Deus ou Mamom?: Desmascarando a idolatria do evangelho da riqueza – Estudo Bíblico sobre a Igreja da Prosperidade

O crescimento da igreja evangélica brasileira se deve muito à expansão do neopentecostalismo, responsável por uma teologia de prosperidade física e material. 

Para entendermos melhor esse avanço, é preciso analisar as características do movimento neopentecostal que favorecem esse tipo de ênfase na saúde e no dinheiro. Faremos a seguir uma breve análise do ponto de vista histórico, hermenêutico, teológico e bíblico desse movimento.

I. O PENTECOSTALISMO E O NEOPENTECOSTALISMO

É importante destacar que a teologia da prosperidade é uma característica do movimento neopentecostal, não de todos os carismáticos. Um breve panorama histórico ajudará a fazer as devidas distinções.

É comum os historiadores dividirem o movimento carismático em três ondas:

A primeira onda é o surgimento do pentecostalismo clássico. No Brasil, se deu com o início da Congregação Cristã no Brasil (1910) e da Assembleia de Deus (1911). Ambas dão ênfase a orar em línguas estranhas. Essas duas igrejas praticamente dominaram o campo pentecostal durante quarenta anos, pois as opções eram poucas e também inexpressivas.

A segunda onda focou em cura e renovação. O pentecostalismo de segunda geração teve início com as igrejas do Evangelho Quadrangular (1951), O Brasil para Cristo (1955) — dissidência nacionalista da anterior —, e Deus é Amor (1962), além de várias igrejas tradicionais que se “renovaram” (Igreja Batista Nacional, Igreja Metodista Wesleyana, Igreja Presbiteriana Renovada). Sem desprezar o orar em línguas, a ênfase da segunda onda foi a cura divina.

A terceira onda aconteceu com o início do movimento neopentecostal, no final da década de 1970 e ganhou força na década de 1980, com o surgimento da Comunidade Sara Nossa Terra (1976), da Igreja Universal do Reino de Deus (1977), da Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), e da Igreja Apostólica Renascer em Cristo (1986). A ênfase passou a ser o dinheiro e a prosperidade.

Há diferenças significativas entre essa terceira onda, o neopentecostalismo, e os outros movimentos carismáticos. 

Em primeiro lugar, o dinamismo de novas campanhas, novos símbolos de bênção (rosa ungida, águas que saram, fogueira santa), novos títulos ministeriais (de bispos para apóstolos, para patriarcas) são coisas que atraem as pessoas. 

Em segundo lugar, há um abandono dos usos e costumes. Vestimentas e diversões específicas não são mais proibidas. 

O neopentecostalismo atraiu muitos interessados em comprar e manter seus objetos de luxo. Em terceiro lugar, o uso da mídia é muito mais abrangente. Em vez de evangelização por folhetos, ou do uso da rádio, o neopentecostalismo investiu pesado na televisão.

Essas características não só contribuíram para o crescimento do movimento, mas também serviram ao propósito de buscar prosperidade.

II. A HERMENÊUTICA DA PROSPERIDADE

A maneira de lidar com as Escrituras é fundamental para compreender o movimento neopentecostal. Não existe uma exposição das Escrituras. Textos bíblicos são tirados do contexto para sustentar suas posições. 

A falta de exposição das Escrituras também promove a superficialidade na fé e no conhecimento bíblico (não é o caso de muitos pentecostais). Esse superficialismo os faz presas fáceis de heresias.

As tendências heréticas e as inovações doutrinárias surgem porque cada pastor neopentecostal é livre pensador; não há confissão explicitada e há pouca supervisão. Além disso, o neopentecostalismo não nutre simpatia pela educação teológica, algo que tem começado a mudar nos meios pentecostais.

Novas revelações tendem a ser aceitas, se forem obtidas pelos líderes ou em conformidade com seus planos. 

As constantes conversas com Deus não só passam a impressão de que os líderes possuem um canal de comunicação superior à Bíblia, mas também de que são isentos de aplicar qualquer método de interpretação bíblica. 

Em vez de uma hermenêutica científica, criou-se uma hermenêutica pragmática onde a ordem é espiritualizar e fazer alegoria; a experiência precede e norteia a exegese. Por exemplo, os sete mil que não se dobraram a Baal podem ser, hoje, as sete mil pessoas que precisam doar.

Como o interesse mercantilista move os líderes a uma demasiada cobrança de ofertas aos fiéis, em troca eles oferecem soluções divinas para os problemas dos devotos. Jesus não é descrito como alguém que viveu em pobreza. 

Recentemente, um ex-pastor da Igreja Mundial do Poder de Deus testificou a uma revista de grande circulação no país que, devido às metas financeiras, e à cobrança de resultados (eles eram ameaçados de ser colocados em igrejas “no meio do mato”), os pastores eram treinados a distorcer textos bíblicos: para se obter a “dupla honra” de Isaías 61.7, era preciso dobrar o dízimo e ofertar mais 10% (total, o “trízimo”, 30%). 

Só assim seria possível “comer o melhor da terra” (Is 1.19). A promessa atrelada à obediência em contribuir é um retorno à prática da “indulgência”. Trata-se de uma transação financeira com Deus.

Como são muito apegados ao físico e apelam aos sentidos, eles têm preferência pelo Antigo Testamento. Citam muito mais o Antigo do que o Novo Testamento. 

Os vários símbolos do Antigo Testamento (óleos, arca, trombetas, candelabro, fogueira, etc.) também são constantes nas campanhas. Tais objetos sagrados são distribuídos conforme as ofertas. A crença de que os objetos são imbuídos de poder se aproxima da crença de cultos afro-brasileiros. 

