Voltando às origens: O poder das comunidades nos lares para a missão – Estudo Bíblico sobre a Igreja nas Casas

O contexto urbano é marcado, dentre outras coisas, pela distância entre as pessoas, bem como pelas dificuldades de locomoção. Solidão e anonimato são parceiros constantes nesse ambiente. 

Dessa forma, as vantagens oferecidas pelas reuniões de pequenos grupos ou comunidades domésticas são muito grandes. Talvez, por essa razão os grupos familiares estão se tornando cada vez mais comuns nas grandes cidades e algumas igrejas têm redescoberto essa antiga estratégia missionária.

I. AS COMUNIDADES DOMÉSTICAS

A história do cristianismo está repleta de referências às comunidades domésticas onde os cristãos se reuniam para celebrar e propagar sua fé. Desde o início da igreja cristã em Jerusalém, lemos que

todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo. (At 5.42)

Mais tarde, o apóstolo Paulo menciona alguns irmãos que hospedavam igrejas em suas casas (Cl 4.15 e Fm 2).

A casa de Jason, em Tessalônica, foi usada com esse propósito (Atos 17.5), e também a de Tício Justo, localizada propositalmente em frente à sinagoga (com a qual Paulo tinha rompido) em Corinto (Atos 18.5). A casa de Filipe em Cesareia parece ter sido um lugar muito hospitaleiro, nela, viajantes como Paulo e seus companheiros, eram bem-vindos, e também carismáticos, como Ágabo (Atos 21.8). A casa de Lídia e a do carcereiro de Filipos foram usadas como centros evangelísticos (Atos 16.15,32-34), e parece que Estéfanas usou sua casa em Corinto da mesma maneira. O próprio Paulo batizou a família dele, sem dúvida, depois de alguma instrução sobre os princípios básicos da vida cristã e da profissão de fé (1Co 1.16), e ficamos sabendo mais tarde que sua casa era usada a serviço dos santos (1Co 16.15). A primeira comunidade cristã se reuniu no andar superior de uma casa particular, da mãe de João Marcos, em Jerusalém (1Co 16.15). Não é de admitir que a igreja no lar se transformou em fator crucial na difusão da fé cristã.

(Evangelização na igreja primitiva, Michael Green, Vida Nova)

Certamente essas referências não podem ser tomadas como normativas a ponto de se defender que a única estratégia válida para o avanço do reino sejam as reuniões domésticas. Os que assim procedem acabam por reduzir a evangelização a apenas um aspecto e desprezam alternativas nessa área. 

As inúmeras referências sobre o uso de comunidades domésticas na evangelização deveriam ser interpretadas, no mínimo, como indicativas da relevância dessa estratégia, especialmente aplicada ao cenário urbano.

Chamadas de “pequenos grupos” por alguns, de “grupos células” e “grupos familiares” por outros, essas reuniões são normalmente conduzidas em lares com o propósito de trazer edificação para os crentes e evangelização aos visitantes. 

O número de participantes é reduzido, geralmente, menos de vinte pessoas, e o programa é bem simples, consistindo em leituras bíblicas, cânticos e orações, um estudo bíblico e momento de confraternização. 

Há que se distinguir esse uso estratégico das reuniões nos lares do movimento denominado “igreja em célula”, pois este possui uma eclesiologia distinta, na qual cada célula é uma igreja autônoma, com celebração da ceia, batismos e disciplina realizados na própria célula e, nem sempre, por pessoas preparadas e ordenadas para isso. 

Os “pequenos grupos” ou “grupos células”, por outro lado, são apenas meios estratégicos de facilitar o convívio e motivar o relacionamento dos membros de uma igreja local. Seus líderes são apontados pelo conselho de uma igreja, mas nunca autorizados a conceder à comunidade doméstica o status ou função de igreja.

O uso de comunidades domésticas na evangelização, como já foi visto, teve início com a propagação da fé cristã na Palestina e redondezas. Em princípio, os cristãos se reuniam no templo e nos lares concomitantemente (At 2.42—3.1; 5.42). 

Contudo, a perseguição dos judeus fez com que as reuniões no templo se tornassem impraticáveis e os cristãos passaram a se reunir em casas de pessoas piedosas (At 12.12). Da mesma forma, o apóstolo Paulo, em suas viagens, sempre procurava uma sinagoga para pregar aos judeus, mas quando sua pregação era rejeitada ele buscava as casas dos gentios (At 17.1-9; 18.5-7).

As comunidades domésticas eram locais onde os cristãos se reuniam a fim de evitar a perseguição tanto de judeus quanto de gentios. Ali eles recebiam a edificação e consolo dos apóstolos (At 16.15,40). Em seu discurso de despedida, Paulo disse aos presbíteros de Éfeso que ele ensinava o que lhes era proveitoso tanto publicamente quanto “de casa em casa” (At 20.20). 

Mais tarde, ao escrever a carta aos romanos, o apóstolo identifica ao menos três comunidades domésticas que constituíam a igreja naquela cidade (Rm 16.5,11,14). O interessante é que, ao escrever aquela carta, Paulo estava na casa de um homem chamado Gaio, que também hospedava uma igreja (Rm 16.23).

II. ENTROSAMENTO E PROXIMIDADE

Seria um erro e exagero tomar essas referências bíblicas sobre as reuniões nos lares e defender que a igreja verdadeira é aquela que se reúne fora do templo. 

