério tão grande. Se Deus realmente governa tudo, qual é o nosso papel?

Onde fica nossa responsabilidade? Como podemos encontrar consolo nessa verdade em vez de confusão, medo ou, pior, uma desculpa para a passividade?

É crucial entendermos o propósito prático da doutrina da providência. A Escritura não nos ensina sobre o governo soberano de Deus para que nos percamos em debates filosóficos, mas para que possamos viver com mais fé, paciência, gratidão e segurança.

Este estudo nos guiará para entendermos o fim para o qual esta doutrina nos foi dada. Exploraremos como a verdade da providência de Deus se aplica ao nosso passado, presente e futuro, e como ela nos capacita a viver de forma responsável e cheia de esperança em um mundo que, muitas vezes, parece caótico e sem sentido.

1. A vontade de Deus é a causa justa, mesmo quando não a entendemos

A primeira coisa a notar é que a providência de Deus se estende tanto ao passado quanto ao futuro. Ele governa todas as coisas, às vezes usando meios (pessoas, natureza), às vezes sem eles, e às vezes até contra todos os meios. Seu objetivo é mostrar Seu cuidado pela humanidade e, de modo especial, por Sua Igreja.

Contudo, as causas por trás dos acontecimentos muitas vezes nos são ocultas. Isso nos leva a pensar que os assuntos humanos são movidos pelo cego ímpeto da "fortuna" ou nos impulsiona a murmurar contra Deus, como se Ele se divertisse jogando os homens de um lado para o outro como se fossem bolas.

A verdade é que, se mantivermos a mente tranquila e disposta a aprender, o resultado final sempre revelará que Deus tem uma razão justa em tudo o que faz.

Seja para treinar Seu povo na paciência, corrigir suas más inclinações, dominar seus desejos, ou para abater os soberbos e destruir as maquinações dos ímpios.

Mesmo quando não entendemos as causas, devemos ter a certeza de que elas estão escondidas em Deus. Nossa resposta deve ser a de Davi: "Muitas são, Senhor, Deus meu, as maravilhas que tens operado e também os teus desígnios para conosco" (Salmo 40:5).

Nossa mente carnal murmura ao ver um homem que nasce cego, mas Jesus nos ensina que isso acontece "para que se manifestem nele as obras de Deus" (João 9:3).

Devemos ter a modéstia de não forçar Deus a nos dar satisfações, mas adorar Seus juízos ocultos, de modo que Sua vontade seja para nós a causa mais justa de tudo o que acontece. 

Quando o céu está coberto de nuvens escuras e a tempestade ruge, tudo nos parece confuso. No entanto, sabemos que, acima das nuvens, o céu permanece sereno. 

Da mesma forma, quando os assuntos do mundo nos parecem caóticos, devemos crer que Deus, na clareza de Sua justiça e sabedoria, os dirige para Seus próprios fins.

Aplicação

  • Pratique a adoração em meio à confusão. Quando você não entender o porquê de uma situação difícil, resista à tentação de murmurar ou buscar respostas em todos os lugares. Em vez disso, escolha adorar a sabedoria oculta de Deus. Diga em oração: "Senhor, eu não entendo, mas confio que a Tua vontade é justa e boa."
  • Distinga entre a vontade revelada e a vontade secreta de Deus. A vontade revelada de Deus (Sua Lei) é nosso guia para a obediência. A vontade secreta de Deus (Sua providência) é a razão pela qual as coisas acontecem como acontecem. Não tente viver pela vontade secreta ("Se Deus quiser que eu passe na prova, eu passarei sem estudar"), mas obedeça à Sua vontade revelada ("Estude e seja diligente").
  • Encontre descanso na soberania d'Ele. Saber que a vontade de Deus é a causa final de todas as coisas nos liberta da necessidade de entender tudo. Podemos descansar, mesmo em meio ao mistério, confiando que Ele está no controle.

2. A providência de Deus não anula nossa responsabilidade

Muitos, de forma tola, usam a doutrina da providência para se livrarem da responsabilidade. Eles dizem: "Se Deus decretou o momento da minha morte, é inútil tomar precauções." 

Ou: "Se um ladrão me roubou, ele estava apenas cumprindo a vontade de Deus, então por que puni-lo?". Essas são distorções perversas de uma verdade gloriosa.

A providência de Deus e a responsabilidade humana não são incompatíveis. O decreto eterno de Deus não nos impede de cuidarmos de nós mesmos, mas nos ordena a fazê-lo. A razão é clara: Aquele que limitou nossa vida também nos deu os meios para conservá-la. Ele nos avisou dos perigos e nos deu os remédios.

O Senhor nos confiou a guarda de nossa vida. Portanto, devemos conservá-la. Ele nos deu remédios. Devemos usá-los. Ele nos mostra os perigos.

Não devemos nos lançar neles. A prudência e a loucura são instrumentos da providência de Deus. Aquele que age com prudência escapa do mal, e aquele que age de forma tola perece, ambos cumprindo o que Deus determinou.

Da mesma forma, não podemos culpar a Deus por nossos pecados. Um homem que comete um crime não serve à vontade de Deus; ele obedece aos seus próprios maus desejos. 

Obedecer a Deus é saber qual é a Sua vontade (revelada em Sua Palavra) e procurar cumpri-la. Quando agimos contra Seus mandamentos, isso não é obediência, mas rebelião.

Deus, em Sua sabedoria infinita, sabe como usar maus instrumentos para realizar bons propósitos, sem que Ele se contamine com o mal deles. A maldade e a culpa residem no homem; em Deus, há apenas um uso bom e legítimo de suas más ações.

Gênesis 50:20
Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos.

