Experiência vs. Escritura: Equilibrando emoção e verdade na vida cristã – Estudo Bíblico sobre a Igreja Carismática

A palavra carismática é derivada da palavra grega charisma, que aparece no Novo Testamento traduzida como dom (Rm 1.11; 5.15-16; 6.23; 11.29; 1Tm 4.14; 1Pe 4.10, etc.). 

Ela é usada para se referir àqueles que dão ênfase aos dons do Espírito Santo e que consideram, conforme o seu entendimento, que manifestações semelhantes devam ocorrer e de fato ocorrem nos dias de hoje.

A seguir trataremos os principais problemas causados pelo movimento carismático e o modo como devemos lidar com eles.

I. EXPERIÊNCIAS X ESCRITURAS

É fato notório que no meio carismático as experiências são supervalorizadas. Pior ainda, elas não precisam nem sequer de uma base bíblica, haja vista a quantidade de aberrações que podem ser assistidas abundantemente em programas evangélicos do rádio e TV, ou navegando pela internet. 

Ainda que não se afirme categoricamente, a maioria dos que estão nesse meio assume a seguinte postura: “Se as Escrituras não apoiam a experiência, pior para as Escrituras”.

Exemplo disso é o caso de um pastor constantemente interrompido em sua palestra por um anjo que o “cutucava”, e que se contorcia diante do auditório todas as vezes que o anjo lhe fazia cócegas, tamanha era a “intimidade” que tinha com o Senhor. 

Há também o caso de uma cantora que, por ordem divina, colocou-se de quatro no palco rastejando e rugindo como um leão. 

O público, em ambos os casos, ficou extasiado. Os dois protagonistas foram vistos como sendo bastante espirituais por causa da grande experiência que tiveram, até o momento em que, um deles, pelo menos, veio a público dizer que as experiências que tinha eram todas inventadas.

Isso leva a outra questão a ser considerada. Nesse meio, para que alguém continue a ser visto como espiritual, deve estar constantemente envolvido com mais e mais experiências. 

A consequência disso acaba sendo aquilo que aconteceu com o próprio Moisés. Após descer do monte Sinai, onde Deus falara com ele, seu rosto resplandecia a ponto de o povo temer falar com ele. Foi preciso que ele cobrisse o rosto com um véu (Êx 34.29-35). 

O problema é que, ao que tudo indica, Moisés gostou da fama de ser tão íntimo de Deus e, percebendo que seu rosto não mais resplandecia, mantinha o véu para simular a experiência. Paulo afirma que essa não pode ser a nossa atitude. Aos coríntios ele escreveu:

E não somos como Moisés, que punha véu sobre a face, para que os filhos de Israel não atentassem na terminação do que se desvanecia. (2Co 3.13)

Quando se acha que o que dá sentido à vida cristã são a quantidade e a intensidade das experiências tidas, entramos em um buraco sem fundo, pois sempre haverá uma experiência maior.

Por não se importarem em respaldar as experiências com a Escritura, ou por fazerem isso com base em versículos fora do contexto, quando o fazem, os carismáticos já trouxeram para a igreja vários outros desvios, além dos já citados. “Dente de ouro”, “vômito santo”, “unção do riso”, “cair no espírito”, “unção da ligeireza da corsa”, são apenas algumas dentre as várias “experiências” vividas por pessoas desses grupos. 

Um grande problema é que elas também colocam um jugo muito grande sobre aqueles que não têm tais experiências, que acabam sendo vistos como pouco espirituais. Porém, isso não deve causar espanto.

O próprio Paulo foi acusado pelos falsos mestres que estavam na igreja de Corinto de não ser espiritual, entre outras coisas. 

Em 2Coríntios 10, ele afirma que não era como aqueles que louvam a si mesmos (10.12); fica evidente a acusação de que ele não era espiritual pelo que afirma em 12.1: “Se é necessário que me glorie, ainda que não convém, passarei às visões e revelações do Senhor”. 

Porém, após contar a sua experiência, o apóstolo fez questão de frisar que ela poderia levá-lo a ficar soberbo e afirma que o Senhor colocou nele um espinho na carne a fim de que ele não se exaltasse (2Co 12.7).

A prática carismática demonstra que esse grupo avalia a verdade por meio da experiência, e não das Escrituras. John MacArthur afirma que “não há dúvida de que os carismáticos, se forem honestos consigo mesmos, terão de reconhecer que a experiência pessoal — e não a Escritura — é o fundamento do seu sistema de crenças” (O caos carismático, Ed. Fiel).

Até aqui tratamos das manifestações acontecidas mais recentemente no meio carismático. Elas são, simplesmente, o desdobrar daquela que é a sua ênfase principal, o princípio de que todos os crentes devem buscar ardentemente o batismo do Espírito Santo como uma experiência distinta da salvação. É o que eles chamam de segunda bênção, evidenciada, principalmente, pelo dom de línguas.

