A maioria de nós gosta de pensar em si mesmo como uma "pessoa boa". Olhamos para nossas vidas e vemos atos de bondade, momentos de honestidade, boas intenções.
Fazemos o nosso melhor para sermos bons pais, bons vizinhos e bons cidadãos. Certamente, cometemos erros, mas no fundo, acreditamos que o bem que fazemos supera o mal.
Essa é uma balança que quase todos nós usamos para medir nosso valor. Acreditamos que, no final das contas, Deus colocará nossas boas obras de um lado e as más de outro, e torcemos para que o lado bom seja mais pesado.
Mas será que é assim que Deus julga? No estudo anterior, vimos que nossa vontade e nosso entendimento estão cativos do pecado. A partir de agora, vamos analisar o resultado disso: as obras que produzimos.
O que a Bíblia diz sobre os frutos que brotam da árvore da nossa natureza caída? As boas ações que praticamos têm algum valor para nos salvar ou nos justificar diante de um Deus santo?
Vamos explorar a resposta radical e libertadora das Escrituras, que nos convida a abandonar a balança da autojustificação e a correr para a cruz.
A pergunta que nos guiará é: Por que até mesmo as nossas melhores obras, por si sós, merecem condenação e nos mostram nossa desesperada necessidade de um Salvador?
1. Somos inteiramente carne diante de Deus
Para entender o valor de nossas obras, precisamos primeiro entender de onde elas vêm. Jesus oferece um diagnóstico claro e direto: "O que é nascido da carne é carne" (João 3:6).
À primeira vista, podemos pensar que "carne" se refere apenas ao nosso corpo ou aos nossos desejos mais básicos e sensuais. Mas a Bíblia usa essa palavra de uma forma muito mais ampla.
"Carne" é o termo bíblico para toda a natureza humana em seu estado caído, separada da obra regeneradora do Espírito Santo. Isso inclui não apenas nossos apetites, mas também nossa mente, nossas emoções e nossa vontade.
O apóstolo Paulo é enfático ao dizer que a inclinação da carne é "inimizade contra Deus, pois não está sujeita à Lei de Deus, nem mesmo pode estar" (Romanos 8:7).
Pense em um computador com um sistema operacional corrompido por um vírus. Não é apenas um programa que está com defeito; todo o sistema está comprometido. Mesmo as tarefas mais simples podem produzir resultados errados, porque a base de tudo está viciada.
Da mesma forma, a corrupção do pecado afeta todo o nosso ser. Não existe uma "parte boa" de nós (como a mente) que luta contra uma "parte má" (como o corpo). Tudo o que somos, por natureza, está manchado.
É por isso que a solução de Deus não é um simples conserto ou uma atualização, mas uma completa renovação.
Paulo nos exorta a sermos "renovados no espírito do vosso entendimento" (Efésios 4:23). Isso mostra que até mesmo a nossa mente, a parte mais nobre da alma, precisa ser refeita pela graça. O homem natural inteiro, de ponta a ponta, é "carne", e a carne não pode agradar a Deus.
Aplicação
-
Abandone a autoconfiança intelectual: Pare de confiar em sua própria inteligência ou lógica para entender as coisas de Deus. Reconheça que sua mente, por si só, está entenebrecida. Peça humildemente ao Espírito Santo que o ilumine toda vez que abrir a Bíblia.
-
Entenda a profundidade do pecado: O pecado não é apenas o que você faz; é o que você é por natureza. Ele afeta suas intenções, suas motivações e seus pensamentos. Essa compreensão deve levá-lo a uma vigilância constante sobre seu coração, e não apenas sobre suas ações externas.
-
Celebre o novo nascimento: A doutrina da "carne" torna a promessa do novo nascimento ainda mais preciosa. Você não foi apenas "melhorado" por Deus; você foi feito uma "nova criação" (2 Coríntios 5:17). Agradeça a Deus por não ter apenas consertado o antigo, mas por ter criado algo inteiramente novo em você através de Cristo.
