Exploramos por que nosso Mediador precisava ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Sua humanidade O tornou próximo de nós; Sua divindade O tornou poderoso para nos salvar.
Mas como essas duas naturezas tão diferentes — a divina e a humana, a infinita e a finita, o Criador e a criatura — podem coexistir em uma única pessoa?
Este é um dos maiores mistérios da nossa fé. A afirmação do apóstolo João, "o Verbo se fez carne" (João 1:14), é simples de dizer, mas profunda em seu significado.
Ela não quer dizer que o Verbo *se transformou* em carne ou que a divindade e a humanidade se misturaram, criando uma terceira substância. Significa que o Filho eterno de Deus tomou para Si uma natureza humana, habitando nela como em um templo.
A união da divindade e da humanidade em Cristo é tão profunda que, embora cada natureza mantenha suas propriedades distintas, elas constituem uma única pessoa.
Para entender este profundo mistério, mergulharemos no que as Escrituras ensinam sobre a unidade e a distinção das duas naturezas de Cristo, e como isso nos dá uma base segura para nossa salvação.
1. Duas naturezas, uma pessoa
A melhor analogia para entender, ainda que imperfeitamente, a união das duas naturezas em Cristo é a própria natureza humana.
Cada um de nós é composto de duas substâncias distintas: alma e corpo. A alma não é o corpo, e o corpo não é a alma. Cada um tem suas próprias propriedades: a alma pensa e sente; o corpo come e dorme.
No entanto, a pessoa que resulta dessa união é uma só, não duas. Falamos de um único homem. Frequentemente, atribuímos à pessoa inteira o que é próprio de apenas uma parte. Dizemos "o homem sofre", embora o sofrimento seja sentido na alma. Dizemos "o homem morre", embora a morte seja a separação do corpo.
Da mesma forma, a Bíblia fala de Cristo. Às vezes, ela atribui a Ele o que é próprio de Sua humanidade (como crescer em sabedoria ou ser crucificado).
Outras vezes, o que é próprio de Sua divindade (como existir antes de Abraão ou ter glória com o Pai antes da criação do mundo). E, em alguns momentos, o que pertence à união das duas (como ser o único caminho para o Pai).
Os teólogos antigos chamaram esse intercâmbio de propriedades de "comunicação de idiomas". Isso significa que, por causa da união inseparável das duas naturezas na pessoa de Cristo, o que é verdade sobre uma natureza pode ser dito sobre a pessoa inteira.
É por isso que Paulo pode dizer que Deus comprou a igreja "com seu próprio sangue" (Atos 20:28). Deus, em Sua divindade, não tem sangue, mas porque a pessoa que derramou Seu sangue humano era também verdadeiro Deus, a afirmação é verdadeira.
Aplicação
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Adore a pessoa de Cristo: Não tente separar o Cristo humano do Cristo divino. Quando você ora a Jesus, está falando com uma única pessoa que é, ao mesmo tempo, seu irmão compreensivo e seu Deus todo-poderoso. Essa verdade deve encher sua adoração de reverência e, ao mesmo tempo, de intimidade.
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Evite a confusão teológica: Ao longo da história, duas grandes heresias atacaram essa doutrina. Nestório *dividiu* as naturezas, criando dois "Cristos". Êutico *confundiu* as naturezas, criando uma mistura. A fé bíblica mantém as duas naturezas distintas, mas inseparavelmente unidas em uma só pessoa.
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Leia a Bíblia com atenção: Ao ler os Evangelhos, preste atenção em como os escritores falam de Jesus. Identifique os versículos que destacam Sua humanidade e aqueles que revelam Sua divindade. Ver essa dança teológica enriquecerá sua compreensão de quem Ele é.
2. A Bíblia testifica da unidade em Cristo
A Escritura está repleta de exemplos que demonstram essa unidade na distinção. Vamos ver como Jesus e os apóstolos falaram sobre isso.
Atributos Divinos na Pessoa do Mediador: Jesus disse: "Antes que Abraão existisse, eu sou" (João 8:58). Esta afirmação de existência eterna só pode pertencer à Sua divindade. Paulo O chama de "o primogênito de toda a criação", por quem e para quem todas as coisas foram criadas (Colossenses 1:15-17). Claramente, isso se refere à Sua natureza divina.
Atributos Humanos na Pessoa do Mediador: Jesus é chamado de "servo" do Pai (Isaías 42:1), cresceu "em sabedoria, e em estatura, e em graça" (Lucas 2:52), disse que não sabia o dia nem a hora de Sua volta (Marcos 13:32) e foi "visto" e "tocado" (Lucas 24:39). Tudo isso só pode se referir à Sua humanidade.
Atributos da União na Pessoa do Mediador: No entanto, os títulos e ofícios mais importantes pertencem a Ele não apenas como Deus ou como homem, mas como o Deus-Homem.
Ele é a "luz do mundo", o "bom pastor", a "única porta" e a "videira verdadeira". Estes são privilégios que um mero homem não poderia ter, mas que foram dados ao Filho de Deus *manifestado em carne* para o cumprimento de Sua obra mediadora.
Ele recebeu do Pai a autoridade para perdoar pecados e para ressuscitar os mortos. No final, Ele entregará o Reino ao Pai, não porque Seu próprio Reino divino terá fim, mas porque Seu papel de Mediador entre Deus e o homem terá sido completado. Então, a divindade de Cristo resplandecerá plenamente, sem o véu de Sua humilhação.
