Imagine estar em um vale escuro antes do amanhecer. Você não consegue ver os detalhes da paisagem, mas no horizonte, uma luz fraca começa a surgir.
Ela delineia a silhueta das montanhas, revelando contornos e formas. Você ainda não vê o sol, mas sabe que ele está vindo. Sua esperança se firma naquela luz crescente.
Essa imagem nos ajuda a entender a experiência dos santos do Antigo Testamento. Eles viviam na "penumbra" da revelação de Deus.
Através dos sacrifícios, das profecias e das promessas, eles viam a "silhueta" do Messias que viria. Eles O conheciam, confiavam Nele e O esperavam com fé, mas ainda não viam Seu rosto com clareza.
No estudo anterior, exploramos a Lei de Deus. A partir de agora, vamos comparar essa revelação mais antiga com a luz plena do Evangelho.
Qual é a relação entre a forma como os judeus conheceram a Cristo e a forma como nós O conhecemos hoje? Houve uma mudança na salvação, ou apenas na clareza da revelação?
A pergunta que nos guiará é: Como o Evangelho, ao mesmo tempo, cumpre e supera a revelação que os patriarcas do Antigo Testamento tiveram de Cristo, nos dando um privilégio e uma responsabilidade muito maiores?
1. Os patriarcas viram a Cristo à distância
Deus nunca deixou Seu povo sem um testemunho de Cristo. As expiações e os sacrifícios da Lei eram figuras que, embora obscuras, testificavam do Pai e do Redentor que viria.
O profeta Malaquias, ao encerrar o Antigo Testamento, prometeu que o "Sol da justiça" um dia nasceria, indicando que a Lei era como a luz da alvorada que mantinha os fiéis na esperança, aguardando o amanhecer pleno.
Os profetas, como diz Pedro, "inquiriram e diligentemente indagaram" sobre essa salvação, e lhes foi revelado que estavam ministrando não para si mesmos, mas para nós (1 Pedro 1:10-12).
Isso não significa que a doutrina deles foi inútil para sua época. Eles provaram da graça de Deus, mas nós desfrutamos dela em abundância. Eles viram uma promessa; nós vemos o seu cumprimento.
Jesus mesmo destacou nosso privilégio. Ele disse aos seus discípulos: "Bem-aventurados os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Pois em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram" (Mateus 13:16-17).
Somos mais abençoados que Abraão, Moisés e Davi, não por sermos mais santos, mas por vivermos na era da revelação plena.
Abraão "viu" o dia de Cristo e se alegrou (João 8:56), mas sua visão era distante, como olhar para uma montanha no horizonte. Nós, por outro lado, vemos "a glória de Deus na face de Jesus Cristo" (2 Coríntios 4:6).
Para eles, o rosto de Deus estava velado por sombras; para nós, Ele se manifestou em carne e osso. A nossa clareza é muito maior, o que torna a nossa incredulidade muito mais indesculpável.
Aplicação
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Leia o Antigo Testamento com gratidão e humildade: Ao ler as histórias dos patriarcas, maravilhe-se com a fé que eles tinham com base em promessas tão veladas. E agradeça a Deus pelo privilégio incomparável de ter a revelação completa de Cristo em Suas mãos. Não tome a clareza do Evangelho como algo garantido.
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Aprofunde-se no Novo Testamento: Se os profetas ansiavam por entender o que nós temos revelado com tanta clareza, com que dedicação deveríamos estudar o Evangelho? Você está aproveitando o "tesouro" que Deus nos deu, ou o está negligenciando?
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Cuidado com a cegueira em plena luz: A responsabilidade vem com o privilégio. Se é grande a culpa daqueles que tropeçam no escuro, quão maior é a culpa daqueles que, andando em plena luz do dia, fecham os olhos para não ver? O Evangelho claro que temos será nossa grande alegria ou nossa maior condenação.
2. O Evangelho é a manifestação clara de Cristo
O que exatamente é o "Evangelho"? Em um sentido amplo, o Evangelho inclui todas as promessas de misericórdia e favor paterno que Deus deu aos santos do Antigo Testamento. Afinal, a reconciliação com Deus através do perdão gratuito sempre foi a base da fé.
No entanto, em seu sentido mais preciso e comum nas Escrituras, o Evangelho se refere à proclamação da graça que foi manifestada de forma excelente em Jesus Cristo.
Ele é o cumprimento de todas as promessas. Paulo diz que, com a vinda de Cristo, "a vida e a imortalidade foram trazidas à luz pelo evangelho" (2 Timóteo 1:10). Não que os patriarcas estivessem na escuridão da morte, mas a vida que eles possuíam pela promessa, nós agora a vemos claramente na pessoa de Cristo.
É como a assinatura de um contrato. As promessas de Deus sempre foram verdadeiras e seladas no coração dos fiéis.
Mas quando Cristo veio em carne, viveu, morreu e ressuscitou, foi como se o próprio Deus viesse pessoalmente para cumprir cada cláusula do contrato, ratificando-o com seu próprio sangue. Todas as promessas de Deus encontram Nele o "sim" e o "amém" (2 Coríntios 1:20).
Isso não significa, como alguns erradamente ensinam, que já desfrutamos da plenitude de todas as bênçãos. Ainda "somos salvos na esperança" (Romanos 8:24). Em Cristo, já passamos da morte para a vida, mas a plenitude de nossa filiação ainda não se manifestou.
O Evangelho nos dá o cumprimento real de todas as coisas espirituais, mas o gozo pleno delas permanece guardado pela chave da esperança até sermos glorificados.
Aplicação
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Firme sua fé nas promessas cumpridas: Sua segurança não se baseia em esperanças vagas, mas em fatos históricos. Cristo veio. Cristo morreu. Cristo ressuscitou. Ele cumpriu perfeitamente tudo o que era necessário para sua salvação. Descanse nessa certeza.
