Já notou a enorme quantidade de livros de autoajuda que há no mercado? Títulos como A arte de viver, O poder do agora, Dez leis para ser feliz, Seja líder de si mesmo, Você pode curar sua vida e O poder das afirmações positivas são alguns exemplos desse tipo de publicação.
Há pessoas que estão, literalmente, viciadas em livros assim e não abrem mão, em hipótese alguma, desse tipo de leitura.
Essa moda também invadiu as igrejas. Infelizmente, muitos cristãos têm aderido a uma pregação de autoajuda ao invés da exposição sadia da Palavra do Senhor. A consequência é o enfraquecimento da piedade e a frustração dos crentes.
I. ENTENDENDO O PROBLEMA
“O céu ajuda aqueles que ajudam a si mesmos”. Essa é a frase de abertura do livro Autoajuda, escrito por Samuel Smiles. Esse livro, publicado em 1859, é considerado o primeiro livro de autoajuda. A intenção desse tipo de texto é proporcionar às pessoas domínio sobre o seu corpo e mente, a fim de capacitá-las à autorrealização em todas as esferas da vida.
A ideia de autoajuda, porém, é bem mais antiga do que isso. Quando olhamos para Gênesis 3, percebemos que a primeira “palestra” sobre autoajuda aconteceu no Éden, tendo como preletor Satanás, que ensinou sobre o segredo da autossuficiência (ou como ser igual a Deus), e sobre a capacidade de discernir, à parte de Deus, sobre o bem e o mal. Eva acreditou e a queda aconteceu.
O mercado da autoajuda cresce assustadoramente a cada ano, mesmo em meio a críticas e pesquisas que questionam sua eficácia.
Conforme o site Diário da Saúde, por exemplo, a pesquisa de uma universidade americana revelou que pessoas que se questionam sobre a capacidade de realizar uma tarefa saem-se melhor do que aquelas que dizem a si mesmas que se sairão bem.
Em um livro que satiriza a autoajuda, os escritores afirmam que “o único jeito de ficar rico com um livro de autoajuda é escrevendo um”.
Ainda assim, muitas igrejas “importaram” a ideia sem considerar, ou sem se importar, com os pressupostos equivocados por trás da concepção de autoajuda. Consideremos dois deles.
A. Bondade do homem
Para que o homem tenha condições de ajudar a si mesmo, é necessário crer que ele é bom. Daí vem o apelo de muitos livros sobre “conhecer a si mesmo”, “encontrar seu eu interior”, etc.
Esse conhecimento é necessário, pois as respostas estão no mais profundo do nosso ser. A velha ideia da bondade inata do homem está, portanto, presente na igreja da autoajuda.
João Calvino retratou de forma clara essa visão que o homem tem de si mesmo:
Uma vez que os seres humanos têm um amor desordenado e cego por si mesmos, mostram-se dispostos a acreditar que não existe neles nada que mereça desprezo. Assim, sem necessidade de outro advogado, todos acolhem a vã opinião de que o ser humano é autossuficiente para ter uma vida digna e feliz.
(Institutas da religião cristã, v. 1, Ed. Especial, Cultura Cristã)
Porém, uma rápida olhada em alguns textos da Escritura já faz ruir essa concepção. Uma das doutrinas que subscrevemos diz respeito a esse ponto, é a doutrina da “depravação total”.
Por “totalmente depravado” não queremos dizer que o homem é tão mal quanto poderia ser, mas que o pecado afetou todas as suas faculdades.
Ainda que tenha sido criado santo, à imagem de Deus (Gn 1.26-28), com a desobediência de Adão (Gn 3) todos passaram, a partir de então, a ser inclinados para o mal. Tudo aquilo que o homem deseja, pensa e faz, está afetado pelo pecado (Gn 6.5; Ec 9.3; Jr 17.9; Mc 7.21-22; Rm 3.10-18).
B. Capacidade de controle
Sendo o homem bom, ele tem em si mesmo capacidade de mudar vários aspectos de sua vida, obtendo pleno domínio sobre cada um deles.
É por causa desse tipo de convicção que ouvimos, vez por outra, alguém afirmar que na Bíblia está escrito: “Faça a sua parte e eu te ajudarei”. Percebeu a semelhança com a frase do livro de Smiles, citado anteriormente?
Não é então de se estranhar as várias “correntes” e “campanhas” que são oferecidas nas igrejas envolvidas com a autoajuda, em que tudo depende daquilo que o crente fará. Se ele seguir as instruções e for fiel nas “sete sextas-feiras”, por exemplo, obterá o que deseja.
Só depende dele, o controle está em suas mãos. Quando algum deles não consegue o que almejava, é simplesmente porque não fez o que deveria.
Aqui está envolvida também a ideia do “pensamento positivo”, em que simples declarações como “eu posso”, “eu consigo”, “eu tenho capacidade”, são travestidas de um linguajar evangélico, ao se pinçar textos fora do seu contexto como, por exemplo, “tudo posso naquele que me fortalece”, “eu sou filho(a) do dono do ouro e da prata”, ou “eu fui criado(a) para ser cabeça e não cauda”.
Expressões como “eu profetizo”, “eu recebo”, “eu determino”, também refletem a mesma ideia. Nesse ponto percebemos que as falsas promessas da igreja carismática, que vimos no último estudo bíblico, têm muito do pensamento positivo da autoajuda.
A Bíblia, entretanto, é clara ao afirmar que o homem não tem o poder de controle:
Atendei, agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos, e teremos lucros. Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa. (Tg 4.13-14)
Diante do que vimos, fica claro que o homem não tem poder para ajudar a si mesmo. Seu coração é corrupto e enganoso e, por isso, o Senhor afirma ser maldito o homem que confia no homem (Jr 17.5,9). Isso diz respeito tanto a depositar a esperança em outras pessoas quanto em si mesmo. Um exame sério das Escrituras revela que o homem não é autossuficiente.
Contudo, para aqueles que absorveram a ideia de autoajuda, textos que “depreciam” o homem não devem sequer ser citados. Para eles, todo o problema do homem reside no fato de que ele tem uma autoestima baixa, que ele não tem amor próprio.
Jay Adams cita um escritor entusiasta do movimento que enviou de graça seu livro, que tem como título Autoestima: a nova reforma, para quase todos os pastores americanos, em que ele diz: “afirmo que o suprimento necessário de autoestima é a base de tudo”, e “a autoestima é... a única e a maior necessidade da raça humana nos dias de hoje”.
Com isso, temos o problema central da igreja da autoajuda, a pregação do amor-próprio.
II. AMOR-PRÓPRIO: A RAIZ DO PROBLEMA
Em nossos dias, a palavra “amor” tem perdido completamente o seu sentido e isso ocorre porque a compreensão do seu significado está equivocada. Um poeta secular, ao falar sobre esse assunto, expressou sua compreensão dizendo que o amor não é imortal, posto que é chama, mas deve ser infinito enquanto durar.
Isso se agrava ainda mais quando não há uma compreensão bíblica sobre o alvo do amor. A ênfase no amor-próprio como requisito para outras “conquistas” é difundida por todos os lados. A música Eu me amo, da banda Ultraje a Rigor, da década de 1980, serve para exemplificar isso.
Na última estrofe, e no refrão, temos: “Foi tão difícil pra eu me encontrar, é muito fácil um grande amor acabar, mas eu vou lutar por esse amor até o fim, não vou mais deixar tu fugir de mim.
Agora eu tenho uma razão pra viver, agora eu posso até gostar de você. Completamente eu vou poder me entregar, é bem melhor você sabendo se amar. Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim”.
Esse modo de pensar é encontrado também nas igrejas que assumiram o “dogma” da autoajuda. A Escritura, porém, caminha na contramão de tudo isso. Em Mateus, ao ser questionado por um intérprete da Lei sobre qual seria o grande mandamento, Jesus respondeu que o principal era amar a Deus de todo o coração, alma e entendimento, e que o segundo era amar ao próximo como a si mesmo. Disse mais ainda:
Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. (Mt 22.40)
Jesus não fala em momento algum de amor-próprio, ainda que muitos tentem enxergar no texto esse “terceiro mandamento”, demonstrando total descompromisso com a interpretação do texto.
O mais espantoso é perceber que o raciocínio dos cristãos que pensam assim é semelhante ao do autor da música citada: se alguém não se ama, não conseguirá amar ao próximo.
Esse “terceiro mandamento” não está no texto por uma simples razão: o homem, por natureza, já se ama demais e não precisa ser estimulado a se amar ainda mais. Jesus parte do princípio de que esse amor-próprio já existe. As palavras de Paulo corroboram esse pensamento. “Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida” (Ef 5.29).
Quando a Escritura menciona o amor-próprio, trata-o como um problema: “Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas [amantes de si mesmos, na versão Revista e Corrigida de Almeida]” (2Tm 3.1-2).
A despeito disso, várias publicações cristãs e inúmeros pregadores têm afirmado enfaticamente que o homem deve amar a si mesmo. Com isso, ensinam que o homem precisa fazer justamente aquilo que a Escritura aponta como um dos males dos últimos tempos.
Se quisermos honrar a Deus, agindo de maneira bíblica, precisamos entender o que a Escritura, de fato, ensina sobre o amor e o que ela requer que façamos. Somos alvo do amor maior, o amor do Senhor demonstrado na cruz do Calvário, e, por isso, podemos e devemos amá-lo da forma correta, colocando-o em primeiro lugar em nossa vida, e também dispensando esse amor ao próximo.
Esse amor deve ser sem hipocrisia (Rm 12.9), ser cordial, fraternal, preferir o próximo em honra (Rm 12.10), deve ser edificante (1Co 8.1) e demonstrado de fato e de verdade (1Jo 3.18).
Somos exortados a não nos conformar com este século (Rm 12.1-2) e, por isso, devemos deixar de lado o que o mundo ensina sobre o amor egoísta (amor-próprio) e viver o amor bíblico, por Deus e pelo próximo, para a glória daquele que nos amou primeiro.
III. BUSCANDO AJUDA DO ALTO
Quando os crentes absorvem o discurso da autoajuda, acabam por se frustrar, pois muitas vezes o Senhor não dará aquilo que eles querem, mesmo com todo o pensamento positivo que possam ter. A piedade cristã também é comprometida.
Por se achar autossuficiente, o crente tentará caminhar sozinho e fatalmente cairá. Vale aqui uma advertência aos autossuficientes: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1Co 10.12).
No texto básico da lição, após declarar ser maldito o homem que confia no homem, o Senhor declara: “Bendito o homem que confia no Senhor e cuja esperança está no Senhor”. Depois ele afirma que o homem será bem-aventurado como uma árvore plantada junto às águas.
O cristão deve estar consciente de que deve confiar no Senhor e ser totalmente dependente daquele em quem tudo subsiste (Cl 1.17), e que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder (Hb 1.3). Esse é o caminho bíblico, pois de Deus dependem:
A. A salvação
Por ser totalmente depravado e não ter condições de buscar a Deus por si mesmo (Rm 3.10-18), o homem depende da ação de Deus em seu favor.
Os judeus compreendiam isso e entendiam ser possível obter a salvação por seus próprios méritos, cumprindo as obras da lei. Eles desconheceram a justiça de Deus e procuraram estabelecer a sua própria, não se sujeitando à que vem de Deus (Rm 10.1-3).
O homem não pode ser salvo por obras da Lei (Rm 3.20), pois é incapaz de cumpri-la plenamente. O caminho para a salvação passa por esse reconhecimento da incapacidade de cumprir a Lei (Rm 3.20), e da confiança nos méritos de Cristo Jesus (Rm 10.9-13).
Cristo põe fim à tentativa de o homem ser salvo pelo cumprimento da Lei (Rm 10.4). Por isso, a salvação “não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16).
B. A perseverança
Além de ser incapaz de se salvar, o homem é também incapaz de se manter nesse estado. Para perseverar no caminho da justiça, o homem depende totalmente do Senhor (cf. Fp 1.6).
É por isso que podemos afirmar que nada pode nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8.31-39). Essa verdade está enraizada nas palavras de Cristo ao afirmar que, de sua mão, ninguém pode arrebatar os eleitos (Jo 10.28-29).
Quando entoamos o hino Amparo divino (nº 153 do Hinário novo cântico), é justamente a compreensão de que dependemos totalmente do Senhor que declaramos ao pedir: “Com tua mão segura bem a minha, pois eu tão frágil sou, ó Salvador, que não me atrevo a dar jamais um passo sem teu amparo, Cristo, meu Senhor!”.
C. A santificação
Apesar de a busca pela santificação ser um imperativo para o crente (1Ts 4.3,7; Hb 12.14) ela só é possível porque Deus está operando em nós. Deus é aquele que opera o querer e o realizar, conforme sua boa vontade (Fp 2.12-13).
D. Toda a piedade cristã
Deus chama seus filhos a uma vida de piedade. A grande beleza em tudo isso é que o Senhor exige que façamos tudo aquilo que ele já fez por nós, dando-nos exemplo.
Podemos amar porque ele nos amou primeiro (1Jo 4.19), ter compaixão e perdoar porque também fomos perdoados (Mt 18.32-33); consolar com a mesma consolação que somos contemplados por Deus (2Co 1.4), etc.
Se os cristãos podem fazer tudo isso é porque já lhes foram “doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade”, e isso “pelo conhecimento completo de Cristo” (2Pe 1.3). Em Cristo, somos chamados a ser coparticipantes da natureza divina (2Pe 1.4).
CONCLUSÃO
A ideia de autoajuda não condiz com a vida cristã. São conceitos totalmente opostos entre si. O cristão é chamado a negar a si mesmo para seguir a Cristo (Mc 8.34-38). Sua suficiência não está nele mesmo, mas na pessoa bendita do Redentor Jesus Cristo. Em vez de autoajuda ou autoestima, o cristão deve ter uma alta estima por Jesus. Como afirma Powlison, “a alta estima por Jesus dá resultado!”.
Devemos lembrar sempre que tudo aquilo de que necessitamos está em Cristo e nossa convicção deve ser a mesma de Davi, que declara:
Eis que Deus é o meu ajudador, o Senhor é quem me sustenta a vida. (Sl 54.4)
APLICAÇÃO
Sonde o seu coração e verifique se já não foi seduzido pela ideia de autoajuda e amor-próprio. Se sim, confesse ao Senhor essa falta e submeta-se ao senhorio daquele que dirige todas as coisas. Busque, no Senhor, forças para cumprir aquilo que ele ordena.