José reconhece tanto a maldade de seus irmãos quanto a providência soberana de Deus, sem confundir as duas coisas.

Aplicação

  • Use os meios que Deus lhe deu. Ore pela cura, mas também vá ao médico. Peça a provisão de Deus, mas também trabalhe diligentemente. Confiar na providência não é um chamado à passividade, mas a usar com sabedoria os meios que Deus nos concede.
  • Assuma total responsabilidade por seu pecado. Nunca use a soberania de Deus como desculpa para seus erros. Você é 100% responsável por suas escolhas. Confesse seu pecado sem rodeios, reconhecendo que a culpa é sua, e somente sua.
  • Veja os atos dos outros através de duas lentes. Quando alguém o prejudicar, reconheça a maldade e a responsabilidade da pessoa. Mas, ao mesmo tempo, olhe para além dela e veja a mão soberana de Deus, que está usando essa situação para um propósito maior em sua vida.

3. A confiança na providência nos liberta do medo e nos enche de paz

A meditação piedosa na providência produz um fruto doce e saboroso no coração do crente. Ela gera gratidão na prosperidade, paciência na adversidade e uma segurança singular quanto ao futuro.

Tudo o que nos acontece de bom, atribuiremos a Deus. Recebeu um benefício através de uma pessoa? Foi o Senhor quem inclinou o coração dela para amá-lo. Teve uma boa colheita? Foi o Senhor quem abençoou a terra. Em tudo, reconheceremos a bênção de Deus e seremos guardados da ingratidão.

Se alguma adversidade nos sobrevier, imediatamente levantaremos nosso coração a Deus. Se fomos injuriados por homens, deixaremos de lado a malícia deles, que só nos exasperaria, e nos lembraremos que tudo foi permitido e ordenado pela justa disposição de Deus.

Como Jó, que, ao perder tudo, não amaldiçoou os ladrões, mas disse: “O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor” (Jó 1:21).

Essa perspectiva nos liberta da ansiedade sobre o futuro. Nossa vida está cercada por mil perigos. Se vivêssemos sujeitos à fortuna, viveríamos em constante terror. 

Mas quando a luz da providência de Deus brilha em nossa alma, somos libertos de todo medo. Nosso consolo é saber que nosso Pai celestial governa todas as coisas com tal poder e sabedoria que nada acontece senão o que Ele ordena.

Ele nos acolheu sob Seu amparo, nos confiou aos Seus anjos, e, portanto, nem a água, nem o fogo, nem a espada podem nos prejudicar além do que o Senhor permitir. Essa é a fonte da confiança dos santos:

Salmo 118:6
O Senhor está comigo, não temerei. O que me podem fazer os homens?

Aplicação

  • Pratique a paciência de José. Quando for injustiçado, em vez de se fixar na ofensa, eleve seu coração a Deus. Lembre-se de que, por trás da ação do seu inimigo, está um Deus soberano que está usando essa situação para o seu bem e para a glória d'Ele. Isso o inclinará à mansidão e ao perdão.
  • Entregue suas ansiedades futuras. Faça uma lista de suas preocupações com o futuro. Ao lado de cada uma, escreva a verdade da providência de Deus: “Senhor, esta situação está em Tuas mãos. Confio em Teu poder e em Tua bondade.”
  • Não despreze as causas secundárias. Ao receber uma bênção através de alguém, glorifique a Deus como a fonte principal, mas também honre e agradeça à pessoa como um ministro da bondade de Deus. Reconhecer a providência não nos torna ingratos para com os instrumentos que Deus usa.

Conclusão

A doutrina da providência não é um quebra-cabeça filosófico para ser resolvido, mas um refúgio seguro para a alma. Ela nos ensina a olhar além das circunstâncias imediatas e a ver a mão de um Pai sábio e soberano governando todas as coisas.

O correto entendimento desta doutrina produzirá em nós um coração grato na alegria, paciente na dor e destemido diante do futuro. Saber que nada acontece por acaso, mas que tudo ocorre sob o conselho de Deus, é a maior fonte de paz que uma alma pode experimentar neste mundo caótico.

Que possamos, portanto, descansar nessa verdade. A maior miséria é ignorar a providência de Deus; a suma felicidade é conhecê-la e confiar nela.

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro I - Capítulo XVII - "Determinação do fim desta doutrina para que possamos nos aproveitar bem dela"


Lista de estudos da série

1. O Espelho de Calvino: Sua miséria revelando a majestade de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. A Luz da Santidade: Por que conhecer a Deus precede conhecer a si mesmo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. O GPS da Alma: A semente de Deus no coração humano segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. A Semente Corrompida: Por que a busca por Deus dá tão errado – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Teatro de Deus: A glória do Criador revelada em Sua criação – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. As Lentes da Fé: A necessidade da Escritura para enxergar Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Prova do Espírito: A verdadeira autoridade da Bíblia segundo Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. As Digitais Divinas: Evidências que confirmam a Palavra de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Parceria Perfeita: A união da Palavra e do Espírito em Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. O Retrato do Criador: A imagem de Deus revelada nas Escrituras – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Fábrica de Ídolos: A proibição de imagens visíveis de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Um Trono para Um Rei: A adoração exclusiva exigida por Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Um Deus em Três Pessoas: Desvendando a Trindade com Calvino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. O Roteiro da Criação: A revelação de Deus em Gênesis – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. As Configurações de Fábrica: O homem à imagem de Deus antes da queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Maestro Invisível: O governo ativo de Deus sobre todas as coisas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Propósito da Providência: Como usar a soberania de Deus na vida real – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. O Grande Paradoxo: Deus usando o mal para Seus bons propósitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

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