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Viva na tensão do "já e ainda não": O cristão vive com um pé na terra e outro no céu. Em Cristo, você já tem tudo, mas ainda não experimenta tudo plenamente. Essa tensão deve produzir em você tanto contentamento pelo que já recebeu quanto um anseio profundo pela glória que virá.
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Use as promessas como sua âncora: Enquanto aguardamos a vinda de Cristo, o Espírito Santo nos manda descansar confiantemente nas promessas. Elas são a autoridade de Deus que deve silenciar todas as nossas dúvidas e medos.
3. A Lei e o Evangelho: diferença, não oposição
Como a Lei e o Evangelho se relacionam? Alguns os colocam em oposição total, como se fossem dois sistemas de salvação completamente diferentes: um baseado em obras e outro em graça.
Embora haja um contraste entre a justiça da Lei e a justiça do Evangelho, essa visão é muito simplista.
A diferença fundamental entre a Lei e o Evangelho está na clareza da manifestação e na qualidade das promessas. O Evangelho nos mostra com o dedo aquilo que a Lei apenas prefigurava nas sombras. A Lei prometia a graça de Cristo que viria; o Evangelho O apresenta como já tendo vindo.
Jesus disse que "todos os Profetas e a Lei profetizaram até João" (Mateus 11:13). Isso não significa que os santos do Antigo Testamento estavam sob uma maldição da qual não podiam escapar. Significa que eles foram mantidos nos "rudimentos", nos princípios básicos da fé, não chegando à instrução tão elevada que temos no Evangelho.
O Evangelho não é um modo totalmente novo de salvação. Pelo contrário, ele assegura e ratifica tudo o que a Lei havia prometido. Ele une o corpo às sombras, a realidade à figura.
Por isso, Paulo chama o Evangelho de "poder de Deus para salvação", mas acrescenta que ele tem "o testemunho da Lei e dos Profetas" (Romanos 1:16, 1:2).
Até mesmo João Batista serviu como um intermediário. Ao chamar Jesus de "Cordeiro de Deus", ele resumiu a essência do Evangelho. No entanto, como ele não testemunhou a glória plena da ressurreição, Cristo disse que "o menor no reino dos céus é maior do que ele" (Mateus 11:11). Novamente, a diferença não é de santidade pessoal, mas de clareza na revelação do Evangelho.
Aplicação
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Rejeite a ideia de um "Deus diferente" no Antigo Testamento: O Deus da Lei é o mesmo Deus do Evangelho. Ele sempre foi um Deus de graça, salvando Seu povo pela fé nas Suas promessas, que sempre estiveram centradas em Cristo.
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Entenda a superioridade do Evangelho: O Evangelho não difere da Lei em substância, mas em clareza. Nós temos uma manifestação maior e mais clara de Cristo. Essa compreensão deve encher nossos corações de louvor e nos motivar a viver de maneira digna de uma revelação tão grandiosa.
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Valorize o ministério da pregação: Assim como João foi uma "tocha que ardia e alumiava", preparando o caminho, hoje o ministério da pregação do Evangelho ilumina o conhecimento da glória de Deus na face de Cristo. Ore por seu pastor e valorize a pregação fiel da Palavra.
Conclusão
Os santos do Antigo Testamento olhavam para frente, para um horizonte iluminado pela promessa de um Sol que nasceria.
Eles viveram e morreram na fé, vendo Cristo à distância. Sua visão era obscurecida por sombras e figuras, mas sua esperança era certa.
Nós, que vivemos sob o Evangelho, olhamos para trás, para o meio-dia da história, quando o Sol da Justiça brilhou em toda a Sua glória.
Temos uma revelação mais clara, uma graça mais abundante e um privilégio incomparavelmente maior. A mesma salvação, em Cristo, que foi sussurrada a eles, nos foi proclamada em alta voz.
Que essa verdade não nos encha de orgulho, mas de um profundo senso de responsabilidade e de uma gratidão transbordante.
Que possamos viver como filhos da luz, andando na clareza que nos foi dada e compartilhando essa luz com um mundo que ainda anda em trevas, esperando, assim como os patriarcas, o dia em que nossa fé se tornará vista.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro II - Capítulo 9 - "Embora Cristo fosse conhecido pelos judeus sob a Lei, Ele só foi plenamente revelado no Evangelho"
Lista de estudos da série
1. O Espelho Quebrado: Redescobrindo quem somos após a queda – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. Vontade Escravizada: Por que não somos livres para escolher a Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Castelo de Areia: Por que nossas melhores obras não podem nos salvar – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Cavaleiro do Coração: Como Deus governa a vontade humana – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Espelho da Lei: Por que os mandamentos de Deus nos condenam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. A Ponte Sobre o Abismo: A necessidade de um Mediador divino – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra e a Realidade: Como a Lei do Antigo Testamento apontava para Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. O Retrato do Caráter de Deus: Uma exploração profunda dos Dez Mandamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Alvorada da Salvação: Como Cristo foi revelado no Evangelho – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. O Mesmo Retrato: A unidade fundamental do Antigo e Novo Testamento – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Melodia da Redenção: As gloriosas diferenças entre os Testamentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. Deus Conosco: Por que o Mediador precisava ser Deus e Homem – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. Carne da Nossa Carne: A importância da verdadeira humanidade de Jesus – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. O Mistério da União: Como as duas naturezas se unem em Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Salvador Completo: Os três ofícios de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. A Obra da Redenção: A morte, ressurreição e ascensão de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Mérito da Graça: Como a obra de Cristo satisfez a justiça de Deus – Estudo Bíblico sobre as Institutas