A crença neopentecostal de que esses objetos auxiliam a fé — Edir Macedo os considera “pontos de contato” para despertar a fé dos mais fracos; durante a Reforma, os católicos diziam o mesmo sobre os vitrais e imagens dentro da igreja — é condenável, assim como o pedido de um sinal por parte dos judeus (Mt 12.38-42). 

Promessas a Israel no contexto do Antigo Testamento são aplicadas hoje sem qualquer distinção de períodos ou propósitos.

III. A INFLUÊNCIA DA CONFISSÃO POSITIVA

As pregações neopentecostais estão cheias de confissões positivas. Isto se refere à crença de que, sendo a fé uma confissão, as palavras têm poder de trazer coisas à existência; uma espécie de imitação das palavras criadoras de Deus.

O nascedouro desse conceito surgiu com o norte-americano Essek William Kenyon (†1948), o qual sofreu influência da ciência cristã que explica que toda causa e efeito como mental, não física. 

Os escritos de Kenyon foram a inspiração para que o evangélico norte-americano Kenneth Hagin popularizasse essa teologia. Dentre os propagadores, destacam-se: Benny Hinn, Kenneth Copeland, Robert Schüller e Paul Yonggi Cho. No Brasil, R. R. Soares e René Terra Nova são apenas dois dentre os vários defensores dessa teologia.

Todos eles creem que crentes não devem ficar doentes porque a expiação de Cristo livrou-os das enfermidades (é assim que interpretam Is 53.4-5). Quando a Bíblia fala de sofrimento, eles entendem que não se refere à enfermidade. Doenças são sempre causadas por agentes espirituais, provêm do diabo. 

A cura está sempre atrelada à fé. A confissão positiva é a maneira de vencer as forças malignas, à medida que se busca saúde e prosperidade; as bênçãos são declaradas com palavras de poder.

A linguagem de vitória também é usada na área financeira. Crer num Deus poderoso não pode redundar em vida mesquinha e miserável. É preciso se revoltar contra o espírito que causa a situação. Novamente, tal ênfase nos espíritos malignos mostra que a libertação é muito mais causada pelo esforço humano, para depois obter as bênçãos de Deus.

Essa teologia comete equívocos com vários textos bíblicos. Por exemplo, João 14.13-14 não é interpretado à luz de 1João 5.14-15, escrito pelo mesmo apóstolo. 

João 14.12 é compreendido qualitativamente e não quantitativamente; isto é, eles alegam poder para fazer coisas mais fantásticas que Jesus quando, na verdade, ele quis dizer que teríamos maior alcance do que ele teve, estando só na Palestina.

Isaías 53.4 não é compreendido escatologicamente, como se cumprindo plenamente quando experimentarmos a redenção do nosso corpo, a qual aguardamos (Rm 8.23).

IV. UM PROBLEMA MAIS PROFUNDO

A busca da prosperidade física e material não é apenas resultado de uma interpretação bíblica equivocada e uma teologia desvirtuada. O que as pressupõe é mais profundo, é problema do coração (Mt 6.19-21).

A razão de essas igrejas estarem cheias é porque há, não só entre os líderes, mas também o povo, um desejo de prosperidade de tal magnitude que não podemos deixar de chamar de idolatria. O apóstolo Paulo diz que a avareza é idolatria (Cl 3.5).

A ironia é que, enquanto eles dizem precisar de muita fé para ter vitória financeira, o que de fato acontece é a falta de fé. A busca de bênçãos financeiras e a solução imediata de problemas e conflitos são tendências de quem se esqueceu do porvir. 

Aquilo que é passageiro tomou o lugar do que é eterno. Não conseguem esperar a felicidade futura e, assim, não têm forças para suportar as aflições deste mundo.

Nosso texto base fala de falsos mestres que veem no cristianismo uma oportunidade de lucrar (1Tm 6.5). Porém, quando eles colocam o coração no dinheiro desviam-se da fé (1Tm 6.9-10). Afinal a vida cristã é muito lucrativa, contanto que seja acompanhada de contentamento (1Tm 6.6). Isto é, o lucro não está nas coisas deste mundo (1Tm 6.7). 

Aqui nós temos de nos contentar com pouco (1Tm 6.8). Por isso, Paulo exorta Timóteo a ser ministro com os olhos postos na vida eterna (1Tm 6.11-12), a perseverar imaculado até a volta de Jesus (1Tm 6.14). 

Observe que a perspectiva de ministério era totalmente escatológica. Isso vale não só para o ministro, mas para todo cristão (1Tm 6.17-19). A aplicação ao rico se justifica pelo perigo que ele corre de se perder por amor ao dinheiro, mas, na verdade, todos nós devemos acumular tesouros para o futuro (v. 19; Mt 6.19-21).

CONCLUSÃO

Os neopentecostais têm de ser confrontados com uma pregação que vise a Palavra, toda a Palavra e só a Palavra. Quando ensinam que Deus é o autor da saúde e da riqueza, que Satanás é a fonte da doença e da pobreza, e que o crente tem direito de exigir saúde e riqueza, não estão pregando a Palavra. 

Quando o foco está no sucesso e nas bênçãos que Deus promete ao crente, sem falar das tribulações e correções, não está sendo pregada toda a Palavra. Quando há referências a comunicações privadas que provêm de Deus, isso não é permanecer só com a Palavra.

APLICAÇÃO

Observemos se nossas petições a Deus estão mais focadas no presente ou se têm em vista a volta do Senhor Jesus. Caso assim seja, o que pode ser feito para esse foco ser corrigido?


Lista de estudos da série

1. A prova de fogo: Como a fé cristã floresce em meio à perseguição – Estudo Bíblico sobre a Igreja Perseguida

Semeando Vida

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