No estudo anterior, exploramos a necessidade de nosso Mediador ser, ao mesmo tempo, Deus e homem. Vimos como Sua divindade era essencial para vencer o pecado e a morte, e como Sua humanidade era crucial para nos representar e se compadecer de nós.
No entanto, ao longo da história, a verdadeira humanidade de Cristo tem sido um alvo constante de ataques. Alguns, como os antigos gnósticos, não conseguiam conceber que o Filho de Deus pudesse se unir a um corpo material.
Para eles, a matéria era má, e então ensinaram que Jesus apenas *parecia* ter um corpo, como um fantasma ou um anjo disfarçado. Outros, como os maniqueus, imaginaram que Seu corpo era de uma substância celestial, e não formado da mesma carne que a nossa.
Essas ideias podem parecer especulações teológicas distantes, mas elas atacam o próprio coração do Evangelho. Se Jesus não compartilhou de nossa substância humana real, a ponte que Ele deveria construir sobre o abismo entre Deus e nós se desfaz.
Neste estudo, vamos mergulhar nas provas bíblicas da verdadeira e completa humanidade de Cristo. A questão que nos acompanhará será: por que é tão vital para nossa salvação que Jesus tenha assumido não uma aparência de humanidade, mas a própria substância da nossa carne?
1. Jesus é verdadeiramente um de nós
A Escritura, de inúmeras maneiras, insiste na humanidade genuína de Cristo. A promessa da bênção não foi feita a uma semente celestial, mas especificamente à "descendência de Abraão e de Jacó". O trono eterno foi prometido ao "filho de Davi" e ao "fruto do seu ventre".
Por isso, o Novo Testamento começa identificando Jesus como "Filho de Davi, Filho de Abraão" (Mateus 1:1). Paulo é ainda mais específico, afirmando que Ele foi "gerado da descendência de Davi segundo a carne" (Romanos 1:3).
O próprio Jesus, não satisfeito em ser apenas chamado de "homem", frequentemente se autodenominava "Filho do Homem", um título que enfatiza Sua origem e identificação com a humanidade.
O apóstolo em Hebreus resume isso de forma poderosa: "Visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas... Por isso, convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote" (Hebreus 2:14, 17).
Cristo não "socorreu aos anjos, mas socorreu à descendência de Abraão". Para fazer isso, Ele precisava ser como nós.
Ele sentiu fome, sede e cansaço. Ele chorou. Ele se alegrou. Ele experimentou toda a gama de necessidades e emoções humanas. Tudo isso serve para edificar nossa fé e fortalecer nossa confiança. A nossa salvação depende do fato de que os nossos pecados foram expiados na *nossa* carne.
Aplicação
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Abrace a solidariedade de Cristo: Em suas fraquezas e sofrimentos, lembre-se de que Jesus partilhou de sua natureza. Ele entende, não de forma teórica, mas por experiência própria. Essa verdade transforma a oração de um monólogo para um diálogo com Alguém que verdadeiramente se compadece.
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Entenda a conexão física: Jesus é nossa Cabeça, e nós somos o Seu corpo. Essa união é tão real que o Espírito que foi derramado sobre Ele sem medida é o mesmo que nos vivifica. "Da sua plenitude recebemos todos nós" (João 1:16). Você é participante da vida que flui da Cabeça.
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Aproprie-se da Sua santificação: Jesus disse: "E por eles me santifico a mim mesmo" (João 17:19). A vida santa que Ele viveu em um corpo humano como o nosso é creditada a nós, que estamos unidos a Ele pela fé. Sua santidade se torna a nossa.
2. Refutando as objeções à humanidade de Cristo
Aqueles que negam a verdadeira humanidade de Cristo costumam torcer as Escrituras para apoiar suas ideias. Vamos analisar alguns de seus argumentos.
Argumento 1: Ele foi "feito semelhante aos homens" (Filipenses 2:7). Eles dizem que "semelhante" não significa "igual". No entanto, o contexto dessa passagem não é sobre a *substância* do corpo de Cristo, mas sobre Seu *comportamento*.
Paulo está nos exortando à humildade. Ele mostra que Cristo, sendo Deus, poderia ter manifestado Sua glória, mas voluntariamente se humilhou, assumindo a forma e a condição de um servo, escondendo Sua divindade sob o véu da carne.
Argumento 2: Ele é chamado de "segundo Adão, celestial" (1 Coríntios 15:47). Novamente, eles usam isso para argumentar que Seu corpo veio do céu. Mas Paulo não está falando da *essência* do corpo de Cristo, mas de seu *poder espiritual*.
O primeiro Adão nos deu uma vida terrena; o segundo Adão, Cristo, nos dá vida celestial pelo Seu Espírito. Este versículo, longe de negar Sua humanidade, a confirma, pois a ressurreição de Cristo em um corpo humano é a base da nossa própria ressurreição.
Argumento 3: Se Ele veio da descendência de Adão, como Ele não herdou o pecado? Esta é uma preocupação legítima. A resposta está na ação do Espírito Santo. Cristo foi concebido milagrosamente no ventre de Maria pelo Espírito.
Paulo, ao dizer que Jesus foi enviado "em semelhança da carne do pecado" (Romanos 8:3), O isenta da corrupção, mostrando que Ele era verdadeiro homem, mas sem mancha. Sua geração foi pura, como a de Adão teria sido antes da queda, não porque o sêmen da mulher seja puro, mas porque Sua concepção foi santificada pelo Espírito.