Aplicação
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Confie plenamente no seu Mediador: Porque seu Mediador é Deus e homem, Sua obra é perfeita. Sua obediência humana é aceita, e Seu poder divino é eficaz. Não há falhas em Sua mediação.
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Entenda o senhorio de Cristo: Cristo reina hoje como o Deus-Homem, sentado à direita do Pai. Este é um reino "temporal" no sentido de que tem um propósito específico que se cumprirá na Sua segunda vinda. No entanto, Seu reinado como Filho eterno de Deus nunca terá fim.
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Evite interpretações que diminuem Cristo: Tenha cuidado com ensinos modernos que, para tornar Jesus mais "humano", acabam negando Sua divindade, ou que, para exaltar Sua divindade, acabam minimizando Sua humanidade. A Bíblia sustenta as duas verdades em perfeita harmonia.
3. A importância de manter a distinção e a unidade
Compreender corretamente essa doutrina nos protege de muitos erros perigosos. Homens como o herege Miguel Servet, ao tentar explicar esse mistério, acabaram criando um "fantasma" no lugar de Cristo.
Ele negou que Jesus fosse o Filho eterno de Deus, afirmando que Ele só se tornou Filho ao ser concebido no ventre de Maria. Isso destrói a doutrina da Trindade e nos deixa sem um Salvador divino.
A Bíblia, no entanto, é clara. O anjo disse a Maria que o santo Ser que nasceria seria *chamado* Filho de Deus (Lucas 1:35), indicando que um título que antes era obscuro se tornaria célebre e conhecido.
O apóstolo Paulo frequentemente distingue as duas naturezas: "nascido da descendência de Davi *segundo a carne*", mas "declarado Filho de Deus com poder, *segundo o Espírito de santificação*" (Romanos 1:3-4). O título "Filho de Davi" se refere à Sua humanidade; o título "Filho de Deus" se refere à Sua divindade.
Nós confessamos que o Mediador que nasceu de Maria é propriamente o Filho de Deus. E afirmamos que Ele, como homem, recebeu a honra que não poderia merecer, sendo adornado com a prerrogativa de ser o Filho de Deus. No entanto, nunca devemos confundir as naturezas.
O Verbo eterno sempre foi o Filho de Deus, e ao assumir nossa natureza humana, uniu-a à Sua pessoa divina.
Aplicação
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Apegue-se à fé ortodoxa: A doutrina da união hipostática (a união das duas naturezas em uma pessoa) foi defendida pelos concílios da igreja primitiva por uma razão. Não é uma especulação desnecessária, mas a própria essência de quem é Jesus. Estude os credos históricos, como o Credo de Calcedônia, para fortalecer sua compreensão.
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Entenda sua própria adoção: Somos filhos de Deus por adoção e pela graça. Jesus é Filho por natureza. Nossa filiação depende totalmente da Dele. Essa distinção nos mantém humildes e maravilhados com a graça de Deus.
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Responda com adoração, não com especulação: Diante de um mistério tão profundo, a resposta adequada não é tentar desvendá-lo completamente com nossa lógica finita, mas cair de joelhos em adoração e louvor ao Deus que se tornou um de nós para nos salvar.
Conclusão
"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade." (João 1:14)
Nesta única frase, o apóstolo João resume o mistério e a maravilha da encarnação. O Verbo eterno, que é Deus, assumiu a carne humana.
As duas naturezas, divina e humana, foram unidas em uma única Pessoa, Jesus Cristo. Distintas, mas não divididas. Unidas, mas não confundidas.
Esta não é uma questão de debate para teólogos; é a base da nossa esperança. Porque Ele é homem, Ele pôde morrer.
Porque Ele é Deus, Ele pôde vencer a morte. Porque Ele é homem, Ele pôde nos representar. Porque Ele é Deus, Ele pôde nos redimir. Sem a união dessas duas naturezas, a ponte sobre o abismo não poderia existir.
Que possamos, com reverência e alegria, adorar nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nosso único e perfeito Mediador.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro II - Capítulo 14 - "Como as Duas Naturezas Formam uma Só Pessoa no Mediador"
Lista de estudos da série
1. O Espelho Quebrado: Redescobrindo quem somos após a queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. Vontade Escravizada: Por que não somos livres para escolher a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Castelo de Areia: Por que nossas melhores obras não podem nos salvar – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Cavaleiro do Coração: Como Deus governa a vontade humana – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Espelho da Lei: Por que os mandamentos de Deus nos condenam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. A Ponte Sobre o Abismo: A necessidade de um Mediador divino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra e a Realidade: Como a Lei do Antigo Testamento apontava para Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. O Retrato do Caráter de Deus: Uma exploração profunda dos Dez Mandamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Alvorada da Salvação: Como Cristo foi revelado no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Mesmo Retrato: A unidade fundamental do Antigo e Novo Testamento – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Melodia da Redenção: As gloriosas diferenças entre os Testamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Deus Conosco: Por que o Mediador precisava ser Deus e Homem – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Carne da Nossa Carne: A importância da verdadeira humanidade de Jesus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Mistério da União: Como as duas naturezas se unem em Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Salvador Completo: Os três ofícios de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Obra da Redenção: A morte, ressurreição e ascensão de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Mérito da Graça: Como a obra de Cristo satisfez a justiça de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas