O Cavaleiro do Coração: Como Deus governa a vontade humana – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Todos nós já tivemos a sensação de sermos puxados em direções opostas. Há uma parte de nós que deseja fazer o bem, que anseia por paz e retidão. 

Mas há outra força, uma correnteza poderosa, que nos arrasta para a impaciência, o egoísmo e o pecado.

Essa luta interna levanta uma das perguntas mais profundas da vida espiritual: Quem está realmente no controle do meu coração? Sou eu? É Deus? É o diabo? 

Sentimos que nossas escolhas são nossas, mas muitas vezes agimos de maneiras que, mais tarde, lamentamos, como se estivéssemos sendo governados por uma vontade que não é a nossa.

Nos estudos anteriores, vimos que a nossa natureza, por si só, é escrava do pecado. Agora, vamos explorar as forças que atuam sobre a nossa vontade. Este é um dos temas mais misteriosos da fé, mas a Bíblia não nos deixa no escuro.

A pergunta que nos guiará é: Como Deus pode ser soberano sobre tudo, inclusive sobre as más ações dos homens, sem se tornar o autor do pecado? E onde nossa vontade se encaixa nesse quadro complexo?

1. O cavaleiro que domina a nossa vontade

O teólogo Agostinho usou uma analogia poderosa para descrever a vontade humana. Ele a comparou a um cavalo. O cavalo tem sua própria força e natureza, mas ele sempre se move de acordo com a vontade do cavaleiro que o monta.

Agostinho diz que, no coração humano, há sempre um cavaleiro. Se o cavaleiro é Deus, Ele guia o cavalo com sabedoria. 

Ele o incentiva quando está lento, o acalma quando está agitado e o corrige quando tenta se desviar, sempre o mantendo no caminho certo. A vontade, sob o governo de Deus, encontra sua verdadeira direção.

No entanto, se o cavaleiro é o Diabo, a história é outra. Como um cavaleiro tolo e cruel, ele força o cavalo a sair do caminho, a cair em buracos e a se lançar em precipícios. 

Ele provoca o cavalo até que ele se enfureça e se descontrole. A vontade, sob o governo de Satanás, corre em direção à sua própria destruição.

É crucial entender como Satanás governa. Ele não nos obriga a pecar com uma força externa, como um ladrão que nos força a entregar a carteira. 

Em vez disso, a nossa vontade, enganada por suas mentiras e seduzida por suas promessas, se submete a ele voluntariamente. 

Aqueles que o Senhor, em seu justo juízo, não guia por seu Espírito, são entregues a Satanás para que ele os governe. 

O "deus deste século", como o Apóstolo o chama, "cegou o entendimento dos incrédulos" (2 Coríntios 4:4), e ele "opera nos filhos da desobediência" (Efésios 2:2). A raiz do seu reino é o nosso próprio pecado.

Aplicação

  • Identifique o cavaleiro em suas lutas: Quando você enfrenta uma tentação recorrente ou um pecado habitual, não pense apenas em sua "falta de força de vontade". Pergunte-se: "Qual mentira de Satanás estou acreditando neste momento? Qual engano está me levando a seguir este caminho?".

  • Não se veja como uma vítima passiva: A Bíblia nos ensina que a vontade se submete ao diabo. Isso significa que, embora ele seja um tentador poderoso, nós somos responsáveis por ceder a ele. Essa verdade nos chama ao arrependimento, e não à autopiedade.

  • Clame pelo verdadeiro Cavaleiro: Sua única esperança para vencer a influência de Satanás é clamar para que Deus "monte" em sua vontade. Ore diariamente: "Senhor, toma as rédeas do meu coração. Guia meus desejos, corrige minhas rebeldias e me mantenha no Teu caminho."

2. A mesma ação, três intenções diferentes

A Bíblia frequentemente nos apresenta situações em que um único evento é atribuído a Deus, a Satanás e ao homem, tudo ao mesmo tempo. Como isso é possível? A chave está em olhar para a intenção por trás da ação.

O exemplo clássico é a história de Jó. Ladrões caldeus atacaram seus servos, os mataram e roubaram seu gado (Jó 1:17). Não há dúvida de que os caldeus cometeram um grande mal. 

A intenção deles era a ganância e o enriquecimento ilícito. Eles eram plenamente responsáveis por seu pecado.

Ao mesmo tempo, as Escrituras nos dizem que Satanás estava por trás desse ataque. A intenção de Satanás era atormentar Jó, levá-lo ao desespero e fazê-lo amaldiçoar a Deus. Sua motivação era pura maldade e ódio.

Mas, no final de tudo, o próprio Jó declara: "O Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor" (Jó 1:21). Jó reconheceu que, de alguma forma, Deus estava por trás de sua perda. 

Qual era a intenção de Deus? Exercitar a paciência de seu servo, purificar sua fé e, no fim, glorificar a Si mesmo através da perseverança de Jó.

Vemos aqui uma única ação — o roubo do gado de Jó — com três agentes e três intenções radicalmente diferentes. 

A diversidade de propósitos faz com que a justiça de Deus brilhe, enquanto a maldade do homem e de Satanás fica evidente para sua própria condenação.

Esta mesma verdade é vista na história de José. Seus irmãos o venderam como escravo por inveja. Mas anos depois, José lhes diz: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem" (Gênesis 50:20).

Aplicação

  • Processe a dor com uma visão dupla: Quando alguém peca contra você, é correto reconhecer o mal que essa pessoa fez. Mas para evitar a amargura, você também pode perguntar em oração: "Senhor, como Tu, em Tua soberania, estás usando esta situação dolorosa para um propósito maior em minha vida?".

  • Confie na justiça de Deus: Deus usa instrumentos maus para cumprir Seus justos juízos, mas Ele nunca deixa de responsabilizá-los por seu próprio pecado. Os caldeus foram instrumentos, mas ainda assim eram ladrões e assassinos. Isso nos dá a confiança de que, no final, toda injustiça será julgada.

  • Encontre propósito no sofrimento: Essa verdade nos ensina que o sofrimento nas mãos de pessoas más nunca é sem sentido para o filho de Deus. Enquanto o homem e Satanás intentam o mal, Deus está sempre trabalhando para o bem daqueles que O amam (Romanos 8:28).

3. Deus não apenas permite, ele age soberanamente

Muitas vezes, para tentar proteger Deus da acusação de ser autor do mal, as pessoas dizem que Ele apenas "permite" que as coisas ruins aconteçam. É uma tentativa de colocá-Lo a uma distância segura do pecado do homem.

Embora bem-intencionada, essa visão não é o que a Bíblia ensina. As Escrituras mostram que a ação de Deus é muito mais direta e soberana do que uma simples permissão. 

A Bíblia diz que Deus cega, endurece, inclina e move os corações dos ímpios para cumprir Seus desígnios.

Isso acontece de duas maneiras principais. A primeira é quando Deus retira a Sua luz

Assim como a escuridão toma conta de um quarto quando a luz é apagada, quando Deus remove Seu Espírito e Sua graça restritiva de uma pessoa, seu coração naturalmente se endurece como pedra e sua mente fica cega.

A segunda maneira é mais direta. Para executar Seus juízos, Deus usa ativamente o Diabo e os ímpios como Seus instrumentos. 

Foi Deus quem disse sobre o Faraó: "Endurecerei o seu coração, para que não deixe ir o povo" (Êxodo 4:21). Ao fazer isso, Deus entregou o coração do Faraó a Satanás para que ele fortalecesse sua obstinação.

Da mesma forma, quando os inimigos de Israel se levantaram contra eles, o Salmo diz que Deus "mudou o coração deles para que odiassem o seu povo" (Salmo 105:25). 

E quando o rei assírio Senaqueribe veio para destruir Judá, Deus o chamou de "o machado com que eu corto" (Isaías 10:15). Em todos esses casos, os homens agiram segundo sua própria maldade, mas sem saber, estavam cumprindo o plano soberano de Deus.

Aplicação

  • Adore a Deus com temor e reverência: A soberania de Deus sobre o bem e o mal deve nos encher de um profundo respeito por Ele. Seus caminhos são mais altos que os nossos, e Seus juízos são insondáveis. Em vez de tentar colocá-lo no banco dos réus, devemos nos curvar em adoração.

  • Ore por um coração sensível: A maior tragédia que pode acontecer a alguém é ser abandonado por Deus à sua própria dureza de coração. Ore fervorosamente: "Senhor, não retires de mim o Teu Santo Espírito. Mantém meu coração sensível à Tua voz."

  • Confie no plano de Deus para a história: Mesmo quando vemos líderes e nações agindo com maldade, podemos descansar na verdade de que eles são como machados e serras nas mãos do Soberano do universo. Nenhum deles pode frustrar o propósito final de Deus.

Conclusão

O tema da soberania de Deus sobre os corações dos homens é profundo e desafiador. Ele nos leva ao limite de nossa compreensão e nos convida a confiar onde não podemos ver claramente.

Aprendemos que nossa vontade natural está sob o domínio de um cavaleiro cruel, Satanás, a quem seguimos voluntariamente. 

Vimos que em um mesmo ato, as intenções de Deus, de Satanás e do homem podem ser completamente diferentes, e é a intenção que define a moralidade da ação.

E confrontamos a verdade de que Deus não é um espectador passivo, mas um Rei soberano que governa ativamente sobre os corações de todos, usando até a maldade dos ímpios para cumprir Seus planos justos e perfeitos.

Esta doutrina não deve nos levar ao medo, mas a um profundo consolo. Se Deus tem tanto poder e controle sobre o universo, a ponto de usar a ira de Seus inimigos para realizar Seus propósitos, então podemos ter certeza de que nada — absolutamente nada — pode nos separar do Seu amor ou impedir Seu plano de salvação para nós.

Nossa única resposta deve ser a humildade e a adoração, confessando como o apóstolo Paulo: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!" (Romanos 11:33).

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro II - Capítulo 4 - "Como Deus Opera no Coração dos Homens"


Lista de estudos da série

1. O Espelho Quebrado: Redescobrindo quem somos após a queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. Vontade Escravizada: Por que não somos livres para escolher a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. Castelo de Areia: Por que nossas melhores obras não podem nos salvar – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Cavaleiro do Coração: Como Deus governa a vontade humana – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Espelho da Lei: Por que os mandamentos de Deus nos condenam – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. A Ponte Sobre o Abismo: A necessidade de um Mediador divino – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Sombra e a Realidade: Como a Lei do Antigo Testamento apontava para Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. O Retrato do Caráter de Deus: Uma exploração profunda dos Dez Mandamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Alvorada da Salvação: Como Cristo foi revelado no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. O Mesmo Retrato: A unidade fundamental do Antigo e Novo Testamento – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Melodia da Redenção: As gloriosas diferenças entre os Testamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. Deus Conosco: Por que o Mediador precisava ser Deus e Homem – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. Carne da Nossa Carne: A importância da verdadeira humanidade de Jesus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. O Mistério da União: Como as duas naturezas se unem em Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Salvador Completo: Os três ofícios de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. A Obra da Redenção: A morte, ressurreição e ascensão de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Mérito da Graça: Como a obra de Cristo satisfez a justiça de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Semeando Vida

Postar um comentário

O autor reserva o direito de publicar apenas os comentários que julgar relevantes e respeitosos.

Postagem Anterior Próxima Postagem
Ajuste a fonte: