A ferida no corpo de Cristo: Os passos essenciais para curar divisões e restaurar a unidade – Estudo Bíblico sobre a Igreja Dividida

É comum ouvirmos notícias sobre dissensões e divisões que ocorrem em determinadas igrejas. É comum nos depararmos com situações dentro de nossa igreja, que abalam relacionamentos e interferem na unidade do corpo de Cristo. Por que essas coisas acontecem no meio do povo de Deus? 

As divisões não são próprias daqueles que não pertencem a Cristo? Igrejas divididas podem ser consideradas verdadeiras? Quais são as causas das divisões? Como combatê-las e evitá-las?

I. A REALIDADE DAS DIVISÕES (1 Co 1.1-17)

A igreja tem uma imagem paradoxal de aparente contradição (Cf. O chamado para líderes cristãos, John Stott, da Ed. Cultura Cristã). 

Expondo 1 Coríntios, Stott lembra que Paulo, nos primeiros versos de sua carta, retrata a igreja numa tensão entre o que ela diz ser e o que parece ser, entre o ideal divino e a realidade humana, entre o discurso romântico sobre a “noiva de Cristo” e a agressiva comunidade cristã, nada romântica, atraente ou consagrada, que sabemos ser a igreja. 

Esse paradoxo retrata o “já” e o “ainda não”; retrata a igreja em seu estado real, aqui neste mundo, e a igreja segundo o ideal de Deus no novo céu e nova terra.

O retrato da igreja de Corinto apresentado por Paulo, chamando-a de “igreja de Deus”, serve para termos uma visão realista da igreja e para evitarmos frustrações e decepções. Muitos são os que abandonam a igreja, decepcionados, pois se deparam com uma igreja que não é o que deveria ser.

A. Santificados, mas precisando de santificação

Em 1 Coríntios 1.2, Paulo faz referência aos cristãos de Corinto como “santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos”. Veja a primeira ambiguidade: aqueles cristãos foram santificados (At 20.32; 26.18; 1Co 6.11; Hb 10.10,14; 13.12), mas ao mesmo tempo não são santos — eles são chamados para serem santos (cf. Ef 1.4; Hb 12.14; Ap 22.11). 

Essa característica não é algo exclusivo da igreja de Corinto, mas de todas as igrejas de Cristo espalhadas pela face da terra. Paulo acrescenta, no verso 2: “com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Como igreja de Deus, os cristãos em Corinto deveriam deixar as divisões, as disputas, o orgulho, a permissividade, a imoralidade, etc. Era uma igreja que precisava ser transformada, pois ainda era possível encontrar em seu meio muita desobediência à Palavra do Senhor.

Essa também é a situação de muitas igrejas hoje. É por isso que existem divisões na igreja de Cristo Jesus. Embora sejamos santificados em Cristo, ainda enfrentamos o pecado e suas consequências. Temos de mudar muita coisa em nossa vida, e nos aperfeiçoarmos à imagem do Senhor. Esse é um processo contínuo em nossa vida.

B. Capacitada, mas ainda imperfeita

Apesar das muitas falhas encontradas na igreja de Corinto, Paulo agradece a Deus por ela e faz uma avaliação positiva (v. 4). 

Ele expressa gratidão ao Senhor pela salvação daqueles irmãos (“a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus”), pelo conhecimento que eles haviam recebido, pela habilidade ao comunicar esse conhecimento (“em tudo, fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento”), e pela confirmação do testemunho de Cristo neles.

Não faltava nenhum dom para a igreja de Corinto (cf. v. 7). Ela estava equipada e tinha tudo de que precisava. 

Ela estava completada, munida de todos os dons. Individualmente eles não possuíam todos os dons, mas como comunidade, sim. Muito embora aquela igreja possuísse todos os dons e fosse enriquecida de palavra e conhecimento em Cristo, ela ainda não era irrepreensível. 

Os crentes que a formavam estavam aguardando a revelação de Cristo, a sua vinda, para confirmá-los e torná-los irrepreensíveis (v. 8). Isso não aconteceria pelos méritos deles e sim por causa da fidelidade de Deus (cf. v. 7-9).

Isso também é verdade com respeito a todo o restante da igreja de Cristo. Deus nos chamou à comunhão com seu Filho, e um dia nos aperfeiçoará totalmente, livrando-nos de toda mácula. Aqui está a segunda ambiguidade da igreja: ela é capacitada, mas ainda é imperfeita. 

A igreja é completa, possui tudo de que necessita no momento, contudo, aguarda ainda a manifestação de Cristo, quando então será definitiva e plenamente irrepreensível.

C. Uma em Cristo, mas dividida

A igreja de Cristo é única. A carta aos efésios destaca a existência de um Pai e, por isso, uma só família, um só corpo, um só Espírito, uma só fé, uma só esperança, um só batismo (Ef 4.1-6).