Aplicação
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Seja um intérprete cuidadoso da Bíblia: Muitas heresias nascem de se tomar um versículo fora de seu contexto. Aprenda a ler as passagens à luz do ensino geral das Escrituras. A Bíblia interpreta a si mesma.
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Maravilhe-se com a humildade de Cristo: Medite em Filipenses 2. O Deus do universo se esvaziou, assumindo a forma de um servo. Que a humildade Dele o inspire a se humilhar, a servir aos outros e a não buscar sua própria glória.
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Entenda a santidade de Jesus: A santidade de Jesus não se deve a uma natureza corporal diferente da nossa. É porque, desde a concepção, o Espírito Santo o preservou da mancha do pecado. Ele foi o "cordeiro imaculado e incontaminado" (1 Pedro 1:19), e por isso Seu sacrifício foi eficaz.
3. A importância da Sua linhagem
A Bíblia se esforça para traçar a genealogia de Jesus de volta a Davi e a Abraão. Os evangelhos de Mateus e Lucas, embora diferentes, ambos estabelecem Sua conexão com a linhagem prometida. Por quê?
Porque era essencial que o Messias viesse da linhagem específica através da qual Deus fez Suas promessas.
Ele não poderia ser um redentor genérico; Ele tinha que ser o cumprimento das profecias. Ele é chamado "semente de Abraão" e "filho de Davi" não de forma alegórica, mas literal. Como Paulo diz, não há muitos redentores na linhagem de Abraão, mas um só, "que é Cristo" (Gálatas 3:16).
A promessa feita a Eva no jardim, de que a "semente da mulher" esmagaria a cabeça da serpente (Gênesis 3:15), não se referia apenas a Jesus isoladamente, mas a toda a humanidade que seria vitoriosa Nele. Isso implica que o próprio Jesus teria que pertencer à espécie humana para poder nos representar nessa vitória.
Mesmo a objeção de que a genealogia de Mateus traça a linhagem de José, e não de Maria, se desfaz quando entendemos que, para os judeus daquela época, a linhagem de Maria era conhecida e não contestada. Bastava demonstrar a linhagem legal de José para estabelecer o direito de Jesus ao trono de Davi.
Aplicação
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Confie na fidelidade da Palavra de Deus: A precisão das genealogias e o cumprimento das profecias são testemunhas poderosas da confiabilidade da Bíblia. Deus cumpre o que promete, nos mínimos detalhes.
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Alegre-se na sua inclusão: A salvação que Jesus trouxe não se limita a uma única linhagem. Ele veio de Adão, o pai de todos nós, para que a salvação fosse comum a toda a humanidade. Em Cristo, as barreiras raciais e genealógicas são removidas.
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Conforte-se na esperança prometida: O decreto que prometeu a Eva um libertador que viria de sua própria carne foi feito para consolá-la em seu desespero. Da mesma forma, a promessa de um Salvador que se tornou um de nós é nossa maior fonte de esperança em meio às nossas falhas e sofrimentos.
Conclusão
A verdade da plena e completa humanidade de Cristo não é um detalhe teológico secundário. É a rocha sobre a qual nossa salvação está construída. Porque Ele se tornou verdadeiramente homem, Ele pôde viver a vida perfeita que nós não vivemos e morrer a morte que nós merecíamos. Porque Ele era da nossa substância, Ele pôde nos redimir.
Ele não era um fantasma, nem um ser celestial disfarçado. Ele era carne da nossa carne e osso dos nossos ossos. Ele pisou em nosso chão, respirou nosso ar e sentiu nossas dores.
E ao fazer isso, Ele santificou a própria natureza humana e abriu o caminho para que, um dia, possamos ser como Ele é.
Que possamos rejeitar qualquer ensino que diminua a beleza de Sua humanidade e nos agarrar firmemente à verdade de que nosso Salvador é também nosso Irmão. Nele, o céu tocou a terra, para que um dia a terra pudesse tocar o céu.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro II - Capítulo 13 - "Cristo Assumiu a Substância Verdadeira da Carne Humana"
Lista de estudos da série
1. O Espelho Quebrado: Redescobrindo quem somos após a queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. Vontade Escravizada: Por que não somos livres para escolher a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Castelo de Areia: Por que nossas melhores obras não podem nos salvar – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Cavaleiro do Coração: Como Deus governa a vontade humana – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Espelho da Lei: Por que os mandamentos de Deus nos condenam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. A Ponte Sobre o Abismo: A necessidade de um Mediador divino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra e a Realidade: Como a Lei do Antigo Testamento apontava para Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. O Retrato do Caráter de Deus: Uma exploração profunda dos Dez Mandamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Alvorada da Salvação: Como Cristo foi revelado no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Mesmo Retrato: A unidade fundamental do Antigo e Novo Testamento – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Melodia da Redenção: As gloriosas diferenças entre os Testamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Deus Conosco: Por que o Mediador precisava ser Deus e Homem – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Carne da Nossa Carne: A importância da verdadeira humanidade de Jesus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Mistério da União: Como as duas naturezas se unem em Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Salvador Completo: Os três ofícios de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Obra da Redenção: A morte, ressurreição e ascensão de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Mérito da Graça: Como a obra de Cristo satisfez a justiça de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