Esse ensino, porém, não resiste a uma verificação bíblica. O ensino de Paulo de que

em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito (1Co 12.13)

não deixa margem alguma para se entender o batismo do Espírito como uma segunda bênção. A Escritura afirma que o Espírito habita no crente e se alguém não o tem não é crente (1Co 6.19; 2Co 6.16; Rm 8.9).

II. FALSAS PROMESSAS

Essa é uma consequência inevitável quando não se tem compromisso com o estudo sério das Escrituras. A ênfase nos sinais e maravilhas, e o entendimento de que estes são uma parte essencial da vida cristã fazem do movimento carismático uma grande fábrica de ilusões. 

A ideia passada aos fiéis é que Deus certamente vai curar, conceder prosperidade e dar fim a todos os problemas. Expressões como “Deus nos fez para ser cabeça e não cauda” ou “eu sou filho do dono do ouro e da prata” são abundantes nos lábios daqueles que fazem parte desse ramo evangélico e revelam em que eles creem.

É importante frisar que o Senhor Deus tem poder para curar, para fazer prosperar e para resolver qualquer problema, por mais complicado que seja. Não precisamos ter dúvidas a respeito dessas coisas, mas um estudo sério das Escrituras esclarecerá que ele não faz isso todo o tempo.

Não tendo como fundamentar biblicamente que Deus fará sempre aquilo que os crentes esperam que ele faça, os carismáticos apelam para a experiência, como vimos no ponto anterior. O resultado disso são as falsas promessas feitas em nome de Deus. Vejamos algumas dessas questões:

A. Fé na fé

O movimento chamado “Confissão positiva” surgiu no meio carismático. Expoentes desse pensamento ensinam que Jesus já fez tudo o que precisava fazer, bastando ao crente agora exercer sua fé. 

Um deles, explicando o objetivo de seu livro que trata do poder que há nas palavras, diz: “todo este livro trata só de como obter o que se declara” (Há poder em suas palavras, Don Grosset, Editora Vida). Ou seja, para que alguém receba algo, deve crer naquilo que declarou, isso é fé na fé.

Os adeptos desse movimento afirmam ser errado pedir para Deus fazer a sua vontade e que, quando alguém não recebe o que pediu, é porque faltou fé. Ensinam aos crentes que eles devem determinar, ordenar, reivindicar aquilo que Jesus já conquistou para eles, pois essa é uma promessa da Bíblia, e Deus não volta atrás naquilo que promete.

Nesse ponto eles estão certos, Deus sempre cumpre o que promete. O problema é não encontrarmos nas Escrituras promessa alguma sugerindo a obrigação de Deus em fazer tudo que pedimos com fé, pelo contrário, temos uma abundância de textos ensinando a necessidade de nos submetermos à vontade do Senhor com humildade. 

Na oração ensinada por Jesus aos discípulos, uma das petições é justamente “faça-se a tua vontade” (Mt 6.10). Em sua primeira carta, o apóstolo João foi enfático ao ensinar a necessidade de ter confiança: “se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1Jo 5.12-13).

Ao afirmar que se alguém não recebeu de Deus o que pediu foi simplesmente por falta de fé, os carismáticos colocam Davi e Paulo, por exemplo, no time dos “sem fé” (2Sm 12.15-23; 2Co 12.7-10).

B. Normatização da experiência

Já vimos que não há respaldo bíblico para as alegadas experiências dos carismáticos, mas imaginemos que uma delas, pelo menos, seja autêntica. Isso confere o direito de normatizá-la e afirmar que todo crente pode e deve experimentá-la? 

É claro que não. Nem mesmo algumas promessas que foram feitas na Bíblia se aplicam aos cristãos de modo geral. A história do carcereiro, registrada no livro de Atos dos Apóstolos, é um exemplo disso.

Após o terremoto que soltou as cadeias de todos e abriu as portas da prisão onde estavam Paulo e Silas, o carcereiro despertou do sono e, pensando que os presos tivessem fugido, decidiu matar-se.

 Ao ouvir a voz de Paulo afirmando que eles ainda estavam ali, o carcereiro prostrou-se diante deles e perguntou o que era necessário fazer para ser salvo. 

A resposta veio com uma promessa: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa”. O texto continua relatando que eles foram até a casa dele, a Palavra foi pregada e toda a família creu no Senhor. 

A promessa foi cumprida, contudo, ela foi feita apenas ao carcereiro. Não temos autorização para afirmar que o Senhor promete salvar toda a família daqueles que creem, mesmo sabendo que ele tem poder para isso.

Quando os carismáticos generalizam as experiências, fazem ainda pior do que confundir a interpretação de uma promessa bíblica, colocam-se eles mesmos como o padrão para demonstrar o agir de Deus e determinam o modo como ele agirá.

O resultado desse tipo de comportamento será a decepção para com Deus, por ele ter “descumprido o trato” ou a “fabricação” da experiência, a fim de continuarem a ser vistos como espirituais. Qualquer que seja o produto final, será uma desonra a Deus.

III. EXPERIÊNCIA CONFIRMADA PELA PALAVRA

Sem dúvida alguma, a experiência faz parte da vida cristã. Os cristãos têm como regra de fé as afirmações (ou proposições) feitas na Escritura, as quais são experimentadas na vida diária, por isso dizemos que a Escritura é nossa regra de prática.

A experiência deve estar, portanto, firmada naquilo que a Bíblia ensina, e não existir à parte dela. Um bom exemplo disso é encontrado no texto básico da lição.

Quando Pedro escreveu sua segunda epístola, seu objetivo era fortalecer a fé dos crentes e orientá-los quanto à presença de falsos mestres dentro da igreja. Um dos ensinos falsos estava relacionado à vinda do Senhor. Os falsos mestres afirmavam que ele não mais retornaria (3.3-4), e Pedro tratou de combater esse pensamento.

O apóstolo começa a sua carta desejando a multiplicação da graça e da paz de Deus na vida dos crentes, pelo pleno conhecimento do Senhor (1.2). 

Todas as coisas que conduzem à vida e à piedade já haviam sido doadas aos crentes pelo conhecimento completo de Cristo Jesus (1.3), e por isso estaria pronto para sempre lembrá-los dessas coisas (1.12-15).

Nesses quatro versículos, Pedro repete três vezes a necessidade dessa lembrança e, após isso, afirma que, diferente dos falsos mestres, não anunciou o evangelho àqueles irmãos seguindo fábulas engenhosamente inventadas. Ele continua seu argumento de modo interessante. Vejamos.

A. Pedro conta a sua experiência

Primeiro ele deve ter sido testemunha ocular da majestade de Cristo. Isso aconteceu quando eles estavam com Cristo Jesus no monte santo e ouviram a voz do Pai, vinda do céu dizendo:

Este é o meu filho amado, em quem me comprazo. (1.17)

A experiência contada por Pedro é fascinante e se refere ao episódio registrado em Mateus 17.1-8, quando juntamente com Tiago e João foram levados por Jesus a um alto monte e o Senhor foi transfigurado diante deles. As vestes do Mestre resplandeciam e eles podiam ver, ao lado de Jesus, Moisés e Elias

A experiência foi tão marcante que Pedro afirmou ao Senhor ser muito bom eles estarem ali e sugeriu, inclusive, fazer três tendas, para Jesus, Moisés e Elias. Após isso é que Moisés e Elias sumiram e eles ouviram a voz do Pai, vinda do céu.

Pedro está afirmando, então, que o evangelho pregado por ele não é uma fábula e sim algo experimentado por ele. Mas ele sabia que a experiência por si só não era suficiente, por isso continuou seu argumento.

B. Sob o crivo da Escritura

Após falar da experiência, ele afirma:

E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos. (2Pe 1.19 ARC)

A experiência de Pedro não era diferente daquilo que os profetas já haviam contado. Lembre-se de que o ensino falso combatido pelo apóstolo era em relação a Cristo não mais voltar. Pedro afirma ter razões para crer na volta do Senhor por causa da experiência, e agora demonstra que os profetas já diziam isso.

Ele ordena aos crentes a atenderem à palavra dos profetas até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em seus corações. Desse modo, ele está usando um linguajar do Antigo Testamento. Uma profecia messiânica em Números 24.17 afirma que uma estrela procederia de Jacó. 

A analogia de Pedro é perfeita e afirma que o mundo está em trevas e a igreja deve se apegar à Escritura, para ser a candeia em um lugar tenebroso até o retorno da brilhante estrela da manhã (Ap 22.16). A experiência de Pedro só era válida porque a Escritura a confirmava.

CONCLUSÃO

A influência carismática não está longe de nossas igrejas. Não são poucos os crentes que têm se deixado levar pelas emoções e sucumbido diante de experiências que não podem ser provadas pelas Escrituras. Devemos ter a Bíblia como nossa regra de fé e prática. 

Ainda que a experiência faça parte da vida cristã, e por mais interessantes que elas sejam, devem ser sempre submetidas a esse crivo. Lembremos que o nosso coração pode nos enganar e, para isso não ocorrer, devemos nos apegar à Palavra de Deus. Ela sempre será a lâmpada da igreja em um mundo em trevas.

APLICAÇÃO

Você costuma avaliar as experiências por meio da Palavra? Procure crescer no conhecimento das Sagradas Escrituras, a fim de julgar todas as coisas por ela. Dedique tempo ao estudo pessoal e não perca as oportunidades de estudo oferecidas pela igreja.

Submeta-se sempre à vontade de Deus, entendendo que ele não está sujeito àquilo que queremos, mas fará sempre o que lhe apraz.


Lista de estudos da série

1. A prova de fogo: Como a fé cristã floresce em meio à perseguição – Estudo Bíblico sobre a Igreja Perseguida

Semeando Vida

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