Historicamente, logo após um período de intensa perseguição, a igreja passou a ter um local comum para suas reuniões e cultos, pois não havia mais necessidade de ela se esconder. 

Somente na Idade Média, com o surgimento dos movimentos de fraternidade, como o dos Valdenses (Pedro Valdo), e o dos franciscanos (Francisco de Assis), é que as comunidades domésticas voltaram a ser usadas com maior intensidade no Cristianismo. Após a Reforma Protestante, essas reuniões também foram muito úteis, especialmente para os huguenotes (calvinistas franceses).

A prática de se reunir em comunidades domésticas também se estendeu à Morávia, e os irmãos morávios se reuniam para orações nos lares.

Na Inglaterra os metodistas faziam o mesmo, na Alemanha os pietistas costumavam se reunir em casas para estudar as Escrituras e fazer orações. Mais recentemente, as comunidades domésticas têm sido muito úteis à “igreja do silêncio” na Rússia e na China.

Em todas essas situações, parece que o uso dos pequenos grupos foi motivado pelas circunstâncias difíceis em que a igreja vivia, sendo proibida de adorar a Deus em locais públicos.

Nos últimos anos, essa mesma estratégia de reuniões nos lares tem sido especialmente utilizada em contextos urbanos, uma vez que nem sempre é possível aos cristãos se reunirem durante a semana para estudo bíblico, orar e confraternizar. 

Há considerável literatura relatando essa prática em grandes cidades, como Coreia, Tailândia, Costa do Marfim, Argentina e Colômbia. A estrutura celular das comunidades domésticas parece oferecer, nas grandes cidades, aquilo que o complexo urbano dificulta: entrosamento e proximidade.

III. ALGUMAS ALTERNATIVAS

A. Estudo bíblico

No Brasil, várias igrejas estão adotando essa prática como alternativa para os estudos bíblicos semanais. Em vez de manter o estudo bíblico somente no templo, a igreja local é distribuída em três ou quatro pontos da cidade, e neles os cristãos estudam o mesmo assunto que é ministrado no templo. 

O material de estudo pode ser a mesma revista da escola dominical, um livro da Bíblia (p.ex., o Evangelho de Marcos, Romanos, Filipenses, etc.), material de estudo indutivo, um tópico de interesse da igreja local, ou um assunto abordado por um livro cristão. 

Os resultados são maior participação e entrosamento dos membros da igreja local, além de uma frequência acentuada de visitantes.

B. Comunhão

As vantagens oferecidas pelas reuniões em comunidades domésticas no contexto urbano podem variar de acordo com as características da cidade e da igreja local. Teoricamente, as reuniões de pequenos grupos são benéficas, pois se desenvolvem em um ambiente familiar e possibilitam uma comunhão cristã na qual os participantes se conheçam melhor e interajam com mais liberdade. 

Esses ambientes ainda proporcionam relacionamentos informais, o que pode ajudar alguns a expressarem dúvidas sem o constrangimento que teriam em reuniões mais formais.

C. Treinamento

Em terceiro lugar, os pequenos grupos ainda podem ser benéficos no treinamento de algumas pessoas, uma vez que cada uma terá uma função a desempenhar para o bom andamento das reuniões. Em vez de ser apenas um expectador, como ocorre com muitos na igreja local, o membro de um pequeno grupo será um participante ativo, pois deverá desempenhar uma tarefa.

D. Oração e evangelização

Outra vantagem das comunidades domésticas é o fato de que elas podem servir como excelentes pontes para oração e evangelização.

Algumas pessoas não crentes têm muitas dificuldades de frequentar uma igreja local, pois isso, para elas, significa quebrar vários paradigmas tradicionais. Uma visita à residência de um amigo, porém, pode não parecer tão ameaçador, e muitos preferem essa opção. 

Dessa forma, visitantes e amigos podem ouvir o evangelho e observar como os cristãos se portam em ambientes familiares.

As reuniões em pequenos grupos estimulam a oração e a evangelização. À medida que o grupo aumenta, ele pode se multiplicar em novas células. Com isso, o crescimento numérico acompanhará o crescimento espiritual. Outras vantagens podem surgir em diferentes contextos e experiências da aplicação dessa estratégia.

CONCLUSÃO

Resumindo, seria errôneo transformar as referências bíblicas sobre as reuniões em comunidades domésticas, bem como os exemplos históricos, em uma norma a ser seguida e praticada em todo lugar, como se toda igreja devesse funcionar com grupos familiares. 

Além desse primeiro erro, alguns grupos, na atualidade, acrescentam outros e acabam se distanciando da Escritura. Todavia, uma análise das vantagens envolvidas nessa estratégia, especialmente nos contextos urbanos, certamente é um excelente indicativo para a prática evangelística da igreja contemporânea.

APLICAÇÃO

Faça do seu lar um local para glorificar o nome do Senhor e anunciar as boas-novas de salvação. Sempre que possível, realize reuniões em sua casa. Chame os familiares, amigos e vizinhos. Essa pode ser uma boa oportunidade para falar do amor de Deus e chamar o pecador ao arrependimento. 

Mas não se esqueça de que os grupos familiares são apenas um meio para desenvolver ações em sua igreja, não o único meio.


Lista de estudos da série

1. A prova de fogo: Como a fé cristã floresce em meio à perseguição – Estudo Bíblico sobre a Igreja Perseguida

Semeando Vida

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