2. Nossas melhores virtudes ainda estão manchadas
Neste ponto, uma pergunta justa surge: "E as pessoas boas que não são cristãs? E os atos de heroísmo, honestidade e generosidade que vemos no mundo todos os dias?" A história está cheia de exemplos de pessoas que, guiadas por sua natureza, viveram vidas moralmente admiráveis.
A Bíblia não nega isso. No entanto, ela nos convida a olhar para essas virtudes sob duas lentes. A primeira lente é a da graça comum de Deus.
Se Deus permitisse que a natureza humana caída seguisse seus impulsos sem qualquer freio, o mundo seria um caos insuportável.
Deus, em Sua providência, reprime o mal e distribui dons e virtudes até mesmo a incrédulos para preservar a ordem e o bem da sociedade. Essas virtudes, consideradas em si mesmas, são dons de Deus e dignas de admiração humana.
Mas precisamos da segunda lente: a do julgamento divino. Diante de Deus, o que mais importa não é apenas a ação, mas a motivação.
A principal retidão que Deus exige é o desejo de glorificá-lo acima de tudo. Se esse desejo não existe, falta o fundamento de toda a verdadeira justiça.
Um homem pode ser um excelente governante, um pai amoroso ou um cidadão honesto, mas se o motor de sua vida é a ambição, o amor-próprio ou o desejo de ser admirado, suas virtudes estão manchadas.
É como uma maçã lindamente vermelha e polida por fora, mas podre em seu interior. Para os homens, ela parece perfeita.
Mas para Aquele que vê o coração, ela está corrompida. É por isso que o profeta Isaías declara que "todas as nossas justiças são como trapo da imundícia" (Isaías 64:6). Sem a obra de regeneração do Espírito, o coração do homem é perverso e seu alvo final nunca é a glória de Deus.
Romanos 3:10-12
Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só.
Aplicação
-
Examine suas motivações: Por que você faz as coisas boas que faz? É para ser visto pelos outros? Para se sentir bem consigo mesmo? Ou é por um amor genuíno a Deus e o desejo de glorificá-Lo? Peça a Deus para purificar as intenções do seu coração.
-
Pare de usar a balança: Abandone a ideia de que você pode ser salvo por suas boas obras. O padrão de Deus é a perfeição, e até mesmo nossas melhores ações estão aquém disso. Sua única esperança não está no que você faz para Deus, mas no que Cristo fez por você.
-
Agradeça pela graça comum: Quando vir bondade, beleza e ordem no mundo, mesmo entre aqueles que não conhecem a Cristo, agradeça a Deus. Reconheça Sua mão bondosa que sustenta e preserva Sua criação, apesar da nossa rebelião.
3. A vontade cativa e a necessidade da graça
Nossa vontade, como vimos, está acorrentada pelo pecado. Isso não significa que somos forçados a pecar por uma força externa.
Pelo contrário, pecamos porque desejamos pecar. Nossa vontade está tão inclinada para o mal que o busca voluntariamente. Essa condição é chamada de necessidade, não de coação. Não podemos deixar de pecar, assim como Deus não pode deixar de ser bom.
Deus é bom por necessidade, porque essa é a Sua natureza. Mesmo assim, Sua vontade é perfeitamente livre.
O diabo é mau por necessidade, porque essa é a sua natureza caída. Mesmo assim, ele peca voluntariamente. Da mesma forma, o homem natural peca por necessidade, mas o faz de acordo com os desejos de sua própria vontade corrompida.
Se essa é a condição da nossa vontade, qual é o remédio? Não é uma simples "ajuda" de Deus para a nossa vontade fraca. Uma vontade que só pode produzir o mal não precisa de ajuda; precisa ser substituída. E é exatamente isso que a graça de Deus faz.