Paulo se refere à igreja de Corinto utilizando expressões que enfatizam essa unidade: “somos lavoura de Deus” (3.9); “sois santuário de Deus” (3.16); e “sois o corpo de Cristo” (12.27). Pode ter havido em Corinto congregações reunidas nas casas, mas Paulo as considera como a igreja de Cristo, e indivisível.

Apesar disso, a igreja de Corinto estava dividida. Havia facções. Por isso, o apóstolo passa a reprová-las e a exortá-las (1.10-17) quanto à unidade da igreja.

O que podemos aprender com esse apelo registrado em 1Coríntios 1.10-17? Aprendemos que, apesar do estado daquela igreja, Paulo continua a chamar seus membros de irmãos: “Rogo-vos, irmãos [...]. Pois a vosso respeito, meus irmãos [...]” (1.10-11). Ele os faz recordar de que família pertenciam e que, com seu procedimento, estavam contradizendo a condição de irmãos em Cristo. A divisão entre eles era um ataque contra a unidade alcançada em Cristo Jesus.

Eles tinham predileções em relação aos líderes e isso acabou causando mais divisão. A despeito dos nomes que citavam, apontando para as divisões que havia entre eles (v. 12), Paulo continua ligando-os ao nome de Jesus (cf. v. 2,13,15).

Aqui está o terceiro paradoxo: a igreja é una, contudo, ainda precisa lutar contra divisões internas. Nenhuma igreja está livre disso. Seus membros precisam atentar e lutar contra esse mal. Apesar disso, não podemos desistir da igreja, nem nos frustrar com ela.

II. AS CAUSAS DAS DIVISÕES (Fp 4.2-3; 2.14)

O alvo para a igreja de Cristo é que todos os seus membros vivam em união, evitando as divisões. No entanto, como já foi mencionado, não é possível alcançar a perfeição quanto a isso nesta vida. A igreja de Cristo sempre enfrentará problemas dos mais diversos, até o retorno de seu Senhor, que poderão provocar divisões entre seus membros.

Há em diversas cartas do Novo Testamento exortações referentes ao esforço na preservação da unidade, ou exortações a práticas que contribuem para a unidade da igreja (Rm 12.9-21; 1Co 1.10; Gl 6.1-5; Ef 5.1-2; Cl 3.12-17; 1Ts 4.9-12; Hb 12.14-17; Hb 13.1-6; Tg 3.1-12; Tg 4.1-7; 1Pe 3.8-12; 1jo 2.7-11).

A unidade ou união entre os irmãos é uma virtude em perigo, por isso ela é recomendada. Existe sempre a necessidade de lutarmos juntos pela fé evangélica, e para isso precisamos cultivar virtudes que contribuirão para a nossa união fraternal (Fp 1.27).

Escrevendo aos filipenses, Paulo menciona um problema que estava ocorrendo entre duas irmãs e causava divisão naquela igreja. 

Evódia e Síntique haviam, por algum tempo, trabalhado unidas e cooperado juntas com o ministério do apóstolo Paulo (4.3), mas por alguma razão desconhecida que surgiu entre elas, isso não mais estava ocorrendo. 

Elas haviam se desentendido e não mais pensavam concordemente no Senhor (4.2). Paulo solicita a ajuda de um irmão para que o auxiliasse no processo de reconciliação dessas irmãs.

Não sabemos exatamente o que havia ocorrido entre Síntique e Evódia, mas considerando as exortações de Paulo no início da carta, podemos ter uma indicação do que faltava a essas duas irmãs, para terem deixado de pensar concordemente no Senhor.

A. Falta do cultivo da unidade

Em Filipenses 2.1, Paulo faz quatro apelos. Ele inicia com a expressão “se há”, não duvidando que existissem entre eles algumas condições relacionadas à união com Cristo, mas querendo dizer que, se existissem entre eles essas condições, como de fato existiam, então nada faltava a eles para que vivessem unidos e sem divisões. 

Conforme 2.2, o que faltava era o cultivo da unidade. Evódia e Síntique abandonaram esse alvo, não pelo fato de não mais possuírem as condições necessárias para a unidade, mas por não se esforçarem para isso.

Quando Paulo menciona as duas irmãs, em 4.1-3, fala com consideração, reconhecendo que elas, a despeito do desentendimento, eram pessoas dignas de seu cuidado e consideração. Na igreja do passado e do presente ocorre o mesmo. 

As divisões não são causadas pela falta de qualquer condição alcançada por meio de Cristo Jesus em nossa união com ele. Ele nos proporcionou todas as coisas para vivermos unidos. O que ocorre é que, muitas vezes, não nos esforçamos para manter a unidade, como deveríamos fazer. A unidade deixa de ser cultivada por causa de nosso egoísmo e nossos melindres.

B. Falta de humildade ou disposição

Em 2.3, Paulo fala da necessidade de não fazermos coisas motivados por partidarismo ou orgulho, “mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo”.

Independentemente da contenda entre as duas irmãs, o problema necessitava que um terceiro intervisse, indicando que havia entre elas falta de humildade, e isso era um empecilho para deixarem suas queixas e opiniões.

A falta de humildade leva as pessoas a lutarem por suas opiniões até as últimas consequências. Não é à toa que, em muitas igrejas, problemas de relacionamento entre irmãos persistem por muito tempo, culminando às vezes na irremediável divisão de igrejas locais. Tudo porque as partes envolvidas não querem ceder. Falta humildade e disposição para mudar o quadro.

C. Falta de solicitude

As divisões muitas vezes ocorrem pelo fato de as partes buscarem o seu próprio interesse, e não o do irmão (2.4). O individualismo é responsável por divisões na igreja de Cristo. É preciso combatê-lo e cultivar o altruísmo.

III. EXORTAÇÕES À UNIDADE

Filipenses apresenta exortações quanto a práticas que contribuam para a manutenção da unidade na igreja. Essas exortações são relevantes em todos os tempos. Atendê-las é fundamental para o fortalecimento e edificação da igreja, que deseja glorificar o Senhor.

A. Firmeza, unidade e intrepidez (Fp 1.27-30)

O cristão deve viver de maneira digna do evangelho, em conformidade com a nova vida que recebeu de Cristo. Como cidadão do reino celestial, ele precisa viver e se conduzir em harmonia com as responsabilidades que o evangelho impõe e com as bênçãos que ele traz. 

Em 3.20, Paulo recorda aos filipenses que eles não pertencem à pátria terrena, e sim à celestial e, portanto, eles não deveriam imitar aqueles que eram inimigos da cruz de Cristo. Eles deveriam lutar pela fé evangélica lado a lado, imitando o próprio apóstolo em seu combate.

O caminho para a unidade e união na igreja implica viver em harmonia com o evangelho e lutar, unidos com outros cristãos, contra aqueles que de fato são os adversários. As divisões internas de uma igreja favorecem os inimigos e depõem contra a igreja.

B. Imitar a Cristo Jesus (Fp 2.1-11)

Conforme já mencionamos, a falta de cultivo da unidade, da humildade e da solicitude são causas para as divisões que ocorrem na igreja de Cristo em todos os tempos. Desse modo, em 2.1-4, Paulo nos encoraja a buscar essas virtudes e práticas.

No relacionamento entre crentes deve haver um esforço para que a unidade, a humildade e a solicitude falem mais alto e ajudem a decidir as disputas e desentendimentos. Para encorajá-los ainda mais e motivá-los a essas práticas, Paulo evoca o exemplo supremo de Cristo Jesus:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.

Para que a disposição descrita nos versos 1 a 4 fosse nutrida, era preciso que os filipenses imitassem continuamente a Jesus em seu modelo de vida. Os filipenses precisavam ter a mente de Cristo.

É claro que os atos redentivos de Cristo não podem ser imitados por nós, mas o que Paulo tem em vista, aqui, não são esses atos, mas o espírito, o sentimento que serviu de base para que eles fossem realizados em nosso favor.

Podemos imitar a atitude de autorrenúncia, com o propósito de auxiliar os outros. Sem dúvida nenhuma, no serviço que Cristo assumiu e realizou, a unidade, a humildade e a solicitude estavam constantemente presentes em sua vida (Jo 10.30; Mt 11.29; 20.28). Para evitar e combater as divisões, precisamos seguir o exemplo do Senhor.

CONCLUSÃO

Na igreja de Cristo, as divisões podem ocorrer e são um perigo constante para a manutenção de sua unidade. Isso, contudo, não deve produzir frustração nem decepção com a igreja. Essa realidade também não pode produzir acomodação.

É preciso identificar suas causas e desenvolver atitudes que combatam as divisões e, ao mesmo tempo, fortaleçam a unidade da igreja de Cristo. Nessa tarefa, cada crente deve ter participação ativa, inclusive você.

APLICAÇÃO

Considerando a realidade das divisões na igreja, liste cinco atitudes para combatê-las. Esforce-se para imitar o Senhor Jesus, cultivando atitudes que fortaleçam a unidade de sua igreja: longanimidade, perdão, amor são algumas dessas atitudes. 

Quando você encontrar divisão entre irmãos em sua igreja, não fique parado. Ore e faça algo para que a unidade seja preservada e a situação, resolvida. Você é responsável por isso.


Lista de estudos da série

1. A prova de fogo: Como a fé cristã floresce em meio à perseguição – Estudo Bíblico sobre a Igreja Perseguida

Semeando Vida

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