A conversão não é o homem tomando a iniciativa e Deus ajudando. A conversão é a obra soberana de Deus, que nos dá um coração novo.
O profeta Ezequiel descreve este milagre: "Dar-vos-ei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração de carne" (Ezequiel 36:26). Um coração de pedra é incapaz de sentir ou responder. Ele precisa ser removido e trocado por um coração vivo, que Deus mesmo cria em nós.
Tudo o que há de bom em nossa vontade, do primeiro desejo de buscar a Deus até a perseverança final, é obra da Sua graça. Como Paulo afirma: "Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Filipenses 2:13). A glória é inteiramente Dele.
Aplicação
-
Descanse na soberania de Deus: Sua salvação não depende da força instável da sua vontade, mas da obra poderosa e eficaz de Deus. Ele não apenas tornou a salvação possível; Ele a realiza em você.
-
Ore com confiança pela conversão de outros: Se a conversão dependesse da livre escolha de uma vontade cativa, não teríamos esperança. Mas como ela depende do poder de Deus para transformar corações de pedra em corações de carne, podemos orar com fé, sabendo que nada é impossível para Ele.
-
Atribua toda a glória a Deus: Reconheça que qualquer desejo bom, qualquer ato de obediência e qualquer passo de fé em sua vida não se originou em você, mas é um presente da graça transformadora de Deus. Que sua vida seja um contínuo cântico de gratidão a Ele.
Conclusão
O veredito das Escrituras é claro: tudo o que a nossa natureza caída produz, por si só, merece condenação. Somos "carne" em nosso ser inteiro. Nossas melhores virtudes estão manchadas pela falta de um coração que busca glorificar a Deus. Nossa vontade está cativa, e somos incapazes de nos mover em direção a Ele.
Esta verdade não foi feita para nos esmagar em desespero, mas para nos esvaziar de todo o orgulho. Ela destrói a confiança em nós mesmos para que possamos construir nossa única esperança sobre a rocha sólida da graça de Deus.
Enquanto tentarmos nos apresentar a Deus com as obras de nossas mãos, sempre estaremos aquém. Mas quando chegamos de mãos vazias, confessando nossa falência e reconhecendo que até mesmo nossas "justiças" são trapos imundos, estamos na posição perfeita para receber o dom gratuito da justiça de Cristo.
Ele não veio para os justos, mas para os pecadores. Ele não veio para os fortes, mas para os fracos. Ele não veio para oferecer ajuda, mas para dar vida. Que possamos parar de tentar nos salvar com os frutos de nossa árvore caída e descansar totalmente no fruto perfeito da obediência de Cristo em nosso lugar.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro II - Capítulo 3 - "Tudo o que a natureza corrompida do homem produz merece condenação"
Lista de estudos da série
1. O Espelho Quebrado: Redescobrindo quem somos após a queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. Vontade Escravizada: Por que não somos livres para escolher a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Castelo de Areia: Por que nossas melhores obras não podem nos salvar – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Cavaleiro do Coração: Como Deus governa a vontade humana – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Espelho da Lei: Por que os mandamentos de Deus nos condenam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. A Ponte Sobre o Abismo: A necessidade de um Mediador divino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra e a Realidade: Como a Lei do Antigo Testamento apontava para Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. O Retrato do Caráter de Deus: Uma exploração profunda dos Dez Mandamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Alvorada da Salvação: Como Cristo foi revelado no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Mesmo Retrato: A unidade fundamental do Antigo e Novo Testamento – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Melodia da Redenção: As gloriosas diferenças entre os Testamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Deus Conosco: Por que o Mediador precisava ser Deus e Homem – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Carne da Nossa Carne: A importância da verdadeira humanidade de Jesus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Mistério da União: Como as duas naturezas se unem em Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Salvador Completo: Os três ofícios de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Obra da Redenção: A morte, ressurreição e ascensão de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Mérito da Graça: Como a obra de Cristo satisfez a justiça de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas